Nunca, talvez, a palavra epopeia foi melhor empregada do que falando das cruzadas.
Nunca a atração do Oriente se manifesta com mais ardor e, apesar dos aparentes fracassos, conduz a mais espantosas realizações.
Basta evocar as fundações dos “francos” na Terra Santa: feitorias dos comerciantes, estabelecimentos organizados que formam verdadeiras cidadezinhas, com sua capela, banhos públicos, entrepostos, habitações dos mercadores, sala do tribunal e de reuniões; praças-fortes, cuja massa desafia ainda o solo, como o krak dos cavaleiros, o castelo de Saône e as fortificações do Tyr; e ainda feitos de armas extraordinários, como os de Raymond de Poitiers ou de Renaud de Châtillon, que fazem pensar que as Cruzadas, posta à parte a sua finalidade piedosa, foram um feliz derivativo para o ardor efervescente dos barões.
A Europa perderá muito no século XIV, quando a sua atenção se afasta do Oriente.
Se ela tivesse sido aproveitada, teria provavelmente mudado completamente o destino dos dois mundos, oriental e ocidental.
A sua morte prematura, a estreiteza de vistas dos seus sucessores, deixaram no estado de esboço um projeto cuja importância foi valorizada pelos trabalhos de René Grousset.
Só os mongóis, que procuravam a aliança franca e favoreciam os cristãos nestorianos, podiam opor ao Islã uma barreira eficaz.
As relações estabelecidas por Jean du Pan-Carpin, depois por Guillaume de Rubruquis — quando em 1254 visitava Karakoroum, capital do Grande-Khan — tinham feito uns e outros compreenderem quais frutos poderiam nascer de semelhante união, pois os mongóis se ofereciam para reconquistar Jerusalém aos turcos mamelucos.
Mas a sua oferta não foi tomada em consideração.
O citado historiador das cruzadas fez notar a coincidência das duas datas: 1287, embaixada do nestoriano mongol Rabban Çauma junto a Filipe, o Belo, sem resultado; e 1291, perda de São João d’Acre.
Submergido pelo Islã, o Oriente fechar-se-á à influência e ao comércio europeu, o que marca uma decadência irremediável para as cidades mediterrânicas e para os armadores inquietados pelos piratas.
Só os cavaleiros hospitalários continuarão a lutar palmo a palmo, e de Rodes a Malta desenvolverão encarniçados esforços para manter a nossa via para o Oriente.
Luta desigual, mas admirável, que não cessará antes da tomada de Malta por Bonaparte.
(Autor: Régine Pernoud, “Lumière du Moyen Âge” – Bernard Grasset Éditeur, Paris, 1944)
Fonte:Luis Dufaur