Sobre as crescentes ondas de manifestações no Brasil, transcrevemos trechos de uma reunião do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, feita em 1994, a respeito da corrupção política e do favorecimento ao caos, indicando a única solução de fundo.
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Corrupção na sociedade atual:
haverá solução?
Catolicismo, N° 518, Fevereiro de 1994 (*)
Na Itália e França, políticos suspeitos de suborno e malversação de dinheiro público se auto-anistiam. Tal epidemia de imoralidade representa séria ameaça ao que resta de civilização cristã e à própria existência do Estado, favorecendo o estabelecimento do caos. Nossa Senhora, em Fátima, já indicara o remédio para essa situação.
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Recentemente, na Itália, escândalos sem precedentes fizeram com que o Parlamento votasse uma lei que extingue as penas de prisão aplicadas a políticos, condenados por receber contribuições ilegais destinadas a campanhas eleitorais. Ela foi aprovada no Senado por 139 contra 19, depois de ter sido votada pela Câmara de Deputados em novembro último. Tal legislação estabelece que contribuições ilegais para campanhas políticas não constituem crime, tornando-se apenas “ofensa civil”. Dessa forma, os condenados não serão mais presos, devendo tão-só pagar multas.
“A votação no Senado foi uma das poucas demonstrações de unidade da Câmara Alta do Parlamento da Itália” (cfr. “Folha de S. Paulo”, 3-12-93). Comunistas e autonomistas da Liga do Norte juntaram-se aos integrantes dos partidos envolvidos nos escândalos de corrupção para a aprovação da lei. “Até hoje, políticos que recebessem contribuições ilegais para campanhas eleitorais poderiam ser condenados até a quatro anos de cadeia. A maioria dos políticos italianos acusados nos recentes escândalos de corrupção – entre eles cinco ex-primeiros-ministros – são suspeitos de terem recebido doações ilegais para suas campanhas eleitorais.
“Segundo o Comitê Judiciário do Senado, as contribuições políticas deixam de ser ilegais, desde que voltadas exclusivamente para o financiamento de campanhas eleitorais. A nova lei é retroativa se beneficiar os réus” (id. ib.).
É lícito financiar candidatos?
Em princípio, pode-se censurar um homem rico, um empresário, que pague uma soma importante para eleger determinado político, defensor de idéias semelhantes às suas?
Daria provas de ser muito sovina um homem que, podendo facilitar, mediante contribuições financeiras, o acesso a cargo público importante a um candidato que apresente um programa capaz de salvar o seu país, não o fizesse.
Em tese, o fato de uma pessoa rica fazer uma doação para a eleição de outra sem posses, não é, em si, ato desonesto. Pode até ser considerado um ato de virtude.
Acordo escuso
Ora, a situação muda de figura quando se observa não ser por afinidade ideológica que determinado empresário ou banqueiro apoia um candidato, por exemplo, à Presidência da República. Se ele financia tal político porque houve um acordo, no sentido de este lhe conceder vantagens na realização de seus negócios, recebendo em compensação pelo dinheiro doado, um contrato comercial vantajoso, a combinação torna-se espúria. E isso implica, muitas vezes, que será contratada para a realização de uma obra pública não a empresa mais eficiente, mas o empresário que facilitou o candidato a obter o cargo público. Um acordo desse tipo transforma um ato de idealismo em negociata, e começa assim a aparecer o lado escuso e espúrio da combinação.
Além disso, o empresário pode cobrar do Estado um preço muito maior do que cobraria outro concorrente que não auxiliou a eleição do candidato. Este ato assume, pois, caráter irrecusavelmente desonesto, porque o empresário cobraria um preço desproporcional pelo serviço prestado.
Corrupção e sistema de governo
Consideradas as coisas em tese, pode-se dizer que este gênero de falseamento da democracia é optativo. Isto é, se as pessoas que entram nesse jogo o quiserem, podem assumir a atitude descrita acima, prejudicando singularmente o Estado e os interesses públicos. Se não o quiserem, contudo, podem agir honestamente. Assim, não se infere daí um argumento contra a forma de governo, nem contra o sistema econômico capitalista. Dessa situação extrai-se apenas uma razão contra o falseamento da forma democrática de governo. Falseamento que pode ocorrer também em outros tipos de governo.
Do ut des; facio ut facias
As considerações precedentes são variações maiores ou menores de um mesmo pensamento central, que se poderia descrever em torno da máxima do Direito Romano: Do ut des; facio ut facias (dou para que tu me dês; faço para que me faças). É uma combinação, um arranjo que pode ser feito de modo desonesto ou honesto, conforme entendimento das partes engajadas no negócio.
O falseamento pode facilmente se dar em qualquer forma de governo vigente no momento, seja democracia, seja monarquia. E também ocorrer tanto no sistema econômico capitalista quanto no comunista. Lembremos que no comunismo os membros do partido – especialmente a cúpula, como a nomenklatura na ex-URSS – constituem uma casta, que obtém todas as vantagens. Isto que já era sabido, tornou-se patente após a queda do Muro de Berlim.
Grau de moralidade pública
O eixo da problemática não se encontra primordialmente, pois, na forma de governo nem no sistema econômico. Ele reside no grau de moralidade pública e, em particular, no comportamento dos homens públicos, numa ou noutra forma de governo, num ou noutro sistema econômico. Onde há pessoas que tomam a sério a existência de Deus, e cumprem, de fato, Sua Lei, tais coisas não acontecem.
Mas, em países onde a população crê na existência de Deus sem seriedade, ou cumpre a sua Lei também de modo não sério, certo número de pessoas pode roubar, beneficiando-se de bens que não são seus.
Não estamos, portanto, em presença de uma questão principalmente econômica, embora tenha algo de econômico; nem tampouco em face de uma questão principalmente política, se bem que tenha algo de político. Estamos diante de uma temática que, apesar de conter reflexos econômicos e políticos, é fundamentalmente religiosa e moral. Onde não há religião nem moral, onde há aniquilamento do valor religioso, da Fé, as coisas necessariamente caminham rumo ao esboroamento completo de toda a ordem econômica, política e social.
E a repressão ao roubo?
É claro que se deve reprimir de modo categórico toda espécie de ilegalidade e de imoralidade. Entretanto, simplesmente punindo os ladrões, nunca se chegará à eliminação do roubo. Porque o número de ladrões tende a crescer, a bem dizer indefinidamente, num país em que a maioria esmagadora da população não cumpre os Dez Mandamentos da Lei de Deus. Caso se prendam cinco ladrões, engana-se quem considerar que seu número diminuiu em cinco. Foram abertas, na verdade, cinco vagas, e para elas surgem cinqüenta candidatos, isto é, cinqüenta novos ladrões. E crescendo o número de ladrões, aumentam os roubos.
O problema é fundamentalmente moral e, a esse título, envolve também um problema religioso.
A ingerência do Estado
As crescentes restrições impostas à propriedade privada conduzem atualmente a uma situação em que, para seu exercício pleno, ela depende de autorização do Estado, segundo a legislação semi-comunista de tantas nações modernas ditas não-comunistas. Dessa forma, por exemplo, a exploração de alguns bens no subsolo – que legitimamente pertencem ao proprietário do solo – só pode se dar com permissão do Estado. Para obtê-la, uma pessoa honesta freqüentemente tem que oferecer um suborno ao funcionário encarregado da autorização, seja para consegui-la ou para que não demore indefinidamente. Quem assim procede, agiu erradamente?
Não. Ele deu dinheiro para obter um direito que legitimamente já era seu. Mais ainda, é o Estado que rouba, ao limitar assim o direito de propriedade injustamente. As irregularidades daí decorrentes criam na máquina política subornos de toda espécie.
Tal procedimento se espalha pela população inteira. Quem paga suborno é tido como pessoa esperta, e quem não o faz, passa por bobo. O esperto ganha dinheiro. O que não suborna fica com um bem que não lhe adianta de nada. Essa é a conseqüência forçosa da ingerência desmesurada do Estado na economia.
Oficialização do roubo
Se até os honestos são obrigados a subornar, que se dirá dos desonestos? O suborno se espalha como uma mancha de azeite sobre um tecido, penetrando em toda a sua contextura.
Em certo momento, quando o número de ladrões torna-se tão grande que é praticamente impossível reprimir o crime sem pôr a nação inteira no cárcere, adota-se a fórmula italiana: declara-se não ser crime o suborno, o qual passa a ser punido apenas mediante multa. Na verdade, duas multas. Uma para o funcionário, outra para o Estado. E a pessoa fica livre para fazer o que quiser. É a oficialização do roubo.
Assim sendo, um vulgar ladrão de galinhas pode ser punido com prisão. Um político, porém, que entra numa negociata eleitoral, não fica desmoralizado e não vai para a prisão. Deve apenas pagar uma multa. E como ele recebe também algum dinheiro, tudo se arranja. Todos ganham dinheiro, todos roubam e o roubo torna-se um costume oficial.
Fim da propriedade privada
Quando se oficializa dessa maneira o roubo, a propriedade privada acaba deixando de existir. Se o roubo se generaliza, multiplica-se não apenas a obtenção de vantagens em negócios públicos, mas todos os negócios tendem a se tornar velhacaria.
Em tal situação, o trabalho perde prestígio e influência, restando apenas como meio de ganhar dinheiro a prática desonesta. O roubo torna-se o rei da sociedade. E o sistema econômico, comunista ou capitalista, afunda na prática do suborno. O país torna-se uma “roubolândia”, onde uma minoria de ladrões se locupleta no poder.
A meta é o caos
Esse desfazimento da sociedade conduz a uma adulteração da polêmica comunismo-anticomunismo. Isto é, os comunistas dizem que no regime capitalista o roubo se generaliza. Entretanto, a situação dos países do Leste europeu mostra que, no regime comunista, o roubo e o suborno, na realidade, se instalam de modo generalizado. E as acusações recíprocas de ladrões deixam de ter sentido. E o mundo mergulha na anarquia e no caos.
Caminha-se então para uma ordem de coisas em que a discussão capitalismo-comunismo perde sua razão de ser. Nada é mais nada! Comunismo equivale a capitalismo; capitalismo é comunismo. Todos tornaram-se ladrões e ninguém deixa de ser ladrão, exceto alguns poucos que ainda crêem em Deus.
Essa é a conseqüência da lei recentemente aprovada na Itália. É o primeiro passo para a generalização de um sistema legal mais ou menos parecido como o descrito acima e que atingirá, cedo ou tarde, todas as nações do mundo. Aliás, é o que já ocorreu na França, durante o governo socialista do presidente Mitterrand. Comprovou-se uma corrupção praticada pelo Partido Socialista, e como este possuía, na ocasião, maioria na Câmara de Deputados, votou-se uma lei de auto-anistia. O resultado: perda total da moralidade pública, da compostura política e caminho rumo ao caos.
Que remédio há para isto?
O que falta na sociedade atual são elites. Elites morais, antes de tudo. Mas elites, por excelência, de famílias, nas quais algo se conserva pela recordação de seus maiores, célebres por sua honestidade, e que servem de modelo.
Ora, a democracia, em concreto, arruinou o prestígio das verdadeiras elites. Se não se trabalhar para sua restauração, nada poderá ser feito.
Com o intuito de favorecer as classes mais modestas da sociedade contemporânea, foi sendo dada a esta uma estrutura gradualmente mais igualitária. Daí resultou o esmagamento progressivo das autênticas elites e o desaparecimento paulatino das estruturas e dos valores aos quais a sociedade devia até então a gênese de suas camadas mais cultas e capazes.
A isso se deve a desorientação e a tendência para o caos, cada vez mais acentuadas nos dias que correm.
A experiência brasileira mostra, por exemplo, toda a extensão do perigo e dos prejuízos a que o minguamento das elites pode conduzir uma nação.
A única solução de fundo
Poder-se-ia argumentar: muitos que vêem, a justo título, na falta de religião a raiz de todo o mal, começariam a praticá-la, o que iria eliminando a corrupção. Na verdade, porém, muitas pessoas que admitem estar a irreligiosidade na origem de todo mal, não desejam absolutamente propagar a religião, de maneira a criar um ambiente de austeridade, de severidade moral. Pois isso as obrigaria a mudar seu modo de viver.
A posição assumida por tais pessoas torna-se mais compreensível, se a compararmos com a atitude de certo tipo de jogadores: não se encontra um único adepto do jogo ilícito que sustente ser este honesto, bem como trazer ele vantagens para sua pátria. Assim, embora tal jogo não convenha ao país, convém a ele, enquanto jogador.
A graça divina
Para debelar tal situação é preciso exercer-se um apostolado de caráter essencialmente religioso, que atraia a graça divina. E, com o auxílio desta, um apostolado que toque as almas, as inteligências, as vontades realmente, de maneira a alcançar verdadeiras conversões. E a partir dessas, alguma coisa pode ser feito. Ora, tais conversões são evidentemente dificílimas de se obter em épocas de imoralidade generalizada, pois as pessoas estão muito afeiçoadas às vantagens que esta lhes traz. E, portanto, estarão pouco propensas a abandonar a má vida.
Apóstolos autênticos
Para se descer aos aspectos mais recônditos do problema com vistas à sua plena solução, é necessária a presença de apóstolos como aqueles recomendados por Dom Chautard em sua famosa obra “A alma de todo apostolado“. Apóstolos dotados de vida interior verdadeira, desejosos do Reino de Deus antes de todas as coisas, e da realização da vontade e dos desígnios divinos, assim na Terra como no Céu. Apóstolos que arrastem pelo exemplo, e movam pela palavra a população, elaborando as leis do Estado conforme as de Deus. E, assim, consigam alterar o procedimento das pessoas. Em suma, surgindo autênticos apóstolos, poderão estes com sua atuação tocar verdadeiramente as almas, as quais, correspondendo à graça, converter-se-ão.
E para se converter, o homem contemporâneo deverá ser dócil à recomendação de Nossa Senhora de Fátima à humanidade, em 1917, a saber: penitência e oração.
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(*) Este artigo baseia-se em conferência pronunciada, a sócios e cooperadores da TFP, em 4-12-1993. Sem revisão do conferencista.