Santa Hildegarda

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Luz animada pela inspiração divina. Cresce em todo o mundo o interesse pela apaixonante vida dessa que foi uma das maiores Santas da Alemanha na Idade Média, reunindo ao mesmo tempo as qualidades de mística, profetiza, escritora, pregadora, conselheira, médica e compositora.

Estamos no ano de 1097. A Cristandade, Oriente e Ocidente unidos, está dominada por um só pensamento: libertar a Terra Santa! Reinos católicos inteiros engajam-se numa enorme mobilização que ficará conhecida na História como as Cruzadas. Há pouco, em 1095, multidões tinham aclamado com entusiasmo o Papa Urbano II  que, em Clermont-Ferrant, França, havia exortado os cristãos a socorrer seus irmãos oprimidos em Jerusalém.

Após um período de confusão e desordens, uma nova era de fervor religioso parece começar. Em 1098, o monge beneditino Robert de Solesmes funda a Abadia de Citeaux, como resultado da reforma gregoriana. Desta abadia sairá o monge Bernardo,  que funda por sua  vez,  em 1115, a Abadia de Claraval. Ela atrairá tantas vocações que, na morte deste campeão da Cristandade, em 1153, a Ordem de Citeaux contará com 343 mosteiros, dos quais 167 saídos de Claraval. Os cartuxos, fundados por São Bruno em 1104, e os premontratenses, fundados por São Norberto, são outros sintomas do fervor religioso que anima esta época.

Menina predestinada de origem nobre

Neste mundo assim florescente e em ebulição, no ano de 1098, nasce uma menina que recebe o nome de Hildegarde von Bingen. Seus pais, Hildeberto e Matilde, provavelmente originários de Bermerschein, no Condado de Spanheim,  pertencem à nobreza local do Palatinado.

“Aos três anos de idade eu vi uma tal luz que incendiava minha alma. Aos oito anos, consagrei-me a Deus e até os 15 anos eu via em minha alma muitas coisas que escondia dos outros, pois notava que eles não tinham este tipo de visões.” Assim começa a vida mística de Santa Hildegarda, que aos oito anos foi confiada a um mosteiro, para ali ser educada — prática que era comum naquela época. O mosteiro escolhido foi o de Disibodensberg, onde vivia uma religiosa de nome Jutta, filha do Conde de Spanheim, que tomou a si o encargo de cuidar dessa menina que dava sinais de uma grande vocação.

Foi Jutta que ensinou a Hildegarda o canto dos salmos e a arte musical. Naquele tempo, dizia-se “aprender a ler é aprender a salmejar.” Deste período de sua vida, sabe-se apenas que ela tinha uma saúde muito frágil  e que sempre era favorecida por visões, narradas com discrição apenas a  sua tutora e a um dos monges do mosteiro de Santo Disibold, chamado Volmar, que depois exercerá, durante 30 anos, o ofício de seu secretário.

Aos 12 anos, idade em que uma moça era então considerada maior, a jovem mística pede para fazer os votos religiosos no convento em que vivia. Sua virtude sobressai de tal modo que, aos 39 anos, quando morre Jutta, as religiosas elegem Hildegarda como Abadessa. Em breve um grande acontecimento decisivo na sua existência vai engajá-la numa vida totalmente nova.

Vocação semelhante à dos Profetas do Antigo Testamento

“Aos meus 40 anos, tive uma visão onde uma voz dizia: ‘Diga o que viste e entendeste, não à maneira de outro homem, mas segundo a vontade dAquele que sabe, vê e dispõe todas as coisas no segredo de seus mistérios’”. Tratava-se de uma ordem decisiva que indicava a vocação de Hildegarda, semelhante à dos profetas do Antigo Testamento, os quais eram as bocas de Deus. Sobre esta vocação, Hildegarda insistirá dizendo que “uma voz do Céu mandava-me tudo dizer e escrever, tal qual ouvia e era-me ensinado.” Esta voz apresentou-se a ela como “a Luz viva que ilumina o que é obscuro.”  Santa Hildegarda põe-se então a escrever o seu primeiro livro Scivias (Conheça as vias do Senhor), trabalho que levará 10 anos para ser executado.

As visões e atividades da nova Abadessa chamam a atenção das autoridades eclesiásticas, preocupadas com o eco dessas revelações e da perplexidade que alguns sentiam em face delas. O Arcebispo Henri, de Mainz, Diocese onde localizava-se o convento de Hildegarda, quer aproveitar a presença do Papa Eugênio III em Trier,  onde, em 1147, deve reunir-se um Sínodo preparatório do Concílio de Reims. O cenário é grandioso. Trier, a cidade do Imperador Constantino, que ali residiu com sua mãe Santa Helena até o ano 316. O Papa – um cisterciense de Claraval, formado por São Bernardo –  reunia Cardeais, Bispos e Abades para um alto tema, qual seja, confirmar mais uma vez as reformas empreendidas pelo Papa São Gregório VII. Entre os assistentes, a maior figura da Cristandade: São Bernardo de Claraval.

Santidade atrai multidões de fiéis

Nessa importante assembléia, outro tema entra na pauta: a ortodoxia das visões da Abadessa de um obscuro convento às margens do Reno. O Papa designa dois Prelados, o Bispo de Verdun e seu Bispo-Auxiliar para irem ao convento e informarem-se sobre a conduta, escritos e vida dessa religiosa. Em poucos dias, voltam eles para apresentar um relato da visita, trazendo ao Papa as partes já escritas do livro Scivias. Cena impressionante: o Pontífice resolve ler em público as revelações da Abadessa. Atribui-se a São Bernardo a conclusão da assembléia: “É preciso impedir que se apague uma tão admirável luz animada pela inspiração divina.”

O Papa pessoalmente escreve a Santa Hildegarda: “Nós ficamos admirados, minha filha, que Deus mostre em nosso tempo novos milagres. Nós te felicitamos pela graça de Deus. Conserve e guarde esta graça.” A carta é uma das 390 que aparecem no livro recentemente publicado na Alemanha sob o patrocínio da Abadessa Walburga Storch OSB, da própria Abadia de Santa Hildegarda, em Rüdesheim-Eibingen.

A partir desse episódio, começou uma nova vida para Santa Hildegarda, cuja fama difundia-se além do Reno. Fama não só devido a seus escritos, mas também aos milagres. Narram as crônicas o episódio do monge de Saint Disibold, chamado Arnold, que se opôs à mudança das religiosas para um novo local que Deus havia indicado em uma  visão para a Santa. O monge levanta uma querela contra Hildegarda até o dia em que é atacado por um tumor na língua, que o impede de fechar a boca e mesmo falar. Tomado de pavor, promete não mais opor-se à vontade de Santa Hildegarda. Imediatamente o tumor desaparece e o monge, arrependido, é o primeiro a se apresentar para trabalhar na construção do mosteiro que será fundado em Rupertsberg, a 30 quilômetros de Bingen.

De toda a França e da Alemanha milhares de pessoas afluem ávidas para ouvir um conselho ou exortações de Hildegarda. Muitos pedem que ela cure as enfermidades do corpo, o que ela faz dando sua bênção. A Santa Abadessa tem a capacidade de penetrar nos pensamentos dos peregrinos e afastar-se dos que se aproximam com más intenções ou para provar sua virtude. Judeus vêm ouvi-la e ela exorta-os à conversão à Fé verdadeira. Hildegarda chega mesmo a livrar do demônio uma possessa de Colônia, espírito imundo este que os sacerdotes da Abadia de Brauweisler não tinham conseguido expulsar.

Repreensões a supremas autoridades nos planos espiritual e temporal

Se os milagres provaram a santidade de Hildegarda aos olhos de seus contemporâneos,  mais ainda o fizeram  suas obras, sua enorme correspondência, como também pregações que foi convidada a fazer em importantes cidades da Alemanha.

A correspondência de Santa Hildegarda surpreende pela dignidade dos  destinatários e dos remetentes de cartas e pedidos: Papas, Bispos e um grande número de altas autoridades temporais,  como, por exemplo, os Imperadores Conrado III e Frederico Barbaruiva, da Alemanha.

Frederico, que será conhecido na História como Barbaruiva, pede que a Santa o visite em seu palácio de Ingelheim, perto de Mainz. São conhecidos detalhes desse encontro pelo conteúdo das cartas do Imperador e das respostas de Santa Hildegarda. Esta, não se deixando intimidar pela alta posição do Soberano, increpa-o em termos proféticos: “Sê vigilante, porque presentemente todas as regiões do Reino estão dominadas por falaciosos que destroem a justiça…. Saiba, pois, que o Rei supremo te olha; e não sejas acusado diante dEle de não ter exercido corretamente teu oficio e não venhas assim a envergonhar-te.”

Pede ela também que o Imperador “vele pelos costumes dos Prelados que caíram na abjeção”, exortando-o a que “tome cuidado para que o Supremo Rei não te lance por terra por culpa da cegueira de teus olhos. Seja tal, que a graça de Deus não te falte!”

Compreende-se o tom dessa missiva pelos fatos que se seguiram. O Imperador retoma a luta contra o Papado, destitui o Arcebispo de Mainz, fiel a Roma, manda suas tropas arrasar Milão e nomeia nada menos do que quatro antipapas apenas durante o pontificado de Alexandre III.

Outro é o tom da correspondência mantida com o santo monge Bernardo de Claraval, que lhe escreve em termos elogiosos e sobrenaturais: “Agradeço a graça de Deus que está em ti. Eu te suplico de lembrar-te de mim diante de Deus….” A esta missiva, depois de descrever como ela se sentia tomada pela graça de Deus nas revelações que recebia, responde: “Sinto-me consolada por tua sabedoria em coisas de que os homens estão cheios de erros. Tive uma visão, na qual te vi como um homem que olha o Sol sem medo e com audácia. Meu bom pai, pede a Deus por mim, tu que és como uma águia que olha o Sol….”

Ao Papa Anastácio IV, eleito em 1153, Hildegarda escreve em termos duros: “Por que não cortais a raiz do mal que sufoca a erva boa?  Por que  negligenciais a justiça que vos foi confiada? Como permitais que esta filha de Rei seja jogada por terra e que seus diademas e ornamentos de sua túnica sejam destruídos pela grosseria dos homens? Vós que pareceis ter sido constituído pastor, levantai-vos e correi em direção à justiça de modo que, diante do Médico supremo, não sejais acusado de não ter purificado os teus campos das imundícies. Vós, homem, mantende-vos no bom caminho e sereis salvo!”

Como se nota em suas cartas,  Hildegarda recebeu a vocação de aconselhar, segundo os caminhos de Deus, os potentados e as mais altas autoridades da época. Mas, igualmente inúmeras pessoas simples, que a ela recorriam pedindo um conselho. A todos Hildegarda respondia com esse tom solene, humilde e severo, que caracteriza o seu estilo.

Nas pregações: reprimendas ao Clero e ao povo

Não é de estranhar que uma tão grande personalidade, alcandorada pela santidade, fosse convidada por Bispos para falar em suas Dioceses, sem abandonar seu estado de religiosa de clausura. São conhecidos os textos dessas alocuções, uma vez que, posteriormente , os Bispos pediram-lhe que  as escrevesse: “Porque Deus está em vós, e Suas palavras saem de vossa boca, nós imploramos vossa dileção maternal para que nos escrevais expondo o que nos dissestes de viva voz”, escreve o Cura de catedral da Trier, em nome de todo o clero da Arquidiocese.

Santa Hildegarda havia ensinado nessa catedral, a mais antiga da Alemanha, construída pelo Imperador Constantino, no início do século IV. Suas palavras constituem uma verdadeira obra de teologia e apologética, que abrange desde a criação do mundo até a vinda do Messias. Tudo isto com vistas a mostrar que, em seu tempo, rejeitando a graças de Deus, “doutores e mestres recusam-se a soar a trombeta da justiça, o que acarretará, em breve, a destruição de cidades e claustros. E aqueles que se deixarem levar pelas fraquezas de mulheres serão punidos!”

Ela não poupa advertências à cidade de Trier, que diz ver animada por um fogo novo, mas “atualmente dominada pelos erros, pelos maus costumes e afligida por todos os tipos de males que só serão afastados pela penitência, como ocorreu no tempo do Profeta Jonas.”

Mais tarde, encontraremos Santa Hildegarda dirigindo-se a Mainz, viagem expressamente mencionada no livro em que narra sua própria vida.  Posteriormente empreenderá uma viagem à Colônia, com escalas em Boppard e Andernach. Em Colônia, repete-se a solicitação do Cura de catedral de Trier: que ela escreva o que havia dito. Sem hesitação, ela responde: “Vejo que sois constituídos como o sol que deve brilhar para os homens pelo fogo da verdadeira doutrina e pelo brilho de uma boa reputação.  Vós deveis ser luz, mas sois noite. Escolhei de que  lado quereis ficar!”  Palavras corajosas e vigorosas, especialmente por serem dirigidas não só ao povo, mas também ao Clero…

Denúncia da heresia dos cátaros e vitória da Igreja

E como sempre antecipando-se ao futuro, anuncia a eclosão de uma terrível heresia que sublevará o povo contra o Clero, pelo fato de que este “tinha uma voz e não ousou levantá-la”, o que permitiu ao inimigo “oferecer os seus próprios bens, enchendo os olhos, as orelhas e o ventre de todos os vícios!”

De fato, pouco tempo depois, explode a heresia dos cátaros, a qual ela descreve com um luxo de detalhes que deixa surpresos os historiadores . Entre outras coisas diz: “Minha estadia entre vós foi curta, mas não sem frutos. A verdade que por nós foi manifestada, não somente por palavras mas por atos (fazia ela alusão a seus milagres), desmascarou os lobos que, sob pele de ovelha, devoravam vosso povo. Eles estão desmascarados, mas não presos. Sob aparência de piedade, eles rejeitam a virtude, misturando palavras celestes com novidades profanas. Desconfiai deles!”

A profecia de Santa Hildegarda vai além, prevendo a vitória da Igreja sobre essa heresia. Uma aurora de justiça surgirá “no povo espiritual, o que começará por um pequeno número que, sem ter riquezas dirá: piedade para nós, porque pecamos.”

Pode-se perguntar se ela também não anuncia, com essas palavras,  uma era de fervor – que realmente se verificou no século XIII – representada especialmente pela fundação de Ordens religiosas como a dos  franciscanos e dominicanos. Após esta estadia em Colônia, Hildegarda empreenderá ainda duas missões, uma à cidade de Mainz, e outra ao Ducado da Suábia, provavelmente no ano de 1170.

Morte plácida e glorificação póstuma

Esta grande figura religiosa – mística, profetiza, escritora, pregadora, conselheira, médica e compositora – passa seus últimos anos no convento de Eibingen, o terceiro que fundou, na outra margem do Reno, e o único que se salvou dos saques dos bárbaros e das devastações das guerras. A respeito desses anos, pouco se conhece. Encontrou-se apenas um relato de uma das religiosas, que narra a morte de Santa Hildegarda: “Nossa boa Mãe, depois de combater piedosamente pelo Senhor, tomada de desgosto da vida presente, desejava cada dia mais evadir-se desta Terra para unir-se com Cristo. Sofrendo de sua enfermidade, ela passa alegremente deste século para o Esposo celeste, no octogésimo ano de sua existência, no dia 17 de setembro de 1179.”

Suas filhas, chorando amargamente a separação, foram consoladas pelos prodígios e fatos extraordinários que se seguiram. Sobre a casa onde jazia seu corpo, durante a noite, dois arcos brilhantes e de diversas cores aparecem no céu, dilatando-se de tal maneira, que se estenderam sobre os quatro pontos cardeais. No centro, os dois arcos se uniam. Nesta luz, viu-se uma cruz, pequena no início e depois grande como um sol, cercada de muitas outras pequenas cruzes, que iluminavam a Terra por trás do convento onde Santa Hildegarda havia vivido.

Por esse sinal, quis Deus certamente manifestar as luzes sobrenaturais que havia concedido à sua dileta filha,  hoje, na glória celeste, e que se tornou famosa no mundo por  ter manifestado aos homens Aquele que é a Sabedoria Encarnada, Nosso Senhor Jesus Cristo.

NOTA: Aos leitores que desejarem  aprofundar seu conhecimento sobre Santa Hildegarda, recomendamos: Hildegarde de Bingen, de Régine Pernoud, Éditions du Rocher, Paris, 1994; Hildegard von Bingen – Im Feuer der Taube/Die Briefe, Pattloch Verlag, Augsburg, 1997; Bernard Gorceix, Hildegarde de Bingen – Le livre des  oeuvres divines/Visions,, Albin Michel, Paris, 1982.

A medicina de Santa Hildegarda


Embora não se tenha informações de que a Santa tenha feito estudos  da ciência natural, botânica ou  medicina, escreveu ela  um Manual de medicina, publicado na Alemanha pelos doutores Gottfried Hertzka e Wighard Strehlow. O que maravilha os leitores da obra é a extraordinária quantidade de comentários e a diversidade de conhecimentos revelados por Santa Hildegarda, nos ramos acima indicados.

O conjunto de sua obra demonstra grande conhecimento da natureza humana. Como poderia ela, sem sair de seu convento, adquirir tal conhecimento? Não existe resposta para esta indagação. Sabe-se que ela descreve o valor das águas, observando, por exemplo, que “a água do Rio Glan é boa para preparar alimentos, beber, banhar-se e lavar o rosto”, enquanto a do Mosele “não é boa nem para cozer, nem como bebida, porque ataca as vísceras do homem por sua acidez.”

De maneira subtil, ela comenta o valor curativo ou simplesmente o efeito saudável de incontáveis plantas, pedras preciosas, frutas, animais e peixes. Para a Santa, cada elemento da natureza possui um valor, salutar ou maléfico. Sua medicina tem em vista o homem, o corpo e também a alma, elementos que ela nunca separa. Assim, a título de exemplo, indica plantas “que podem curar a melancolia”, ou manda evitar as que “engendram humores maus, donde resultam problemas de metabolismo e que conduzem à depressão.”

Santa Hildegarda indica também em que consiste uma boa alimentação, ressaltando que “a saúde humana mantém-se por uma boa alimentação.” Dentre seus conselhos, um para afastar a cólera: “Pegar uma rosa, reduzi-la a pó e, no momento de cólera, apresentar esta rosa em pó diante das narinas.”

Tudo isso, que pode parecer um pouco simplista, chama hoje a atenção de renomados médicos que vêem, nesta medicina, a vontade de tratar o paciente por meios naturais, com o cuidado manifestado  continuamente pela religiosa de “curar o doente e não a doença.”

Santa Hildegarda, 
compositora  musical


Outra surpreendente qualidade quis Deus dotar  Santa Hildegarda: o dom da música. Autora de 77 sinfonias, de um estilo semelhante ao do gregoriano, apresenta ela o que se poderia chamar uma teologia da música. Em carta ao Bispo de Mainz, diz: “Lembremo-nos que, com o pecado, Adão perdeu sua inocência e, em conseqüência, perdeu também a voz que antes possuía, semelhante à dos Anjos do Céu. Tendo perdido esta capacidade de louvar a Deus, os Profetas, inspirados pelo Espirito Santo, inventaram os salmos e os cânticos para incitar os homens a se voltarem para esta doce recordação do louvor que gozava Adão no Paraíso. Também os instrumentos de música, pela emissão de múltiplos sons, podem instruir interiormente os homens.”

Essa visão teológica desdobra-se numa luta entre o bem e o mal: “O diabo enganador, tendo ouvido falar que o homem, sob inspiração de Deus, havia começado a cantar os salmos e, por esta maneira era convidado a se lembrar da suavidade da pátria celeste, ficou aterrorizado. E, imediatamente, começou a procurar, na sua maldade, de que maneira podia multiplicar no coração dos homens más sugestões e pensamentos imundos, perturbando ou impedindo a beleza dos cânticos e hinos espirituais.”

Embora não se tenha informações de que a Santa tenha feito estudos  da ciência natural, botânica ou  medicina, escreveu ela  um Manual de medicina, publicado na Alemanha pelos doutores Gottfried Hertzka e Wighard Strehlow. O que maravilha os leitores da obra é a extraordinária quantidade de comentários e a diversidade de conhecimentos revelados por Santa Hildegarda, nos ramos acima indicados.

O conjunto de sua obra demonstra grande conhecimento da natureza humana. Como poderia ela, sem sair de seu convento, adquirir tal conhecimento? Não existe resposta para esta indagação. Sabe-se que ela descreve o valor das águas, observando, por exemplo, que “a água do Rio Glan é boa para preparar alimentos, beber, banhar-se e lavar o rosto”, enquanto a do Mosele “não é boa nem para cozer, nem como bebida, porque ataca as vísceras do homem por sua acidez.”

De maneira subtil, ela comenta o valor curativo ou simplesmente o efeito saudável de incontáveis plantas, pedras preciosas, frutas, animais e peixes. Para a Santa, cada elemento da natureza possui um valor, salutar ou maléfico. Sua medicina tem em vista o homem, o corpo e também a alma, elementos que ela nunca separa. Assim, a título de exemplo, indica plantas “que podem curar a melancolia”, ou manda evitar as que “engendram humores maus, donde resultam problemas de metabolismo e que conduzem à depressão.”

Santa Hildegarda indica também em que consiste uma boa alimentação, ressaltando que “a saúde humana mantém-se por uma boa alimentação.” Dentre seus conselhos, um para afastar a cólera: “Pegar uma rosa, reduzi-la a pó e, no momento de cólera, apresentar esta rosa em pó diante das narinas.”

Tudo isso, que pode parecer um pouco simplista, chama hoje a atenção de renomados médicos que vêem, nesta medicina, a vontade de tratar o paciente por meios naturais, com o cuidado manifestado  continuamente pela religiosa de “curar o doente e não a doença.”

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