InícioHISTÓRIA SAGRADAO Patriarca Abraão

O Patriarca Abraão

“Chefe de muitas nações, pai de reis, aliado do Senhor”.

Após a confusão das línguas e a dispersão dos povos, ocorridas devido à soberba dos homens que presidiu à construção da Torre de Babel, Deus resolveu escolher para Si um povo destinado a conservar o verdadeiro culto, e a prestar-Lhe continuamente as honras que Lhe são devidas. Desse povo deveriam nascer, muitos séculos depois, Nossa Senhora e o Messiasprometido, Nosso Senhor Jesus Cristo. O Patriarca Abraão foi eleito pelo Criador para ser o chefe desse povo, devendo sua admirável fé ser levada até as últimas conseqüências e sua descendência numerosa “como as estrelas do Céu”.

*   *   *

Não longe de Babel, na Caldéia, onde foi edificada a famosa torre, situava-se a cidade de Ur. Nela vivia Taré, homem temente a Deus e que observava suas leis, com seus filhos Abrão, Nacor e Arão. Este último, que teve por filho Lot, faleceu antes da morte de seu pai e de seus irmãos. Nacor casou-se com Melca e Abrão com Sarai, sua sobrinha, filha de Arão.

Os habitantes de Ur eram idólatras e adoravam toda fonte de calor simbolizada pelo sol, astros e sobretudo pelo fogo. Talvez tenha sido por isso que Deus ordenou que Abrão de lá saísse com sua família, para que sua fé não corresse risco (1). Com sua esposa Sarai, seu pai Taré e o sobrinho Lot, Abrão deixou Ur para estabelecer-se em Haran, na Mesopotâmia. Lá faleceu seu genitor.

Promessa divina: Farei de ti um grande povo

Certo dia, o Senhor disse a Abrão: “Sai da tua terra, e da tua parentela, e da casa de teu pai e vem para a terra que eu te mostrar. E eu farei de ti um grande povo, e te abençoarei, e engrandecerei o teu nome, e serás bendito. Abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; e em ti serão benditas todas as nações da Terra” (Gen. 12,1-3).

Comenta o Pe. Matos Soares (2): “A promessa feita a Abraão orienta-se essencialmente ao futuro e supõe um plano de salvação, oculto por ora na mente de Deus. Transparece, porém, já claramente que essa salvação se estenderá a todos os povos”. Ao que acrescenta  o ilustre comentador da Sagrada Escritura, Pe. L. CL. Fillion: “Essa ordem tem duas partes: 1ª ‘Sai de tua terra…’. É a renúncia a tudo o que o homem tem de mais caro na terra: pátria, parentes, casa paterna. Deus arranca assim violentamente a todas suas antigas relações e ao perigo de idolatria, aquele de quem Ele quer se servir para fundar uma raça nova e santa. 2ª  ‘e vem para a terra…’. Terra que uma revelação ulterior deverá determinar” (3). Note-se que Abrão tinha 75 anos quando Deus lhe fez essa revelação!

A longa peregrinação do Patriarca 

Começou então para o futuro patriarca uma longa peregrinação: “Abrão passava verdadeiramente sobre a Terra como um viajante. A tenda que havia plantado na véspera, ele a dobrava no dia seguinte, como um exilado que não tem domicílio permanente, e procura sua pátria. Dos campos de Sichem, desceu rumo ao sul da Palestina, e, logo, mesmo para o Egito por causa da fome que desolava o país de Canaã” (4).

Voltando do Egito, Abrão fixou-se perto de Betel e “era muito rico em ouro e prata” (Gen. 13, 2). Ora, como seus rebanhos e os de Lot haviam se multiplicado muito, e não havia pastagens suficientes para eles, Abrão propôs a Lot que se separassem, e generosamente deixou ao sobrinho que escolhesse a região para estabelecer-se. Lot fixou-se nas férteis pastagens da região chamada Pentápolis — formada pelas cidades de Sodoma, Gomorra, Adama, Seboim e Segor – a qual, antes do castigo do Senhor, “era toda regada de água, como o paraíso do Senhor” (Gen. 13, 10). Abrão foi mais para o Ocidente, habitando o vale de Canaã.

Novamente o Senhor falou a Abrão: “Levanta teus olhos, e olha …. toda a terra que vês, eu a darei para sempre a ti e à tua posteridade. E multiplicarei tua descendência como o pó da terra. …. Levanta-te, e percorre o país em todo o seu comprimento; porque eu to hei de dar” (Id. ib., 14-17). Levantando sua tenda, ele foi fixar-se no vale de Mambré e ali edificou um altar ao Senhor.

Abrão, o guerreiro, abençoado por Melquisedec 

Nessa ocasião, os reis do Ponto, dos elamitas e “das gentes” fizeram guerra contra os cinco reis da Pentápolis, devastando toda a região e levando tudo o que encontravam. Lot foi também feito prisioneiro, e apossaram-se de todos os seus bens.

Mas um de seus criados, que escapara, correu para comunicar o sucedido a Abrão. Este imediatamente escolheu seus mais bravos homens e improvisou um exército de apenas 318 homens, indo ao encalço de Codorlaomor e os reis seus aliados. Caindo sobre eles de  surpresa, de noite, desbaratou-os, e libertou Lot com tudo o que lhe pertencia.

Retornando dessa expedição, Abrão foi saudado e abençoado por Melquisedec, personagem misterioso, Rei de Salém,  cidade que mais tarde viria ser Jerusalém, e também sacerdote do Altíssimo.

Origem dos ismaelitas 

Como ficaria a promessa de Deus se Sarai era estéril e Abrão avançado em anos? Segundo costume da época, que tolerava a poligamia, Sarai pediu que Abrão tomasse sua escrava Agar como esposa,  pois o filho da escrava pertenceria à senhora (5).  Mas o que se seguiu transformou-se numa fonte de amargura para Sarai, pois a escrava, tendo concebido, desprezou sua senhora. Agar deu à luz a Ismael, que seria o avô do povo árabe. Mas Ismael não era o filho da promessa de Deus…

Nova promessa, mudança de nome de Abrão para Abraão 

E Deus falou mais uma vez a Abrão, quando este tinha 99 anos: “Anda em minha presença e sê perfeito. E eu farei minha aliança entre Mim e ti, e  multiplicar-te-ei extraordinariamente. …. Tu serás pai de muitas gentes. E não mais serás chamado com o nome de Abrão, mas chamar-te-ás Abraão, porque te destinei para pai de muitas gentes. Eu te farei crescer(na tua posteridade) extraordinariamente, e far-te-ei chefe das nações, e de ti sairão reis. … Darei a ti e à tua posteridade a terra da tua peregrinação, toda a terra de Canaã, em possessão eterna, e serei o teu Deus” (Id. 17, 1-8).

Dito isto, o Senhor acrescentou que a circuncisão — prefigurando o batismo — seria o “pacto marcado na vossa carne para (sinal de) aliança eterna” entre Deus e seu povo. Além disso, Sarai deveria doravante ser chamada Sara (6), e o Senhor a abençoaria com um filho que “será chefe de nações e dele sairão reis”.

Em sua simplicidade, Abraão pensou: “É possível que a um homem de cem anos nasça um filho? E que Sara dê à luz aos noventa?” E disse a Deus: “Oxalá Ismael viva em tua presença!”.

Mas Aquele para quem nada é impossível repetiu que Sara daria à luz um filho que deveria ser chamado Isaac. Abençoaria também Ismael e fá-lo-ia pai de 12 príncipes, e cabeça de uma grande nação. E repete: “Mas o meu pacto eu o estabelecerei com Isaac, que Sara te dará à luz no próximo ano, nesta mesma época” (Id. ib., 9 a 22).

Vícios contra a natureza: causa da destruição de Sodoma 

Entretanto Deus, vendo que as cidades que formavam a Pentápolis estavam prevaricando gravemente com o vício infame, resolveu destruí-las. E o fez saber a Abraão. E aqui se travou um diálogo admirável entre Deus e Abraão, no qual este manifestou  de todos os modos seu desejo de salvar as cidades pecadoras da justa ira divina, por causa daqueles habitantes que não haviam pecado – “Perderá tu o justo com o ímpio? Se houver 50  justos na cidade, perecerão todos juntos?” argumenta Abraão (Id., 18, 23-24). O Onipotente respondeu-lhe que, se houvesse 50 justos nas cidades prevaricadoras, por amor deles perdoaria toda a cidade. E assim foi Abraão abaixando a cifra até chegar a 10 justos. E o Senhor concordou que se houvesse 10 justos, por amor deles perdoaria toda a cidade.

Porém, não havia sequer 10 justos em Sodoma: apenas Lot e sua família. Deus, pois, “condenou a uma total ruína as cidades de Sodoma e de Gomorra, reduzindo-as a cinzas, pondo-as por exemplo daqueles que venham a viver impiamente; e livrou o justo Lot, oprimido pelas injúrias e pelo viver luxurioso desses infames” (II Ped, 2, 6-7). Dois anjos mandaram Lot e sua família sair da cidade antes de a destruir com as outras. E fizeram chover sobre aquelas cidades enxofre e fogo do céu, não restando delas matéria viva alguma.

Abraão, submisso a Deus, disposto a sacrificar Isaac 

Entretanto, cumpriram-se os dias e Sara deu à luz Isaac. Este, como o futuro Jesus Menino, crescia em graça e santidade diante de Deus e dos homens. Mas certo dia Sara viu Ismael, que era 13 anos mais velho do que Isaac, dele debicar. Pediu então a Abraão que expulsasse a escrava e seu filho de sua casa. Ora, Ismael era filho também de Abraão, e este ficou chocado com a proposta da esposa. Mas disse-lhe o Senhor: “Não te pareça áspero tratar assim o menino e a tua escrava. Atende Sara em tudo o que ela te disser, porque de Isaac sairá a descendência que há de ter o teu nome” (Id. 21, 11-12).

Crescendo Isaac, o Altíssimo quis provar a fé de Abraão. E  disse-lhe: “Toma Isaac, teu filho único, a quem amas, e vai ao território de Mória, e aí  oferece-o em holocausto sobre um dos montes que eu te mostrar” (Id. 22, 2). Abraão não hesitou um instante. Chamou Isaac, pôs-lhe aos ombros um feixe de lenha, e, portando uma adaga, dirigiram-se para o local indicado por Deus. Isaac, entretanto, não vendo a vítima,

No alto do monte, preparada a lenha para a fogueira, Abraão pediu a Isaac que se deitasse sobre ela. O adolescente nada replicou, obedecendo fielmente a seu pai. Este, levantando o braço, ia desferir com a adaga o golpe sobre a vítima, quando um anjo do Senhor o chamou pelo nome e disse-lhe da parte do Altíssimo: “Não estendas a tua mão sobre o menino, e não lhe faças mal algum; agora conheci que temes a Deus e não perdoaste teu filho único por amor de mim” (Id. ib., 12). E vendo Abraão perto um carneiro preso a um arbusto pelos chifres, pegou-o e ofereceu-o em holocausto ao Senhor.

Esse ato heróico de fidelidade ao Primeiro Mandamento – Amar a Deus sobre todas as coisas – mereceu a Abraão que Deus renovasse com ele sua aliança.

Casamento de Isaac com Rebeca: assegurada a descendência como“as estrelas do Céu” 

Conta a Sagrada Escritura que “Sara viveu 127 anos, e morreu na cidade de Arbéia, na terra de Canaã. E Abraão veio para a prantear e chorar (7)(Id. 23, 1-2). É muito saborosa e cheia de detalhes pitorescos a descrição que a Escritura Santa faz das tratativas de Abraão para conseguir um sepulcro perpétuo para Sara.

Abraão pensou então no futuro de seu filho, e em dar-lhe uma digna esposa. Confiou a missão ao seu fiel servo Eliezer. Este, com a ajuda divina, encontrou  Rebeca, filha de Batuel. E as bodas  realizaram-se segundo desejo de ambos.

Abraão  faleceu “numa ditosa velhice e em avançada idade (175 anos) e cheio de dias; e foi unir-se a seu povo” (Id., 25, 8). Foi enterrado junto a Sara.

“Abraão é herói da vida espiritual pela fé e pela obediência. Simboliza o cristão, estrangeiro na terra, que está a caminho da pátria celestial” (8).

*   *   *

1-  Cfr. Atos, 7, 2-3.

2- Bíblia Sagrada, Edições Paulinas, São Paulo, 1980, p. 36, 3.

3- La Sainte Bible, commentée d’après la Vulgate, Paris, Letouzey et Ané, Éditeurs, 1899, t. I, p. 58.

4- Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, d’après le Père Giry, par Mgr.Paul Guérin, Paris, Bloud et Barra, Libraires-Éditeurs, 1882, tomo XII, p.183.

5- A respeito dessa passagem, nota o Pe. Fillion: “Sara, sempre estéril, quis precipitar o cumprimento das promessas divinas por um expediente humano, que logo será para ela fonte de amargos arrependimentos” (Ib., p. 69).

6 – Sarai queria dizer “princesa”, e Sara, princesa por antonomásia, de acordo com o Pe. Fillion: “A esposa de Abraão, em vez de ser somente princesa de uma tribo isolada, tornar-se-á a rainha e mãe de famílias numerosas” (Id.ib. p. 72).

7 – “Sara é honrada como a mãe espiritual de todos os crentes, em razão de sua confiança em Deus e de sua firme coragem em exilar-se de sua pátria e percorrer uma terra estrangeira pela fé em Abraão e pelo sentimento de religião. Ela é honrada também como uma figura misteriosa, seja da Virgem Maria, que deu à luz ao verdadeiro Isaac, seja da Igreja Católica, da qual os filhos igualam em número as estrelas do firmamento” (Les Petits Bollandistes, op. cit., p. 190).

8 – Pe. José Leite, S.J., Santos de Cada Dia, Livraria Apostolado da Oração, Braga, 1987, vol. III, p. 152.

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2 COMENTÁRIOS

    • Prezado Irineu,
      Salve Maria!

      Obrigado pelo seu comentário. Acabamos de publicar o novo site da Lepanto e estamos com a expectativa de trazer mais novidades.
      Contamos com a participação de todos para que o site seja cada vez mais enriquecido.

      Atenciosamente,
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