Autor: Luís Dufaur
A confraria (dos artesões de um ofício definido, p.ex.: alfaiates), que era de origem religiosa e existia mais ou menos por toda parte, era um centro de ajuda mútua.
Figuravam em primeiro plano as pensões concedidas aos mestres idosos ou já enfermos e os socorros aos doentes, durante todo o tempo da doença e da convalescença.
Era um sistema de seguros em que cada caso podia ser conhecido e examinado em particular, o que permitia dar o remédio apropriado a cada situação e ainda evitar os abusos.
Se o filho de um mestre é pobre e quer aprender, os homens de bem devem lhe ensinar por 5 soldos (taxa corporativa) e por suas esmolas — diz o estatuto dos fabricantes de escudos.
A corporação ajudava ainda no caso de seus membros precisarem viajar ou por ocasião do desemprego.
Thomas Deloney conta-nos este episódio interessante: Tom Dsum, sapateiro inglês em viagem, encontra-se com um jovem senhor arruinado, e se dispõe a acompanhá-lo a Londres:
“— Sou eu quem paga. Na próxima cidade nos divertiremos bastante.
— Como?! Pensava que você não tivesse mais que um soldo no bolso.
— Se você fosse sapateiro como eu, poderia viajar de um lado a outro da Inglaterra apenas com um penny (tostão) no bolso.
Em cada cidade acharia boa comida, boa cama e boa bebida, sem mesmo gastar seu penny.
Isto porque nenhum sapateiro deixará faltar alguma coisa a um dos seus.
Pelo nosso regulamento, se algum companheiro chegar a uma cidade sem dinheiro e sem pão, basta ele se dar a conhecer, não precisando se ocupar com outra coisa.
Os outros companheiros da cidade não somente o receberão bem, mas lhe fornecerão gratuitamente víveres e acomodações.
Se quiser trabalhar, sua corporação se encarregará de lhe arranjar um patrão, e ele não terá que procurá-lo”.
Esta curta passagem não necessita comentários.
Assim compreendidas, as corporações eram um centro muito vivo de ajuda mútua, honrando seu lema: “Todos por um, um por todos”.
Elas se glorificavam por suas obras de caridade. Os joalheiros obtiveram assim permissão para vender nas festas dos apóstolos, no domingo e nos feriados em geral.
Tudo o que o joalheiro ganhasse então era colocado na caixa da confraria, e do dinheiro desta caixa dava-se todo ano, no dia da Páscoa, um jantar aos pobres do Hospital de Paris.
Na maioria dos ofícios, os órfãos da corporação são educados às suas custas.
Tudo se passa numa atmosfera de concórdia e de alegria, da qual o trabalho moderno não pode dar uma idéia.
As corporações e confrarias tinham cada uma suas tradições, suas festas, seus ritos piedosos e cômicos, canções e insígnias.
Ainda segundo Thomas Deloney, para ser adotado como filho do “nobre ofício” um sapateiro deve saber “cantar, soar o corno, tocar flauta, martelar, combater com a espada e cantar seus instrumentos de trabalho em versos”.
Nas festas da cidade e nos cortejos solenes, as corporações expunham seus estandartes e ocupavam lugares de destaque. São pequenos mundos extraordinariamente vivos e ativos, que dão à cidade seu impulso e sua fisionomia original.
Em resumo, não se poderia melhor caracterizar a vida urbana na Idade Média do que citando o grande historiador das cidades medievais, Henri Pirenne:
“A economia urbana é digna da arquitetura gótica, da qual é contemporânea. Ela criou uma legislação social inteira, mais completa que a de qualquer outra época, inclusive a nossa.
“Suprimindo os intermediários entre vendedor e comprador, ela assegurou aos burgueses o benefício da vida barata.
“Impiedosamente perseguiu a fraude, protegeu o trabalhador contra a concorrência e a exploração, regulamentou seu trabalho e seu salário, velou por sua higiene, providenciou a aprendizagem, impediu o trabalho da mulher e da criança, ao mesmo tempo que conseguiu reservar para a cidade o monopólio de prover com produtos os campos circunvizinhos e encontrar ao longe escoadouros para o seu comércio”.
(Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge”, Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)