A grandiosa epopeia dos portugueses e espanhóis na colonização e evangelização do nosso imenso continente iniciada em 12 de outubro de 1492
Qual foi a realidade que encontraram nas praias e montanhas, selvas e planícies da América, os europeus que aqui chegaram há 524 anos? Correspondeu ela ao mito do “bom selvagem” numa América paradisíaca?
Que as coisas não eram bem assim, logo se tornou evidente. Nem inocentes, nem sempre amáveis ou pacíficos, nem tão ávidos em aprender eram os nativos.
Nas Américas, antes do Descobrimento, encontrava-se um conjunto heterogêneo de tribos nômades e semi-nômades, avessas a qualquer organização superior, frequentemente guerreando entre si.
Havia algumas sociedades maiores, dirigidas por tiranias mágico-religiosas como a dos astecas e a dos maias, no México, bem como a dos incas, no Peru, que possuíam cidades e mesmo rudimentos de um Estado primitivo, frágil e estagnado.
Predominavam, de norte a sul das Américas, práticas de sacrifícios humanos e canibalismo.
Eram comuns o infanticídio, a eutanásia e outras violações da lei natural, além de rituais sinistros com o uso de bebidas alucinógenas, que acabavam em desregramentos morais e idolatrias. Tal situação ilustra o ensinamento divino contido nas Sagradas Escrituras: “Omnes dii gentium daemonia” (Sl. 95, 5) –– Todos os deuses dos gentios são demônios.
Entre os astecas eram de rotina os mais nefandos sacrifícios humanos, para saciar os “deuses” com o sangue das infelizes vítimas.
Os historiadores contam que, diante dos templos piramidais, milhares de prisioneiros aguardavam em fila a hora da morte. Levadas ao alto das pirâmides, as vítimas eram jogadas de costas na pedra sacrifical, agarradas por cinco sacerdotes, dois dos quais seguravam as pernas, dois os braços e o quinto a cabeça voltada para trás. Seu peito era aberto pelo sacerdote-mor com uma faca, arrancavam-lhe o coração com as mãos e o ofereciam aos deuses. [desenhos ao lado e abaixo]
Os sacerdotes se revezavam, esgotados pela carnificina, cobertos pelo sangue que salpicava suas longas cabeleiras, que nunca lavavam. Os corações eram colocados em uma bacia e os corpos atirados pelos degraus do templo, até um pátio, onde os encarregados dessa horrível função os retalhavam. Em seguida, as diversas partes eram enviadas aos banquetes da antropofagia: as melhores partes destinadas às mesas da corte e o restante para os guerreiros.
Na inauguração de um novo templo, podiam ser sacrificados mais de vinte mil prisioneiros em uma só celebração ritual! Alguns historiadores relatam que, no ano de 1487, o tirano Ahuitzotl sacrificou oitenta mil vítimas humanas em uma só festa, numa mesma cidade…
Também os maias ofereciam constantes sacrifícios humanos em análogos rituais religiosos. E os incas, ao sul, tampouco estavam isentos dessa monstruosa prática.
Quando o rei inca era coroado, virgens eram imoladas ao sol, e quando estava enfermo, meninos eram mortos em holocausto. Com o sangue dessas vítimas, os sacerdotes-magos untavam o rosto. E ao celebrarem-se as festas de coroação do novo rei, um grande número de casais de meninos e meninas eram enterrados vivos.
Em regiões de tribos nômades ou semi-nômades, não havia a mesma organização, mas os vícios eram habitualmente os mesmos e o canibalismo generalizado com caçadas humanas, inclusive no Brasil.
Aqui, a maioria das tribos formava pequenos agrupamentos que se bastavam a si mesmos, viviam percorrendo o território de um ponto a outro, não demorando, em geral, em cada lugar, mais do que quatro ou cinco meses, e habitando choças com umas 25 “famílias” em média.
Eis alguns aspectos fundamentais dessa dura realidade que os eco-tribalistas — entre estes, até altos prelados — de hoje procuram passar em silêncio.
A evangelização dos indígenas
A Igreja, que é Mãe, entretanto não recuou ante a consideração desses crimes, nem abandonou horrorizada estas terras. Tampouco as nações católicas colonizadoras deixaram seus empreendimentos, nos quais se incluía o desejo missionário.
Afastadas as trevas opressivas do paganismo, os infelizes indígenas conheceram o verdadeiro sol de justiça, que é Nosso Senhor Jesus Cristo, e aprenderam a amar a intercessão bondosa de sua Mãe Santíssima, a Virgem Maria. Abriram-se então para eles as sendas da civilização cristã, quebrando-se o domínio tirânico da barbárie que os subjugava, e rompendo o influxo tenebroso dos sacerdotes-magos e dos pajés.
Grupos e povos indígenas inteiros aliaram-se aos europeus na conquista e civilização das Américas. A preeminência selvagem dos chefes e caciques nativos transformou-se em uma autoridade humanizada e cristã.
Por todas as partes nasceram os aldeamentos de índios católicos. Os indígenas de todas as Américas aprenderam a escrever suas próprias línguas e a ler nelas o catecismo e a doutrina católica.
Índios foram aculturados nas vias da civilização cristã e protegidos pelas leis das monarquias católicas, que desciam a impressionantes pormenores para defendê-los dos abusos que viessem a ocorrer. Deu-se grande miscigenação.
A excepcional intuição indígena, sua compreensão privilegiada do maravilhoso religioso, sua capacidade de expressão cheia de sensibilidade, ficaram impressas em obras-primas do barroco americano e marcaram de modo peculiar o espírito dos povos da ibero América.
São traços preciosos que permanecem como sugestões e esboços dos desígnios providenciais ainda por realizar-se neste continente da esperança.
A Cristandade de ultramar
A História registra igualmente o desvelo dos reis pelos indígenas, seus novos e débeis vassalos. São cartas aos descobridores, aos colonizadores, são legislações que ainda hoje surpreendem pelo sentido missionário e pelo esforço de adequação às realidades na defesa dos nativos americanos.
Nesta magna obra que unia o altar e o trono, atravessaram o oceano nas caravelas portuguesas e espanholas mais de 16 mil heroicos missionários, para embrenhar-se pelas selvas e montanhas da América.
Dedicaram suas vidas a esta epopeia descobridores, conquistadores, oficiais e soldados, fundadores de povos e cidades, prelados, evangelizadores, civilizadores e colonizadores.
Nasceu uma nobreza americana, tendo sido mesmo reconhecida, em certos casos, uma nobreza indígena, cujos membros não raro contraíam matrimônio com representantes das nobrezas portuguesa e espanhola.
Derramaram seu sangue, martirizados, religiosos e leigos, inclusive índios convertidos. Vários desses combatentes de Cristo a Igreja elevou aos altares, como os mártires São Roque González, Santo Afonso Rodriguez e São João del Castillo.[quadro ao lado]
Iluminaram os séculos, com sua santidade, potentados espirituais como São Toríbio de Mogrovejo, patrono do Episcopado americano; Frei Martin de Porres, o santo mulato; grandes figuras da mística como Santa Rosa de Lima e Santa Mariana de Quito; os beatos Juan Massias, no Peru, ou Gregório Lopes, no México, e a Bem-aventurada Marie de I‘Encarnation, no Canadá; apóstolos como São Francisco Solano, São Pedro Claver, São Luis Beltran ou nosso Beato José de Anchieta.
Na luso e hispano América apareceram Vice-reinados, Governos Gerais, tribunais, constituindo uma imensa rede político-administrativa com os cabildos espanhóis e os passos municipais portugueses.
Multiplicaram-se sem fim vilas e povoados, nos quais floresciam o artesanato, o comércio, a agricultura e a criação de gado.
Não é, pois, de se estranhar que Leão XIII, ao cumprir-se o IV Centenário do Descobrimento da América, considerasse, em sua Encíclica comemorativa “Quarto Abeunte Seculo” (Transcorrido o Quarto Século), este feito como sendo parte dos desígnios de Deus, e exclamasse que se tratava “da façanha mais grandiosa que hajam podido ver os tempos”.
Bibliografia:
1. José Antonio Arze y Arze, Sociografia del Inkario, Libreria Editorial “Juventud”, La Paz, Bolivia, 1989.
2. Salvador de Madariaga, Hernán Cortes, Instituição Brasileira de Difusão da Cultura SA. –– IBRASA, São Paulo, 1961.
3. Gabriel Guarda,.O.S.B, Los laicos en la cristianización de América, Ediciones Universidad Católica de Chile, Santiago, 1987.