Após quatro Internacionais de trabalhadores de cunho socialista, parece estar surgindo em Porto Alegre uma quinta, com uma carga revolucionária e igualitária mais radical do que a das Internacionais anteriores.
Para os espíritos superficiais, que costumam acreditar piamente em tudo quanto é apresentado pela mídia – mesmo os mitos e distorções da realidade – os fóruns realizados respectivamente na capital gaúcha (“Fórum Social Mundial”) e na cidade dos Alpes suíços (“Fórum Econômico Mundial”) representariam, por excelência, dois pólos internacionais antagônicos. De um lado, ter-se-ia congregado em Porto Alegre o “creme” da esquerda mais radical, oposta à chamada globalização; e de outro, em Davos, teria havido uma condensação da“quintessência” do capitalismo neoliberal, que está levando adiante o processo da globalização.
Dilemas como esse, de tipo exacerbado, realçados com sensacionalismo por certa mídia – com honrosas exceções – para os espíritos lúcidos e mais analíticos cheiram a simplificação, e por vezes até a cumplicidade. A História oferece exemplos significativos de aparentes entrechoques do gênero, como, por exemplo: jacobinos quase comunistas, na Revolução Francesa, versus nobres e clérigos com espírito voltairiano; nazismo (nacional socialismo) versus socialismo marxista-leninista, na primeira metade do século XX.
Sobre este último “entrechoque”, convém ter presente que a sinceridade dele foi amplamente contestada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, à época mesma em que o nazismo atingia seu apogeu – década de 30. Contestação esta confirmada espetacularmente pelo escandaloso Pacto Ribbentrop-Molotov, pouco antes da II Guerra Mundial. Ainda recentemente essa vinculação íntima entre nazismo e comunismo foi apontada em entrevista do conhecido filósofo italiano Norberto Bobbio, que assevera: “Nazismo e comunismo são irmãos”.. Ele endossa a tese defendida por Paolo Bellinazzi, em sua obra A utopia reacionária, na qual este autor demonstra que nazismo e comunismo têm matrizes comuns, contrariamente à opinião muito difundida de que seriam ideologias opostas.
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Orientar seus leitores a respeito de falsos dilemas como esses constitui um dos pontos essenciais da missão de Catolicismo. Assim sendo, nossa revista decidiu enviar a Porto Alegre uma equipe para fazer a cobertura do evento: dois competentes colaboradores seus, Srs. Gonçalo Guimarães e Renato Vasconcelos, contando também com os valiosos préstimos dos Srs. José Ricardo Luzitano e Carlos Patrício del Campo Santa Cruz, especialmente para o trabalho fotográfico.
Contribuiu também outro arguto colaborador da revista, residente na França, Sr. Benoît Bemelmans. A sólida documentação exibida no estudo do Sr. Bemelmans inclina o espírito a admitir, a propósito dos dois fóruns, o de Davos e o de Porto Alegre, um falso dilema e mesmo uma cumplicidade com vistas à destruição dos vestígios ainda existentes de Civilização Cristã no mundo.
Esses dois pólos parecem na prática, conjugar-se como duas pernas para apressar o advento de uma República Universal (*) sem pátrias. E também sem as desigualdades proporcionais e harmônicas oriundas da própria natureza humana retamente concebida, segundo os ensinamentos tradicionais da Igreja Católica, e que devem estar presentes na estrutura de uma verdadeira Cristandade (**).
Um dos pólos, o de Porto Alegre – que atrai os esquerdistas de todo o gênero, parecendo clamar contra a globalização – atua no mesmo sentido em que faz o outro. Este, o de Davos – que atrai os que, via de regra, antipatizam com a esquerda – erige a globalização como um novo Moloch, ao qual devem ser sacrificados tanto as soberanias dos Estados quanto as tradições e regionalismos mais respeitáveis, apanágios da Civilização Cristã.
A Direção de Catolicismo.
(*) Sobre o tema República Universal, vide Plinio Corrêa de Oliveira,Revolução e Contra-Revolução, 4ª ed. em português, Artpress, São Paulo, 1998, p. 85.
(**) Sobre a noção de Cristandade, vide Plinio Corrêa de Oliveira,Cristandade, Sacralidade da Ordem Temporal, Catolicismo nº 574, outubro de
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Porto Alegre – Davos:Duas pernas para a globalização andar?
Benoît Bemelmans
“Haveria, de um lado, em Davos, os propagandistas da globalização, e do outro, em Porto Alegre, aqueles que a denunciam” (1); “Uma espécie de `Internacional Rebelde’ nasce no Brasil, no mesmo momento em que os novos senhores do mundo encontram-se outra vez em Davos, Suíça”(2).
Esse modo de resumir os dois fóruns “pró” e “anti”-globalização pode talvez agradar quem goste de ter diante de si uma opção simples entre um mau, muito mau, e um outro que, se não é bom inteiramente, torna-se objeto de simpatia pelo fato de ser hostilizado pelo lado mau. Tal mentalidade pode ser encontrada tanto entre os que consideram “os novos Senhores do Mundo” como sendo os maus, quanto entre os que vêem a “Internacional Rebelde” como a ameaça. Nos dois casos, o outro lado torna-se, no mínimo, um mal menor, ou até um aliado a defender.
Porém, a análise de algumas declarações das duas partes concernidas permite levantar a hipótese de que os dois oponentes são, na realidade, duas pernas que nos levam ao mesmo fim. Qual é esse fim? Parece-nos que ele se encontra bem expresso na seguinte frase que tomamos ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira: “Um mundo no qual as nações, fundidas em uma só República Universal, seriam apenas termos geográficos, um mundo sem desigualdades sociais ou econômicas, dirigido pela ciência e pela técnica, pela propaganda e pela psicologia, para realizar, sem o sobrenatural, a felicidade definitiva do homem” (3).
Essa tese – os dois fóruns constituem duas pernas que conduzem ao mesmo fim – é exposta de modo bem significativo no “Diário do Grande ABC”, de Santo André (SP), edição de 29 de janeiro último, em artigo intitulado Antagonismo aparente, cujo subtítulo ainda reforça o próprio título: Fóruns mundiais de Davos e Porto Alegre aproximam opostos.
Os “anti” querem também a globalização, só que à moda deles…
Do lado dos “anti-globalização” – cujas metas e objetivos são amplamente documentados pelos dois artigos publicados sobre o tema, nesta edição – aparece, em numerosas declarações, o quanto o rótulo mediático, e à primeira vista simpático, de “anti-globalização” não corresponde à realidade.
A esse propósito convém aduzir aqui alguns significativos comentários veiculados pela imprensa francesa: O Fórum de Porto Alegre pretende“apresentar propostas teóricas e práticas que permitam visualizar uma globalização de novo tipo”, “numa iniciativa que não pode deixar de ser qualificada como revolucionária”; e “o Fórum Social Mundial irá tentar lançar os alicerces de uma outra globalização”, tanto mais quanto “as preocupações com os direitos humanos também são temas globais” (4).
O Ministro francês do Comércio Exterior, François Huwart, presente em Porto Alegre, declarou querer defender a visão do governo socialista “de uma globalização equânime e solidária”; e que se tivesse ido para Davos, ali “defenderia com a mesma determinação a visão de uma globalização solidária” (5).
Segundo outro analista, a disputa se dá “entre os dois grandes modelos da chamada globalização” e Porto Alegre visa “promover uma globalização, com imagem humana” (6). Não se trata de eliminar as instituições supranacionais, mas de fazer que esses motores da globalização adotem os critérios que permitirão a construção de uma“nova sociedade”; assim, por exemplo, o Fórum Social Mundial “pretende também levantar alternativas às políticas do FMI e do Banco Mundial e encaminhá-las à reunião de abril do FMI, em Washington” (7); ainda, na mesma linha, “o diretor nacional da ONG ATTAC, do Rio de Janeiro, Carlos Tibúrcio, diz que o Fórum ambiciona a construção progressiva de um `contra-poder planetário'” (8).
Enfim, Bernard Cassen, diretor do “Le Monde diplomatique”, participante do Fórum de Porto Alegre enquanto dirigente da ATTAC, aponta: “A anti-globalização segue em frente, porque adota a mesma lógica da globalização”. E acrescenta: “Trata-se, portanto, de uma frente unitária, um novo internacionalismo que, progressivamente …. vai se firmando em escala mundial” (9) . Os “novos Mestres do Mundo” confessam: “encorajados” pelos “anti-globalização”, trabalham para a mesma causa
De outro lado, vêm se multiplicando declarações de dirigentes de instituições mundiais no sentido de que a oposição os ajuda a caminhar, devendo a resultante do confronto constituir a direção a ser tomada.
Assim, Rubens Ricupero, Secretário-geral da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento convidou, de Oslo, os oponentes à globalização a reformá-la `de dentro’, em vez de enfrentá-la: “Do mesmo modo que a social-democracia se resignou a trabalhar de dentro do sistema capitalista e de melhorá-lo, creio que é possível reformar a globalização sem rejeitá-la inteiramente”. Ricupero declarou-se “encorajado” pelos movimentos de contestação (10).
O ex-Diretor-geral adjunto do FMI, Stanley Fischer, “admitiu, no seminário anual do Banco Central americano, realizado em agosto de 2000, em Kansas City, que muitos dos ataques desfechados por adversários da globalização contra os governos, as grandes empresas e as instituições internacionais são justificáveis” (11).
“Mark Malloch e John Ruggie, ambos representando a ONU em Davos, disseram que a organização trabalha por algumas das mesmas causas da outra mesa, e lembraram que a proposta da taxa Tobin e os dados sobre desigualdade na economia mundial saíram de dentro da própria ONU” (12).
Até o Diretor-geral do Fórum de Davos, Claude Smajda, “lembrou já ter advertido há muito tempo, citando artigo publicado pelo `Herald Tribune’, para `os perigos de um excesso da globalização'” (13), expressão esta parecida com os slogans de Porto Alegre.
Enfim, o Presidente do Banco Mundial, James Wolfensohn, disse que as manifestações de protesto contra a globalização econômica, iniciadas em Seattle em 1999, estão tendo um impacto positivo nas discussões sobre os efeitos da atual estrutura da economia mundial. `Essas manifestações estão incluindo na agenda temas importantes e, além disso, é preciso haver mais diálogo’ acrescentou Wolfensohn, que participou ontem de um seminário sobre o tema no Fórum Econômico Mundial, em Davos (14).
“E o próprio Alan Greenspan, Presidente do Banco Central norte-americano (Federal Reserve), chegou a afirmar: `As sociedades não podem ser bem-sucedidas quando setores significativos entendem o seu funcionamento como injusto'” (15) .
Repetição de um embate de superfície ocorrido 280 anos atrás?
Tendo em vista o estabelecimento de uma República Universal igualitária, denunciada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em sua obra-mestra Revolução e Contra-Revolução, o confronto entre os chamados anti e pró-globalização parece ter um precedente histórico: o embate, na França de 1789, que opôs os jacobinos sedentos de sangue nos Estados Gerais, à nobreza e ao Clero, classes estas já então bastante minadas pelas idéias revolucionárias. Muitas cabeças de nobres, clérigos e jacobinos foram cortadas, mas a resultante das duas correntes, que não se opunham verdadeiramente quanto ao objetivo último, foi a vitória da Revolução Francesa.
Convém ainda lembrar que, em essência, a História hoje se repete, embora variem dados acidentais – os protagonistas, os lugares e as circunstâncias…
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Notas:
1- “Le Monde”, Paris, editorial, 31-1-2001.
2 – “Le Monde Diplomatique”, Edição brasileira, ano 2 número 12, editorial : Porto Alegre, por Ignacio Ramonet.
3 – Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, Iª parte, cap. XI.
4 – “Le Monde”, Paris, editorial, 31-1-2001.
5 – “O Estado de S. Paulo”, 25-1-2001, em estadão.com.br, Francês defende globalização solidária, Napoleão Sabóia.
6 – Agência Estado, Davos-Porto Alegre: um duelo ideológico, Reali Júnior, 22-1-2001.
7 – “Jornal do Brasil” online, pasta Fórum Social Mundial, Uma alternativa ao neoliberalismo, José Mitchell.
8 – Idem, ibidem.
9 – “Jornal do Brasil” online, pasta Fórum Social Mundial, Bernard Cassen.
10 – “Libération” Paris, 30-1-2001, Les batailles de la mondialisation, François Casteran, AFP.
11 – “Jornal do Brasil” online, pasta Fórum Social Mundial, Bernard Cassen.
12 – Agência Estado, 28-1-2001.
13 – Agência Estado, Reali Júnior, 22-1-2001.
14 – Agência Estado, Protestos contra globalização são positivos, João Caminoto, 29-1-2001.
15 – “Le Monde Diplomatique”, Edição brasileira, ano 2 número 12, Editorial: Porto Alegre, por Ignacio Ramonet.
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Fórum Social Mundial de Porto Alegre: laboratório da subversão
Gonçalo Guimarães
A sessão inaugural do Fórum Social Mundial deu-se na 5a feira, dia 25, no auditório do Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com capacidade para 4 mil pessoas, o qual ficou lotado. O público excedente foi distribuído em outros auditórios localizados em diversos pontos da cidade, de onde pôde acompanhar o evento por um sistema de teleconferência com monitores de televisão e telões.
O francês Bernard Cassen, editor-chefe do “Le Monde Diplomatique” e um dos idealizadores do evento, proclamou aos 15 mil participantes – entre os quais membros das delegações provenientes de 122 países, da Albânia ao Zimbábue – o que foi o lema do encontro: “Estamos aqui para mostrar que um outro mundo é possível”. Poucos instantes depois, quando uma prolongada ovação saudou a delegação comunista cubana e palavras-de-ordem foram se sucedendo – acompanhadas por uma platéia eufórica, em favor dos guerrilheiros zapatistas do México e da narco-guerrilha FARC da Colômbia -, tornou-se evidente qual era esse“outro mundo” de tonalidade carregadamente vermelha, desejado por boa parte dos assistentes.
Atriz seminua declama textos revolucionários
Após diversos delegados fazerem uso da palavra, encerrou a sessão a atriz Celina Alcântara, com a parte superior do corpo completamente desnuda. Rodeada de um grupo de pessoas apresentadas como desempregados e sem-terra, que agitavam bandeiras, e ao som de uma batucada interpretada pelo grupo Afro Tchê, ela declamou um texto do sociólogo marxista uruguaio Eduardo Galeano . O conteúdo do referido texto, de acordo com a assessoria de imprensa do FSM, interpreta fielmente o “desejo de mudança na prática das relações humanas”. Nele se descreve um mundo futuro no qual triunfarão o igualitarismo (“não haverá meninos ricos”, “ninguém morrerá de fome, porque ninguém morrerá de indigestão” etc.) e o permissivismo moral (“a Santa Madre Igreja corrigirá os erros das Tábuas de Moisés e o sexto mandamento ordenará que se festeje o corpo”) .
Marcha sob retrato de Lenine
Terminada a sessão de abertura, seguiu-se a denominada “Marcha Contra o Neoliberalismo e Pela Vida”, pelo centro de Porto Alegre, promovida pelos comitês de organização do FSM, que calcularam os participantes em 15 mil pessoas.
Bandeiras com a foice e o martelo, retratos de Lenine, brados em favor de Cuba comunista, das guerrilhas colombianas e do Movimento dos Sem-Terra (MST) deram a tônica caldeada e efervescente da manifestação, que durou cerca de duas horas e contou com a presença do Governador do Estado, Olívio Dutra, e do Prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, ambos do PT .
Oficinas subversivas
Na 6ª feira, 26, tiveram início nas amplas instalações do Centro de Eventos da PUCRS e em outros auditórios espalhados pela cidade as numerosas conferências e as 400 oficinas (definidas pelos organizadores como painéis de “debates, apresentação de experiências, articulações orgânicas e agendas de lutas”) sobre os mais variados temas políticos, sociais e ecológicos, que continuaram até 2ª feira, dia 29.
Não se pode afirmar que todas essas oficinas tenham tido uma orientação subversiva, pois uma parte delas abordava assuntos técnicos, educacionais ou estritamente ambientais. Mas ficou claro que as mais dinâmicas e concorridas oficinas, e as que deram o tom do evento, foram as de caráter revolucionário, como as seguintes: “Resistência armada ao neoliberalismo – Alternativas de Poder Popular na América Latina e África”, organizada pelo Instituto Olga Benário Prestes; “Política Neoliberal e Conflito Armado”, coordenada pela denominada “Vicaría del Sur – Diócesis de Florencia”; e “Plano Colômbia”, coordenada pela ONG ATTAC, do Rio de Janeiro.
Guerrilhas colombianas
No sábado, dia 27, o número de participantes inscritos nas oficinasrelacionadas com a “resistência armada” foi tal, que os organizadores decidiram juntá-las no Teatro do IPE, que ficou completamente lotado com mais de 300 pessoas. Muitos outros não puderam entrar, por falta de espaço. A estrela do evento foi um guerrilheiro colombiano das FARC. Apresentando-se com o pseudônimo de Javier Cifuentes, fez um apelo à luta para “a construção do único regime destinado a levar a felicidade à espécie humana, que é o socialismo”. Ele afirmou que “as FARC estão completamente certas de que o século 21 é o século do socialismo, é o século da América Latina”. O guerrilheiro, que não revela o nome registrado em seu passaporte, define-se como um “diplomata das FARC”e garante que recebe tratamento diplomático no Brasil, apesar de o Itamaraty não reconhecer a representatividade das guerrilhas. Esclareceu também que foi “a organização do Fórum” que convidou as FARC a participar do mesmo.
Desprezo da Terceira Via
Na conferência “Como construir um sistema de produção de bens e serviços para todos?”, o economista egípcio Samir Amin, diretor do Fórum do Terceiro Mundo, de Dakar, qualificou como “um zero” a chamadaTerceira Via das social-democracias européias e afirmou que só é possível pensar e atuar “numa perspectiva socialista”. Na mesma conferência, o economista argentino Jorge Berstein também atacou aTerceira Via: “Não admitimos a humanização do capitalismo, mas a sua aniquilação pelo socialismo”. E aproveitou para prever “a eclosão de revoltas populares na América Latina”, em países como Argentina, Bolívia e outros.
Che Guevara, apologia da violência e greve internacional
No painel “Os fundamentos da democracia e de um novo poder”, seu presidente, o bem conhecido revolucionário argelino Ahmed Ben Bella, prestou uma homenagem a Che Guevara. Deixou claro qual o tipo dedemocracia e de novo poder almejado por ele, ao afirmar que está“pronto a pegar em armas” contra o sistema de propriedade privada.
No painel organizado pela Central Única dos Trabalhadores do Brasil(CUT), com a presença de representantes sindicais das Américas, Europa e África, o vice-presidente da CUT da Bahia, Álvaro Gomes, conclamou as entidades presentes a organizar ações de resistência simultâneas em vários continentes, propondo protestos de rua e uma greve, ambos em âmbito internacional, ainda este ano.
“Renascimento” da teologia da libertação
O painel “Como fortalecer a capacidade de ação das sociedades civis” foi presidido pelo sacerdote belga François Houtart, um dos principais expoentes da teologia da libertação, que durante muitos anos assessorou Fidel Castro e continua sendo um visitante freqüente de Cuba. O Pe. Houtart anunciou que a teologia da libertação “já está experimentando um renascimento na América Latina”, beneficiada pelo agravamento das crises no continente. E fez um apelo às esquerdas moderadas no sentido de que não adianta tentar reformar o sistema de propriedade privada, mas que a única saída é sua “destruição total”. Eis suas palavras: “Aqueles que acham que é possível reformar o sistema capitalista, ao invés de lutar pela sua destruição radical, não fizeram até o fim o balanço do sistema. Não entenderam ainda que o capitalismo não pode mudar sua natureza”.
Outros teólogos da libertação que participaram em painéis e oficinas foram D. Tomás Balduino, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à CNBB, Frei Betto e o ex-frei Leonardo Boff .
Fórum Parlamentar Mundial
Também no contexto do FSM, foram inaugurados dois eventos simultâneos de envergadura, gerenciados por agentes de esquerda: o I Fórum Parlamentar Mundial, com mais de 400 parlamentares representando cerca de 30 países; e o Fórum de Autoridades Locais ao qual compareceram 150 representantes de prefeituras da América Latina, Europa e África. O Fórum Parlamentar, em sua declaração final, anunciou a constituição de uma “rede internacional” de parlamentares para “sustentar” a ação das ONGs reunidas no FSM e para “agir permanentemente”, de maneira que suas plataformas de esquerda tenham “uma verdadeira tradução legislativa”.
Cuba comunista: um “símbolo”
As ovações aos membros da delegação cubana, na abertura do FSM e em outras conferências e oficinas nas quais participaram, foram adequadamente qualificadas pelo jornalista gaúcho José Barrionuevo como “a maior contradição do evento”, pois trata-se de “aplausos a opressores” do povo cubano .
Mas não foi essa a opinião de numerosos dirigentes e participantes do FMS quando solicitados a explicar essas ovações. Francisco Whitaker, um dos principais organizadores do FSM e secretário-executivo daComissão Brasileira de Justiça e Paz, órgão da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), afirmou enquanto aguardava, num dos auditórios da PUCRS, a chegada de Ricardo Alarcón, Presidente da Assembléia do Poder Popular de Cuba e eminência parda do regime comunista: “A resposta a esse apoio é muito simples. Primeiro, porque Cuba é um símbolo. E segundo, por sua situação atual, que exige solidariedade”. Para o italiano Riccardo Petrella, professor da Universidade Católica de Louvain, na Bélgica, as ovações à delegação comunista “são uma homenagem ao mito que representa, ainda que a realidade de Cuba não seja inteiramente conforme ao mito. As pessoas têm necessidade de mitos. Se ruir o mito de Cuba e o mito do CheGuevara, o que resta?”
Segundo o sacerdote colombiano Olivério Medina, representante das guerrilhas colombianas FARC no Brasil, “Cuba é a prova de que a História não acabou e é a prova de que o capitalismo não é a panacéia para a humanidade, e sim o socialismo. Cuba comunista é como uma irmã que brilha com luz própria. Posso dizê-lo, pois morei em Cuba”.
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) interpretou esses aplausos como“um sentimento de solidariedade a Cuba muito importante”. Segundo ele, em Cuba “são respeitados os direitos à educação, à saúde e às necessidades básicas”. E o Prefeito de Porto Alegre, Tarso Genro, do PT, tentou justificar esse apoio afirmando: “Creio que há uma simpatia muito grande pelo povo cubano, que fez, uma revolução muito importante. É obvio que há na esquerda pessoas que querem apoiar a revolução cubana”.
Acampamentos da Juventude e dos Povos Indígenas
No marco das atividades do FMS, no Parque da Harmonia, zona oeste de Porto Alegre às margens do rio Guaíba, foram montados dois acampamentos: o Acampamento Intercontinental da Juventude, onde ficaram hospedados mais de mil e quinhentos jovens dos cinco continentes; e o Acampamento dos Povos Indígenas, com 600 índios oriundos de diversos Estados do Brasil. Sob uma grande lona, chamada “Espaço Confederação dos Tamoios”, realizou-se durante os dias do FMS uma programação subversivo-conscientizadora, dirigida a indígenas e aos jovens presentes. Nos acampamentos, membros do PT, do PC do B, da UNE (União Nacional dos Estudantes) e outros ativistas dirigiam a programação. Segundo a assessoria de imprensa do FMS, a prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura e da Secretaria Municipal de Saúde, distribuiu 10 mil preservativos, principalmente aos estudantes. E o jornalista Thomas Trautmann, da “Folha de S. Paulo”, constatou “cheiro de maconha” no local, sem que a polícia adotasse qualquer medida.
Nos bastidores do FSM
Como surgiu a idéia do Fórum Social Mundial (FSM) e a conseqüente coordenação de suas complexas atividades, agendas e programas, durante seis dias, de milhares de representantes de ONGs do mundo inteiro? Essa enorme estrutura poderia ter brotado da noite para o dia, de maneira espontânea, como cogumelos após a chuva? Estas são algumas das perguntas surgidas no FSM, para as quais procuramos obter respostas dos próprios organizadores.
O empresário paulista Oded Grajew, 56 anos, “de esquerda e filiado ao PT”, reconhece ser o inspirador do FSM e um de seus organizadores. Em fevereiro de 2000, encontrou-se ele em Paris com Francisco Whitaker, secretário-executivo da Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da CNBB. E ambos transmitiram a proposta a Bernard Cassen, editor-chefe do “Le Monde Diplomatique”, uma pessoa ativa na área dos movimentos ditos sociais.
“Cassen entusiasmou-se com a idéia”, conta Whitaker. Grajew explicou o objetivo do Fórum: “Enfrentar os problemas com os quais a humanidade se depara hoje, protestar contra as violações de direitos e, mais do que isso, apontar caminhos e soluções possíveis, além de mostrar experiências concretas já desenvolvidas em torno de idéias que melhorem a qualidade de vida”. O petista Grajew não explicou por que razão as “experiências concretas” de Cuba comunista e das narco-guerrilhas colombianas, marcadas pela violência revolucionária e pelas mais brutais violações de direitos, encontraram tanta aceitação e realce no FSM. E tampouco explicou, que nos conste, de que maneira a“experiência concreta” e as “idéias” do comunismo cubano têm melhorado a “qualidade de vida” do povo naquela ilha-cárcere.
Porto Alegre, laboratório social: fascínio das esquerdas
E por que a escolha de Porto Alegre, sugerida por Bernard Cassen? Seu colega, o editor de “Le Monde Diplomatique”, Ignacio Ramonet, respondeu, citando um artigo de Cassen: porque Porto Alegre, sob controle do PT, “transformou-se, nos últimos anos, numa cidade emblemática. Capital do Estado de Rio Grande do Sul, o mais ao sul do Brasil, na fronteira com a Argentina e o Uruguai, Porto Alegre é uma espécie de laboratório social que os observadores internacionais olham com um certo fascínio”. E concluiu, exclamando: “O novo século começa em Porto Alegre!”
Comitê Brasil, organizador do FSM
Sandra Carvalho, assessora de imprensa do Fórum, lembrou que em 28 de fevereiro, após retornar de Paris, Grajew e Whitaker apresentaram seu plano a dirigentes da própria Comissão Brasileira de Justiça e Paz, da CUT, do MST, da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (ABONG), do Instituto Brasileiro de Análises Sócio-Econômica (IBASE) e de outras três entidades, as quais formaram oComitê Brasil Organizador do FSM. A partir de então, articularam-se“redes de apoio” e “comitês de mobilização” em 22 países: nove redes nas Américas, três na África, três na Ásia, três na Europa e uma na Oceania. Assim, segundo ela, em junho do ano passado, 520 ONGs internacionais e 630 ONGs brasileiras formaram o Comitê Internacional de Apoio ao Fórum, integrando uma gigantesca rede de mobilização. Foi devido a essa rede que, no dia da abertura, puderam estar presentes 131 delegações de 122 países. Durante as conferências e oficinasparticiparam 15 mil pessoas, número superior à previsão dos organizadores, que esperavam 10 mil.
E como explicar o financiamento dos colossais gastos do evento? Além das subvenções de peso por parte do governo estadual e da prefeitura de Porto Alegre, ambos em poder dos petistas, Sandra Carvalho mencionou entre outras: a Fundação Ford, norte-americana, a Fundação Novib, holandesa, e a Fundação Heinrich Böll, alemã.
Fórum Social Mundial e Fórum de São Paulo
É importante notar que várias entidades e ONGs brasileiras, que contribuíram para a organização do FSM, foram as mesmas que se engajaram, em 1992, na organização da ECO-92 (paralela ao evento oficial), no Rio de Janeiro, marcada por clara orientação eco-revolucionária. Também merece ser ressaltado que movimentos, sindicatos e partidos como o MST, a CUT e o PT, junto com os guerrilheiros das FARC e representantes de Cuba, também fazem parte do Fórum de São Paulo (FSP). O FSP foi criado em julho de 1990, na capital paulista, pelo PT, a pedido de Fidel Castro. Tal fórum, preocupado com o desmantelamento do império soviético, pôs em relevo a necessidade de uma articulação das esquerdas revolucionárias nas Américas. Estamos, pois, em presença de uma verdadeira internacional pró-comunista que usa várias entidades e redes de ONGs como fachadas.
“Arquipélago planetário de resistência”
O que ficou claro no Fórum Social Mundial foi a exteriorização em grande estilo de um poder mundial, paralelo e sobreposto às nações, articulado pelas ONGs, embora sem nenhuma representatividade comprovada. A não ser a auto-representatividade com que as mesmas se apresentaram, e que certos influentes órgãos da mídia lhes outorgaram. Mas com poder suficiente para influenciar a fundo a política mundial.
São as chamadas ONGs da 2ª geração, como as denominou o jornalista Roberto Savio, diretor da agência de notícias italiana IPS. Explicou ele que tais ONGs abandonaram a exclusividade dos temas ambientais para se ocuparem da política internacional. E acrescentou que hoje já são capazes de “obrigar” governos a assinar acordos e tratados sugeridos por elas. Estamos, assim, em presença de um “arquipélago planetário de resistência”, como o definiu um documento oficial do FMS. Não é a primeira vez que tal poder paralelo se manifesta. O que se viu no Fórum Social Mundial foi a mesma máquina revolucionária atuante na ECO-92, realizada no Rio de Janeiro, com o acréscimo de quase uma década de experiência.
Seria grave erro de cálculo considerar que, por serem minoria, os participantes do FSM e as ONGs que o integram podem ser subestimadas. Pois, num mundo caotizado e fragmentado do ponto de vista moral, ideológico etc., uma minoria organizada, rica e atuante pode ser decisiva para impor rumos aos acontecimentos.
ONGs e “zonas liberadas”
Nesse jogo, as ONGs da esquerda mais radical não precisam – e suspeitamos que não lhes interessa – lançar-se com vistas a tomar de imediato o poder político neste ou naquele país. Pois isso acarreta, entre outros aspectos, o desgaste inerente ao poder. É política e psicologicamente muito mais rentável, para elas, atuar como grupos de pressão sobre os governos, as elites moralmente depauperadas e o povo aturdido das nações contemporâneas.
Nesse quadro, teria maior utilidade, para tais ONGS, a constituição de bolsões revolucionários dentro dos próprios países, espécies de “zonas liberadas”, como as que existem na Colômbia, em mãos dos guerrilheiros; e, no Brasil, nos acampamentos do MST e como tendem a ser as demarcações indígenas. A partir dessas “zonas liberadas”,podem atuar sobre as autoridades de seus respectivos países, com similares mecanismos de pressão psicológica e política com que as ONGs internacionais atuam sobre as entidades internacionais. Exemplo disso foi o que aconteceu no teledebate entre membros do Fórum de Porto Alegre e os do Fórum de Davos, na Suíça. Os primeiros figuraram como defensores dos pobres (na realidade, enquanto partidários do socialismo e do comunismo, são co-responsáveis pela miséria de milhões de pessoas em dezenas de países); e os segundos, acuados e não sabendo (ou não querendo) dizer essas verdades, acabaram sendo expostos como os “vilões” do debate.
Prestidigitação e mídia
É preciso dizer que, sem o apoio e a cobertura da mídia, o jogo de prestidigitação político-psicológica das ONGs esquerdistas jamais poderia dar-se. A mídia funcionou como amplificadora, sem a qual as mencionadas redes de ONGs ficariam muito reduzidas na sua influência. Também é de se perguntar se esse jogo de prestidigitação e chantagem seria possível sem que dirigentes de governos, de grandes conglomerados econômicos e de organismos internacionais, como os reunidos em Davos, se prestassem a esse jogo, ainda que indiretamente. É sabido que certas grandes fundações e empresas multinacionais financiam ONGs revolucionárias. Já mencionamos, por exemplo, algumas das que financiaram o próprio FSM.
Como “furar o balão” publicitário do FSM
“Furar o balão” publicitário do FSM e das ONGs revolucionárias seria relativamente fácil. Bastaria para isso, da parte das elites sãs existentes em todas as classes sociais, um esforço de denúncia, dispostas a não se deixarem intimidar. Nessa denúncia, seria indispensável mostrar em primeiro lugar, de maneira documentada, como as esquerdas radicais dominaram o FSM e outros similares. Mostrar ainda a artificial e exagerada cobertura da mídia, que transformou essas ONGs num mito publicitário. Em terceiro lugar, apontar como os membros dessa rede de ONGs mantêm um silêncio cúmplice sobre o fracasso do comunismo enquanto sistema sócio-político-econômico, o qual, com sua negação da propriedade privada, conduziu à miséria os povos onde se implantou; tendo sido, ademais, responsável por 100 milhões de mortes no século XX! Seria preciso ainda denunciar que hoje o comunismo oprime 1 bilhão e 300 milhões de pessoas na China, em Cuba, no Vietnã e na Coréia do Norte.
Tal como já foi mencionado, Ignacio Ramonet, de “Le Monde Diplomatique”, afirmou que em Porto Alegre nasceu o novo século… A julgar pelo visto e ouvido no Fórum Social Mundial, se o século XXI realmente nascer desse evento de Porto Alegre, ele será marcadamente comunista e revolucionário. Que Nossa Senhora dos Navegantes, Padroeira da capital do Rio Grande do Sul, se compadeça do Brasil, das Américas e do mundo, e não o permita!
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Fórum Social Mundial: uma nova Internacional Socialista
Renato Vasconcelos |
“O terceiro milênio começou em Porto Alegre”. É o que se ouvia durante o I Fórum Social Mundial, que se reuniu na capital gaúcha, entre os dias 25 e 30 de janeiro, e que pretendeu ser uma antítese do Fórum Econômico Mundial, reunido simultaneamente na cidade de Davos, nos Alpes suíços. Na realidade, não existe nenhuma antítese entre os dois fóruns; ambos caminham na mesma direção. São as duas pernas de uma mesma revolução, em marcha rumo à criação de uma ordem socialista mundial.
Estiveram representados no Fórum cerca de 1.500 organizações não governamentais (ONGs), grandes e pequenas, das quais 500 do exterior. Os participantes cerca de 3.000, tiveram a oportunidade de difundir farta literatura aos milhares de visitantes nacionais e estrangeiros. Participaram das oficinas perto de 15.000 pessoas. E não faltaram figuras representativas, que abrangiam um vasto espectro do horizonte esquerdista: desde um terrorista colombiano, que se apresentou como “Comandante Cifuentes”, passando pelo velho ex-Presidente da Argélia Ben Bella, e até representantes do movimento PROUT (Teoria da Utilização Progressiva) da Índia, que promove uma fusão entre o socialismo e a tantra yoga, e que goza da simpatia do ex-frei Boff; desde Ricardo Alarcón, o terceiro homem do regime castrista, passando por Lula e Frei Betto até José Bové, o agitador das Ligas Camponesas da França. Também presentes a viúva de Mitterrand e a prefeita petista de São Paulo, Marta Suplicy. Ignacio Ramonet explica em “Le Monde Diplomatique” o porquê da escolha de Porto Alegre: “A cidade desde 1989, e o Estado a partir do ano passado, colocaram em funcionamento formas de democracia participativa que são atentamente estudadas em numerosos países. São tais iniciativas que modestamente mostram que um outro mundo é verdadeiramente possível”. (Caderno de Debates do “Le Monde Diplomatique”, nº 1) Enganar-se-ia, porém, quem pensasse que o Fórum de Porto Alegre, um cadinho de intelectuais de esquerda, tenha se restringido meramente às regiões da pura especulação científica. Não. Tratou-se de uma “semana de estudos” que visou congregar seus participantes num determinado espírito – “o espirito de Porto Alegre” – e encontrar novas fórmulas que levem à vitória a revolução do igualitarismo em nível mundial ou“planetário”, como diziam. Na abertura: Mensagem de D. Casaldáliga e show O Fórum foi aberto na tarde do dia 25, no Centro de Eventos da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com uma mensagem enviada expressamente por D. Pedro Casaldáliga, Bispo de São Félix do Araguaia. Em seguida houve discursos, música, teatro, vaias e um show ao som de batuques e danças indígenas, com as autoridades sentadas no chão, em frente ao palco, entre elas o governador petista Olívio Dutra, que pronunciou um discurso de 20 minutos. A descontração nos trajes, favorecida pelo calor intenso e úmido, era total. A ponto de que se chegou a falar que bermudas e sandálias havaianas poderiam ser consideradas como o uniforme do evento. É preciso dizer também, de passagem, que o Fórum não foi um encontro de miseráveis e famintos, que estariam a se insurgir contra as“desigualdades sociais”, exigindo “justiça” ou, como preferem se exprimir,“dignidade”. Não. Boa parte dos participantes do Fórum compunha-se de pessoas oriundas da burguesia média e alta. O que se podia constatar facilmente. Bastava observar o estacionamento da PUC e o nível dos carros ali estacionados. Os temas em discussão no Fórum estavam divididos em quatro grandes blocos (ou eixos), expostos simultaneamente e presididos por convidados de renome. O primeiro bloco, tratava da produção de riquezas; o segundo, do acesso a elas e de sua repartição; o terceiro, dos “espaços” na sociedade civil; e o quarto, do poder político e da ética na nova sociedade do futuro. As exposições em cada eixo começavam às 8,30 hs e se estendiam até depois do meio-dia. De 14 às 18 hs realizavam-se as oficinas, nas quais cerca de 80 expositores desenvolveram temas como “Orçamento participativo”, “Prostituição e violência”, “Alternativa política à globalização liberal”, “Estabelecimento de uma democracia mundial”, para mencionar apenas alguns dos 400 temas expostos. A “surpresa” do MST: as costumeiras invasão e depredação Já na abertura do Fórum começaram a circular rumores de que haveria uma “surpresa” durante o encontro. E de fato ela se deu, graças ao espírito anárquico dos mentores do Movimento dos Sem Terra (MST). No final da tarde de quinta-feira, dia 25, aproveitando a saída dos funcionários, uma tropa de cerca de mil invasores do MST pulou as cercas da fazenda da empresa Monsanto na localidade de Não-Me-Toques, ao norte do Estado, e acampou dentro de seu recinto. Picharam muros e hastearam bandeiras do MST. No dia seguinte, às 10 hs da manhã chegou Stédile, acompanhado de grande número de“convidados”. E assim, montada a encenação, foi destruído um canteiro experimental de soja pelos neo-vândalos do MST. O agitador Bové – líder do MST da França – esteve presente à invasão. Uma oportunidade de ouro para auto-projetar-se. E fez questão de posar triunfante, com um ramo de vegetal arrancado do solo, para as câmaras de dezenas de jornalistas brasileiros e estrangeiros (como ficaram sabendo estes da “surpresa”?) que haviam acorrido pressurosos para documentar o momento “histórico”… Com tal artifício propagandístico às custas do direito de propriedade, o MST guindou-se desde o início do Fórum para o palco da atenção geral e esquentou suas bases, apresentando-se como um movimento radical, brilhante, com grande capacidade de ação e de empolgar. O MST organizou ainda uma visita de Danielle Mitterrand ao assentamento de Herval e uma manifestação no de Nova Santa Rita contra os transgênicos. Aproveitando o embalo, promoveu mais duas ocupações de terras no Rio Grande do Sul. Dois amigos inseparáveis: o PT e a esquerda católica Havia grande contingente de membros do PT portando bandeiras do partido, usando bonés e difundindo literatura. Ao apresentar uma proposta de “globalização alternativa” no seminário Desenvolvimento e subdesenvolvimento: Deconstrução e construção do Estado, o chamado“presidente de honra” do Partido dos Trabalhadores foi freneticamente aplaudido por seus adeptos, que bradavam a plenos pulmões: “Lula para presidente”. Nos arraiais petistas a campanha presidencial de 2002 já começou… Das fileiras do esquerdismo católico, além da voz de D. Pedro Casaldáliga, estava presente Frei Betto, o amigo infiel de Marighela, que expôs suas idéias na oficina “Como fortalecer a conformidade de ação das sociedades e a construção do espaço público”. Alertou para o fato de que a esquerda precisaria aprender a falar a linguagem do povo e a respeitar a religiosidade popular. No Correio da Cidadania, Frei Betto dá seu testemunho de fé na vitória da revolução: “Já não espero participar da colheita, mas quero morrer desta semente capaz de virar o Brasil pelo avesso”. A mística e o coração nos “testemunhos” de Lula e Stédile O Fórum atingiu seu clímax com os“testemunhos” de Lula, no dia 29, e de João Pedro Stédile, marxista e um dos líderes máximos do MST, no dia seguinte. Em palestra no salão principal do Centro de Eventos da PUC, Lula explicou o espírito que anima o Fórum, o “espírito de Porto Alegre”: “Por que estamos aqui? Mesmo não nos conhecendo, temos algo em comum que nos move, algo que moveu a Revolução Francesa, a Revolução Mexicana de 1911, a Revolução Cubana e a Revolução Nicaragüense quando ninguém mais acreditava em revoluções na América Latina. O que nos move é que somos homens e mulheres movidos (sic) sobretudo por uma coisa chamada coração”. Por sua vez, Stédile traçou um breve histórico do MST, de suas lutas e de suas metas. E mencionou igualmente o fator “coração” enquanto parte da“mística” que os empolga: “Aprendemos que as pessoas se movem também pelo coração. Fomos construindo um método de trabalho que chamamos mística, e que se traduz em simbologia, em hinos, em bandeiras, como forma de nos dar unidade. A nossa unidade não se deu pelas teses. Ela se deu pelo coração. Nós nos arrepiávamos quando víamos as bandeiras vermelhas tremularem numa invasão de terras. A simbologia tem um poder místico para unir as pessoas no mesmo ideal. Isso aprendemos de nossos antecessores”. Em sua exposição, explicou os princípios diretivos do MST, aprendidos com “nossos antepassados e com os militantes mais experientes”: “1. Direção coletiva: nada de presidente perene. Romper o presidencialismo e o personalismo para desenvolver a militância; 2. Divisão de tarefas: quem faz tudo, faz mal. 3. Disciplina: respeitar a opinião da maioria e cumpri-la. 4. Amor ao estudo: nada de trabalhadores ignorantes. Lutar pelo acesso ao conhecimento científico, que nos ajuda e nos liberta. 5. Formação de quadros para poder crescer: ai da organização que abandona a formação de seus próprios quadros!” Stédile reconheceu que o MST encontra-se numa encruzilhada. De um lado, eles não podem recuar; de outro, não conseguem avançar sozinhos. A solução? A “construção de um processo de alianças. Aliança de luta, não para fazer reuniões. Aliança com movimentos de pequenos agricultores, com os trabalhadores urbanos, com a pastoral da juventude, com os desempregados, com a sociedade brasileira em geral”. E concluiu conclamando a uma grande aliança universal para “globalizar a luta e a esperança”. Enchiam o auditório mais de mil adeptos do MST, a ala “ardita” que bradava slogans, tais como: “Reforma Agrária, urgente e necessária”,“MST, a luta é prá valer” ou “O MST é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo”. Ameaça violenta da Internacional Campesina Um primeiro passo para a formação de uma grande aliança universal foi dado em Porto Alegre, onde estiveram presentes líderes de movimentos sem-terra e de camponeses de mais de trinta países. Todos eles hospedados no Convento dos Capuchinhos. Eram cerca de 150 ativistas brasileiros, mexicanos e indianos pertencentes a uma ONG, aInternacional Campesina. Um primeiro projeto comum será levado a cabo no dia 17 de abril, quando “agricultores de vários países pretendem fechar estradas com tratores, parar navios nos portos e trens nas fronteiras com o objetivo de protestar contra a importação de alimentos”(“Folha de S. Paulo”, 28-1-01). Bové e Danielle Mitterrand: o testemunho de duas vedetesestrangeiras Depois de Stédile falou José Bové, chefe da Confederação dos Camponeses Franceses, e que se tornou conhecido por liderar a invasão de uma filial da rede de lanchonetes McDonald’s em Millau, França. Amigo pessoal de Cohn-Bendit, líder da Revolução da Sorbonne em maio de 1968, ele vem tentando capitalizar a indignação dos camponeses e dos criadores de gado contra a unificação econômica européia, fazendo dessa indignação uma bandeira da esquerda. Bové criticou fortemente a importação de alimentos, defendeu a“soberania alimentar” como sendo um direito humano inalienável, e conclamou todas as forças de esquerda do mundo a se unirem para levar a cabo uma revolução planetária, arrasando todas as “Bastilhas” do mundo de hoje, assim como outrora os sans-culottes da Revolução Francesa destruíram a Bastilha, abrindo caminho para a derrubada da monarquia e implantação da república. E terminou dizendo, à maneira de Stédile, que era preciso “unir as lutas, unir as esperanças”. Noutro salão, Danielle Mitterrand, Presidente da Associação France Liberté, dava seu “testemunho”, afirmando que os “ecos de Porto Alegre vão atingir as classes que dominam o capital mundial”. E criticou as camadas ricas que não têm senso de “solidariedade”. Inexplicável inação policial ante o vandalismo de baderneiros Inspirados talvez no exemplo de Bové, que no ano passado foi preso por atacar uma filial do McDonald’s, pouco tempo depois de terminados os“testemunhos”, um grupo de baderneiros participantes do Fórum atacou a lanchonete McDonald’s no Shopping Center Bourbon. Jogaram tinta no letreiro da loja, picharam os espelhos, chegaram mesmo a cuspir nos pratos dos fregueses. A Brigada Militar limitou-se a observar, sem intervir, embora tenha sido chamada pelo gerente do Shopping. O oficial responsável pela operação alegou que tinha ordens superiores para não intervir. Mais uma vez, impunidade. Inércia dos poderes do Estado? Cumplicidade? E os desordeiros impunes deixaram oShopping,vociferando: “Arroz, feijão, para fazer revolução”. Nesta mesma noite, Bové, apresentado como um novo Asterix gaulês, foi notificado pela Polícia Federal de que só poderia ficar no País por mais 24 horas. Bové – que responde a processo em seu país – obteve habeas corpus no Brasil, tendo retornado no dia seguinte à França. Seja como for, ele se tornou alvo do interesse geral. De um lado, desviando a atenção dos temas mais graves tratados no Fórum; e de outro,“legitimando”, com sua posição de “injustiçado e perseguido”, no dizer de Stédile, a luta do MST. Cinismo comunista: Fronteira entre Estados Unidos e México, Assim como os soviéticos de ontem, a nova Revolução tem como alvo preferencial os Estados Unidos, a potência considerada imperialista e opressora. Sob o lema “América é um continente em marcha”, o Comitê Internacional pela Construção da Marcha Mundial ao Muro da Vergonhaestá convidando “todos os companheiros” para a marcha continental que se realizará em janeiro de 2003 rumo ao muro de 3.400 km que separa o México e os Estados Unidos. Espanta o cinismo de comunistas utilizando o termo “Muro da Vergonha”, com o qual foi rotulado aquele que seus predecessores erigiram para impedir que a população da Alemanha Oriental fugisse em massa para o Ocidente. E continuam, desinibidos: “A cada ano dezenas de trabalhadores imigrantes perdem a vida ao tentar atravessar esta fronteira fortificada. Até hoje o governo norte-americano conseguiu fugir à responsabilidade pela morte daqueles que executou de forma arbitrária e ilegal”. Discordância e desalento Unanimidade não houve no Fórum. Uma das vozes discordantes partiu do “Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado” (PSTU), que divulgou manifesto atacando o caráter excludente do evento: “São 10.000 presentes, mas a discussão se restringe aos 84 debatedores das conferências. Nestas, que são o programa central do fórum, não é permitida polêmica com as posições expostas pelos conferencistas. Só são admitidas perguntas por escrito, que podem ser respondidas ou não pelos expositores. … A juventude foi colocada em local distante do fórum. O mesmo procedimento foi adotado com as oficinas destinadas a negros e negras”. Por outro lado, a Juventude Popular Socialista constatou desanimada a impotência da esquerda em atrair os jovens, perguntando-se: “Por que a esquerda brasileira encontra tantas dificuldades em agregar em suas fileiras na luta por `um novo mundo possível’, e um festival de rock (oRock in Rio) consegue aglutinar mais de um milhão de jovens sob o lema `por um mundo melhor’?” Internacional ainda mais radical: a da 4ª Revolução A realização do Fórum Social Mundial, com seu forte tom esquerdista, confirma o dito de Oded Grajew, de que o conceito de esquerda e direita não desapareceu. Para esse empresário esquerdista, tal conceito e uma realidade viva que representa duas concepções do universo diametralmente opostas. O encontro de Porto Alegre significa por certo um marco na tentativa de organização e avanço das esquerdas no Brasil e no mundo, após o estrondoso fracasso da União Soviética. É o comunismo metamorfoseado. E analistas já levantam a hipótese do surgimento de uma nova Internacional de tipo socialista a partir da “capital vermelha” do Rio Grande do Sul, caso as “esperanças” suscitadas venham a se realizar. Seria lícito e mesmo necessário acrescentar — utilizando a terminologia do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu renomado ensaio Revolução e Contra-Revolução, que denominou o Protestantismo a 1ª Revolução, a Revolução Francesa a 2ª, o Comunismo a 3ª – que essa nova Internacional poderia, a justo título, ser considerada a Internacional da 4ª Revolução. Mas já agora de índole anárquica e tribalista, sucessora das quatro históricas Internacionais de Trabalhadores (surgidas entre 1864 e 1937). Revolução esta de caráter comuno-cultural, que representa um apogeu das três Revoluções anteriores, e que “só pode conduzir, em seus últimos paroxismos, à perpétua e fantasiosa vagabundagem da vida das selvas, alternada, também ela, com o desempenho instintivo e quase mecânico de algumas atividades absolutamente indispensáveis à vida”(op. cit., Artpress, São Paulo, 2ª ed., 1982, p. 72). O próximo Fórum já está marcado para o ano vindouro. Em Porto Alegre. É preciso aquecer as “esperanças”. Carregado por elas, Bové e outros figurões do Fórum proclamaram enfáticos o surgimento de uma nova era para a esquerda mundial: “O terceiro milênio começou em Porto Alegre”. Estiveram ausentes do Fórum, Deus, Nossa Senhora, os Santos e os Anjos. Cumpre saber quais são os desígnios do Céu. |