A Curva da História

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Visão Panorâmica da História Universal.

Como fim último da criação Deus teve em vista a Si mesmo. Ele visou, ao criar, Sua própria glória. Em Deus  podemos distinguir a glória intrínseca da glória extrínseca. Aliás, também no homem pode se distinguir esses dois tipos de glória. O que é a glória intrínseca? É o esplendor, a manifestação externa, de dentro para fora, das qualidades gloriosas de um determinado ser.

Por exemplo, em Nosso Senhor Jesus Cristo no alto da Cruz, transformado, segundo diz a Escritura, num leproso, havia glória intrínseca, pois Ele tinha uma infinidade de méritos, de virtudes,  de capacidades. Mais ainda, algo disso filtrava exteriormente, apesar de tudo quanto a flagelação e a Paixão introduziram de deformante nEle.

Por sua vez, a glória extrínseca é a glória que outros concedem, que outros reconhecem, que outros tributam. Assim, por exemplo, Nosso Senhor, ao entrar em Jerusalém, aclamado pelos judeus, tinha glória extrínseca e intrínseca, enquanto que no alto da cruz estava presente apenas a glória intrínseca.

A glória extrínseca, os judeus de então não Lha concederam. Ele tinha essa glória, porque havia o louvor que Nossa Senhora Lhe prestava. E o louvor de Nossa Senhora vale insondavelmente mais do que representam, em sentido negativo, as blasfêmias de todos os homens e demônios somados. Mas, digamos que, exceção feita de Nossa Senhora e das santas mulheres, Nosso Senhor, em Sua Paixão, não possuía glória extrínseca.

Assim,  na coluna da flagelação Ele não recebia glória extrínseca. Ninguém que estava lá assistindo à flagelação O glorificava. Essa é a diferença que vai entre a glória extrínseca e a glória intrínseca.

Fim da criação: glória extrínseca de Deus tributada pelas criaturas

A glória intrínseca, Nosso Senhor Jesus Cristo a tem infinita, Deus a tem infinita, eterna, absoluta e nenhuma criatura a pode aumentar. Ele não precisa criar para acrescê-la.

A glória extrínseca, a glória que Lhe vem de fora, as criaturas podem dar-Lhe, louvando-O, reconhecendo as qualidades dEle, prestando-Lhe homenagem, amando-O e servindo-O. Para isso Ele criou, tendo em vista sua glória extrínseca.

A glória extrínseca de Deus provém do quê? Provém da excelência de suas criaturas, ou seja, da semelhança das criaturas em relação a Ele, porque tudo o que é excelente é semelhante a Ele. Então, a semelhança das criaturas para com Ele constitui sua glória extrínseca.

Um homem não concede glória extrínseca a Deus como um boneco. Sendo ele um ente vivo, dotado de inteligência, deve desejar assemelhar-se a Deus. Tudo quanto há nele de similar a Deus, ele deve aprimorar. Tudo quanto o poderia levar para longe de Deus, deve ele rechaçar. Deve adorar a Deus, deve louvar e servir a Deus.

Impossibilidade de uma só criatura espelhar adequadamente toda a glória extrínseca devida a Deus

Deus poderia criar uma só criatura para Lhe dar glória? Ou Ele, a criar, teria que criar várias criaturas?

Absolutamente falando, Deus não precisa criar criatura nenhuma, porque Ele não tem necessidade da glória extrínseca que nós Lhe damos. Ela convém, mas não Lhe é necessária. De maneira que, absolutamente falando, Deus não precisava criar nada. Mas, a criar, Ele poderia criar um só ser? Em outros termos, poderia haver uma só criatura que desse suficiente glória extrínseca a Deus?

Essa matéria é muito discutida entre os teólogos. Inclinamo-nos para a idéia de que nenhuma criatura sozinha, nem mesmo Nossa Senhora em sua indizível perfeição, poderia dar suficiente glória a Deus; e que Este, a criar, teria que criar vários seres, porque Deus é tal que em nenhuma criatura há possibilidade de refletir todas as perfeições divinas.

E para dar glória extrínseca suficiente a Deus, é preciso que a criação reflita todas as suas perfeições. De onde serem necessárias muitas criaturas. A criação, assim, necessariamente, envolveria muitas criaturas.

O pressuposto que está nessa afirmação é o seguinte: para que a criação dê suficientemente glória a Deus, precisa ser um reflexo total dEle. Não que reflita com toda a propriedade cada um de seus atributos, mas deve refletir, nas limitações de toda criatura, os atributos dEle.

Criação: maravilhosa coleção de seres, cada um refletindo  Deus de modo inconfundível

Ora, os atributos dEle são tais, que uma criatura não os pode conter todos em forma suficiente para os refletir. Então é necessário que haja muitas criaturas.

Daí conclui-se que toda a criação é uma espécie de coleção, e que Deus criou os seres de maneira que cada ente reflita, de modo inconfundível, um dos atributos dEle. De maneira que um atributo divino pode ser refletido por 10 milhões de seres, pouco importa. Cada ser reflete de modo inconfundível, um aspecto daquele atributo dEle.

Isso vale sobretudo para os Anjos. A criação angélica deu-se de tal maneira, que ela reflete, no seu todo, com as miríades de Anjos que há e que são incontáveis, um quadro total de Deus. E é uma coleção-espelho, em que cada Anjo não repete o outro, porque Deus não gagueja.

O homem que tem um defeito de locução pode dizer uma coisa repetida. Ele pronuncia duas sílabas, uma das quais supérflua. Mas Deus não vai, ao fazer o espelho da sua glória, colocar um ente que figure um gaguejar, que repita viciosamente o que o outro já disse, o que outro já é.

De maneira que os Anjos todos constituem uma prodigiosa coleção, uma fabulosa coleção em que todos os atributos de Deus estão devidamente espelhados.

Então, Tronos, Dominações, Querubins, Serafins, Potestades, Virtudes, Arcanjos, Anjos, todos eles constituem, no total, uma imagem de Deus. Mas depois, examinando-se as várias ordens angélicas internamente, cada uma delas é uma espécie de coleção dentro da coleção, e a representação de um atributo dentro do atributo.

Grande luta no Céu: expulsão dos Anjos maus

Deus exigiu dos Anjos, logo depois de sua criação, que Lhe prestassem glória. Ele criou os Anjos como seres livres, e uma parte dos Anjos, induzida por Lúcifer, recusou a homenagem devida a Deus. Veremos mais adiante em que consiste essa homenagem.

Resultado, a revolta: Proelium magnum factum est in caelo. Travou-se no Céu uma grande batalha. São Miguel colocou as coisas nos termos em que deveriam ser colocadas, precipitando Satanás e os outros Anjos rebelados no inferno, restabelecendo imediatamente e de uma só vez a ordem.

Em vista disso, ficaram vazios os tronos dos Anjos revoltosos no Céu. Como preencher esse vazio?

Os imutáveis planos da criação

A criação angélica espelhava totalmente a Deus. Portanto a humanidade não foi criada propriamente para preencher esse vazio, porque pode-se admitir que Deus criasse os homens independente da criação dos Anjos. Isto porque seria muito belo que Deus quisesse utilizar um esquema com todas as possibilidades da criação e realizá-lo, criando o puro espírito, o animal com espírito, o animal sem espírito, a planta e a matéria inanimada, que consiste num esquema das possibilidades da criação. E é possível que Ele fizesse isso ainda que os Anjos não tivessem defeccionado. Mas, uma vez que houve a queda dos Anjos, pôs-se o problema: como remediá-la? E a solução: criação dos homens.

Por exemplo, tomemos a natureza física, porque é mais fácil. Deus, sendo um abismo infinito de todas as perfeições, por algum lado é sumamente majestoso, mas por outro lado é sumamente gracioso. Encontramos animais que refletem a majestade de Deus. Por exemplo, o leão. Há animais que refletem algo de indizivelmente gracioso que existe em Deus. Por exemplo, o beija-flor. O trovão reflete, por sua vez, Deus enquanto puniente. O cordeiro reflete Deus enquanto capaz de perdoar, enquanto manso, enquanto pacífico. Quer dizer, Deus tem um número indizível de atributos, ou seja, de qualidades. Cada uma das criaturas espelha uma qualidade. O conjunto delas espelha o conjunto das qualidades divinas.

Possibilidade de estabelecer o  elenco dos atributos infinitos de Deus

É possível fazer um elenco dos atributos divinos e Santo Tomás de Aquino o apresenta. Pode-se enumerá-los como que num catálogo, como que numa classificação. Isso não é contra a infinitude de Deus.

O que seria contra a sua infinitude:  Ele ter esses atributos de  modo limitado, a saber, um pouquinho de cada atributo ou perfeição.

Então, no que consiste a infinitude de Deus? Consiste em que cada uma dessas perfeições é infinita.

Anjos e homens: duas grandes orquestras musicando eternamente a glória divina

Deus desejava criar como que duas grandes orquestras diversas — o mundo angélico e a humanidade –, cada uma cantando as glórias dEle a seu modo. Então a criação humana, oferecendo a Deus outro reflexo total dEle; depois a criação animal, a criação vegetal, a criação mineral, tudo apresentando reflexos totais do Criador. Ele tinha esse plano, mas com a queda dos Anjos, foi conforme à sua sabedoria constituir um plano segundo, mediante o qual os homens fossem ocupar os tronos dos Anjos rebeldes e completar as harmonias que ficaram deficientes no Céu.

Imaginemos alguém que, perdendo alguns músicos de uma orquestra, convoca outra orquestra para formar outro conjunto, porque o conjunto é melhor que cada parte. Há, pois, uma vocação do homem para preencher os lugares dos Anjos no Céu e formar com eles uma só imagem de Deus, cantar uma só glória de Deus.

Orgulho: possível causa da revolta dos Anjos

Por que se deu a queda dos Anjos? Alguns dizem que Deus ofereceu a esses puros espíritos a possibilidade de ascender à ordem sobrenatural; quer dizer, além da sua natureza, eles receberem um dom, mediante o qual seriam elevados acima de sua própria natureza, isto é,  à ordem da graça. E ademais de conhecerem a Deus através do conhecimento natural que eles já possuíam, obteriam o dom de ver a Deus face a face na visão beatífica, a qual é propriamente efeito da graça.

É um pouco como se Deus aparecesse para os homens e dissesse: “Vocês querem ser Anjos? Eu vou dar a vocês um dom que não está na natureza de vocês e pelo qual vocês vão ver tudo o que um Anjo vê. Quer dizer, vocês vão ser angelizados.”

Deus apareceu aos Anjos e disse: “Vocês vão ter uma participação na vida da Santíssima Trindade, mediante a graça. Vocês vão poder ver a Santíssima Trindade face a face, por um dom gratuito, que é superior à natureza de vocês. Vocês aceitam isso?

Então os Anjos rebeldes teriam feito o seguinte raciocínio: “É tal a grandeza que tenho em minha natureza, sou tão estupendo, tão magnífico, que me humilha receber um dom que me coloca acima de minha própria natureza. Eu quero ser eu. Para que agora essa espécie de enfeite, mas que vem de fora, em que eu já não sou eu? Isso eu não quero. Eu prefiro o meu eu só, sem nenhum auxílio sobrenatural e nenhuma riqueza sobrenatural, porque o contrário seria pisar a excelência de minha natureza.”

Orgulho pode inclinar à recusa da vida sobrenatural

Aplicando a prova dos Anjos à psicologia humana, pode ser que o homem aceite a proposta divina e diga: “Quero!”; ou fique ressentido e responda: “Prefiro ficar eu mesmo”.

Há mentalidades que embicam por aí. Assim agiu o demônio para com Deus. Ele disse a Deus: “Ordem sobrenatural, não quero”. Ficou ressentido, ressentimento culposo, revoltou-se e não quis.

Conhecimento da Encarnação do Verbo e da  Realeza de Nossa Senhora: outra possível causa da revolta angélica

Outros teólogos julgam que a prova dos Anjos consistiu na revelação do Mistério da Encarnação do Verbo: a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade haveria de se unir hipostaticamente, não a eles, mas a um homem, e que não haveria união hipostática com Anjo nenhum, e que eles teriam que adorar esse Homem-Deus. Outra coisa muito mortificante para o orgulho dos anjos rebelados!

Imaginemos, por exemplo, Lúcifer – parece que era o mais magnífico de todos os Anjos – que ouve falar:

– Deus vai constituir uma união hipostática.

– Sou eu, não é verdade?

– Não!

– Como? Que Anjo Ele escolheu?

– Nenhum Anjo. Serão criados homens e a união hipostática vai se efetuar com um homem. E a este Homem-Deus você terá que adorar.

Podemos imaginar a constrição revoltada, imunda, mas autêntica, explicável à maneira dos defeitos de Satanás diante do fato: “Então, todo o meu brilho, todo o meu talento, toda a minha sabedoria, todo o meu charme, toda a preeminência que eu tenho sobre todos os espíritos angélicos, isso é nada? Na hora da melhor predileção, da maior honra, da preferência mais excelsa, a escolha recai sobre um homem!

Depois, ainda: Maria Santíssima! A mãe dEle – não só Ele, que afinal é Homem-Deus –, mas sua Mãe, que é pura criatura, recebe tal honra em ser Mãe dEle que vai ser Rainha de todos vocês. E um bater de sobrancelhas, de pestanas, de cílios dEla vai mover vocês todos. E nem é homem, é uma mulher. Satanás terá pensado: “Ah, não! Também, levar até onde..

Criação do universo e estabelecimento de um plano  para o homem no Paraíso Terrestre

Então veio a criação desse nosso universo. Deus criou primeiro o universo material, como narra o Gênesis. E dentro do universo material, criou o homem. Estava constituído um todo após o qual, segundo o Gênesis, Deus descansou no sétimo dia, considerando a sua obra.

Esse descanso é exatamente a alegria por sentir a obra que Lhe está dando glória, vendo que cada coisa era boa e o conjunto era ótimo. O conjunto do universo era magnífico. Deus, então, criou os homens. Qual era o papel dos homens para realizar a glória de Deus?

Deus colocou os homens no lugar mais magnífico de todo o universo, o Paraíso Terrestre que ainda existe, se bem que ninguém saiba onde está e possa nele entrar.

A intenção dEle era que os homens, vivendo nesse Paraíso, tivessem já a vida da graça; que vivessem nessa Terra, ainda sem a visão beatífica, se bem que Deus falasse a eles com freqüência, se manifestasse a eles amiúde. E quando chegasse o fim da vida dos homens, eles não morressem e fossem levados vivos para o Céu.

Os homens deveriam, no Paraíso Terrestre, pelo seu talento, criar cultura, civilização, estilos artísticos, literários etc. Tudo o que o homem realiza aqui, ele deveria empreender lá. Mas deveria efetuar de modo muito mais magnífico do que na atual situação.

Civilização humana no Paraíso e a glória tributada a Deus

Tudo isso era acrescido pelo fato de que o homem, pelos dons sobrenaturais que possuía, era dotado de alta ciência. Diante de Adão desfilaram todos os animais, e ele deu a cada um deles o nome apropriado, de acordo com a sua natureza. Ele era, pois, um zoologista fabuloso e um lingüista extraordinário. Encontrou logo a palavra adequada  para chamar cada animal por seu nome, pela sua nota distintiva natural. E isso Adão fazia não só em relação aos animais, mas quanto a todos os seres criados.

Agora imaginemos dois, cinco, dez bilhões de homens vivendo durante dezenas ou centenas de séculos no Paraíso, acumulando tudo isso. Não podemos ter idéia do que poderia ter sido a civilização humana no Paraíso e a glória que ela teria dado a Deus.

Essa obra de servir a Deus, de progredir na virtude, os homens foram chamados para realizar juntos, influenciando-se uns aos outros, colaborando uns com os outros.

No Paraíso, todas as pessoas boas ficariam melhores observando as outras. E vendo o conjunto dos homens – que era ótimo, melhor do que cada homem em particular – os homens iriam se santificando. E  toda a cultura, toda a civilização existentes no Paraíso seriam um instrumento para a santificação dos homens.

Esse plano ruiu por causa do pecado original.

Após a queda, o homem foi expulso do Paraíso, perdeu os dons sobrenaturais e preternaturais que possuía. E ficou sujeito ao pecado, a apetências desregradas: sua inteligência obnubilou-se, sua vontade enfraqueceu-se, o corpo passou a ser como que um corpo leproso.

Suma misericórdia: após o pecado,  fidelidade de Deus a seu plano em relação aos homens

Começou então a vida nesta Terra, de exílio, mas o plano continuou o mesmo. Fora do Paraíso, o plano divino continuou o mesmo, porque a natureza humana permaneceu fundamentalmente a mesma. Tal plano consiste essencialmente nos três pontos já enunciados:

1º) Os homens devem santificar-se juntos, formando uma sociedade;

2º) Essa sociedade deve construir um Estado, uma cultura, uma civilização, como meios de santificação;

3º) Os homens devem produzir obras de arte e de cultura de toda ordem não só para seu benefício, mas para aperfeiçoar a natureza criada por Deus.

Planos divinos em relação aos homens – A teoria do “resto”

Começa a História da humanidade que, em suas várias vicissitudes, resume-se no seguinte: Deus sempre induzindo os homens a construir uma determinada ordem como essa, e os homens sempre fugindo da construção dessa ordem. Deus, então, passa do Plano A para o Plano B, para o Plano C, para o Plano D etc. E cada vez que Ele passa para outro plano, inaugura maravilha maior.

Deus, na era patriarcal, concede aos povos graças. Os descendentes de Adão conheciam a religião verdadeira, a religião natural, com algo da Revelação. Conhecendo tudo isso e tendo a possibilidade de criar uma ordem patriarcal boa, os homens pecaram e criaram um gênero de cultura e civilização errôneas.

Essa civilização traz como conseqüência o castigo divino que a destrói mediante o dilúvio. Este não só eliminou os homens maus, mas destruiu uma ordem de coisas, de maneira a dela não sobrar nada. Assim, houve um primeiro plano de Deus: constituição de uma ordem de coisas; recusa dos homens; destruição dessa ordem.

Mas Deus separa o “resto”. É o residuum revertetur (o resto voltará). Restam Noé e sua família. E em favor de Noé, para continuar a realização do seu plano, Deus opera maravilhas. Surgem então maravilhas maiores do que aquilo que Ele destruiu.

Maravilhas: a profecia de Noé, a construção da arca, o dilúvio. Terminado este, vem a  pomba, o arco-íris e a Terra que se povoa de novo. Esse episódio empresta uma beleza maior à história do homem do que se não tivessem ocorrido tais fatos.

Então, recomeça o processo. Os homens pecam de novo. Constituem uma ordem errada, cuja expressão mais aguda foi a construção da Torre de Babel. Eles pecam interiormente e constróem uma ordem pecaminosa. Tal ordem pecaminosa os induz a pecarem mais. Construída a Torre de Babel, sobrevem  o castigo divino:  a dispersão dos povos.

Torre de Babel: como que segundo pecado original

Com tal castigo, algo baixa [de categoria]. Quase se poderia dizer que o pecado da Torre de Babel constituiu um segundo pecado original. Porque houve uma decadência no homem, que passou a ser castigado pela confusão das línguas. E tal confusão  supõe um amolecimento mental. Porque a palavra é o termo normal e final do pensamento. E se algo amoleceu na ordem da palavra, é porque algo enfraqueceu na ordem do pensamento.

E depois – coisa pior – os povos dispersos constituíram a gentilidade. Em vez de se corrigirem, tais povos resultaram nessas nações pagãs que conhecemos.

Então Deus constitui um povo para Si, a fim de, por meio dele, construir uma ordem reta. Suscita então o povo hebraico, e logo opera uma maravilha maior do que a anterior: nesse povo nascerá o Messias.

Em tal povo também nascerá Nossa Senhora. A história do Antigo Testamento é a de um povo na Terra que, pelo menos ele, conhecia a Lei divina, prestava  culto ao verdadeiro Deus e conhecia uma ordem de coisas bem constituída. Entretanto, tal povo várias vezes viola essa ordem. Revolta-se contra Deus, verificando-se uma decadência contínua do povo eleito até o momento do nascimento do Messias.

Portanto, outra vez um plano que não se realiza. E Deus aplica sua justiça. Dispersa o povo hebraico, castiga-o, mas serve-se dos restos fiéis do povo hebraico para fundar a verdadeira Igreja. E surge então a obra-prima das obras-primas da criação — excetuando a natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo e Nossa Senhora — a Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana.

Expansão da Santa Igreja e formação da Civilização Cristã – Eclosão do pecado de Revolução*

Mais ainda, mediante uma espécie de revide divino, a Igreja atinge com seu benéfico influxo todos os povos, e remedeia todos os males até então existentes.

Nova vitória divina. Isso apresenta uma beleza magnífica. A Igreja Católica, por sua vez, floresce, estende-se a toda a Terra e nasce a Civilização Cristã medieval. Começa a construção da ordem perfeita. Mas com a decadência da Idade Média, surge a Revolução.

Quando aparece a Revolução, Deus aprimora a Santa Igreja através da Contra-Revolução. A Contra-Reforma tinha as graças para ser mais bela do que a Civilização Cristã medieval. O movimento ultramontano (**) do século XIX, por alguns aspectos, foi mais belo que a Contra-Reforma. E a Contra-Revolução em nossos dias é mais magnífica do que o movimento ultramontano do século passado.

Reino de Maria: emprego da máxima força divina

Quer dizer, Deus vai requintando a obra dEle e dos que Lhe permanecem fiéis. E é preciso que uma vez pelo menos o plano de Deus se realize inteiramente, e que não seja como uma fumaça.

Se eu, por exemplo, pinto um quadro que dura apenas três minutos, é como se eu  não tivesse pintado quadro nenhum. É preciso que em determinado momento algo de durável exista. E exista porque a máxima força de Deus vai ser empregada. Essa máxima força é Nossa Senhora. Exatamente a glória de Nossa Senhora consistirá em conceder durabilidade e consistência àquilo que até agora redundou em tentativas precursoras.

Surgirá então, o Reino de Maria, predito por Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”.


(*)  Segundo a magistral obra Revolução e Contra-Revolução,  do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução é o processo multissecular que vem destruindo a Civilização Cristã desde o declínio da Idade Média, época em que o ideal católico de sociedade mais se aproximou de sua realização. E Contra-Revolução é a reação organizada que se opõe à Revolução e visa restaurar a Civilização Cristã.

(**) O movimento ultramontano do séc. XIX, aqui referido pelo Autor, defendia firmemente as posições do Papado contra a corrente liberal, a qual procurava não só inovar em matéria de liberdade religiosa como também se insurgia contra as orientações tradicionais da Igreja Católica. O termo Ultramontano tem ainda um significado mais amplo. Para explicá-lo, apresentamos a seguir excertos mais importantes do verbete ultramontanismo, que figura na Enciclopedia Cattolica,  Tomo XII, col.724, Cidade do Vaticano, 1954:

“Palavra de significado genérico e impreciso, criada e usada além dos Alpes (França, Alemanha, Inglaterra, Países Baixos) para designar, mais do que uma verdadeira corrente de pensamento, a adesão às orientações e à posição da Igreja Romana em suas relações teológicas e jurisdicionais, ou ainda em seus interesses políticos.

“Eram, portanto, denominados ultramontanos nos mencionados países, os escritores, homens políticos, personagens eclesiásticos católicos que seguiam tal linha de conduta e naturalmente todos os italianos fiéis aos ensinamentos da Santa Sé.

“Começou-se a chamar ultramontanos os leigos ou religiosos que sustentavam na Alemanha o partido do Papa Gregório VII durante a luta pelas investiduras [séc. XI]. No século XVIII, foram chamados com a mesma denominação, na França, pelos jansenistas e regalistas,  os juristas e os  teólogos que combateram suas doutrinas…. A palavra continuou a ser usada durante o século XIX por todos os liberais e acatólicos que no campo religioso seguiram teorias novas e mantiveram um relacionamento prático vexatório em seus contactos com o catolicismo”. 

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