Um ferreiro fez um trato com o demônio, adquirindo este o direito de levar-lhe a alma para o inferno sete anos depois.
Durante os sete anos, entretanto, o diabo faria com que o ferreiro se tornasse o melhor artista do ramo no mundo inteiro.
Nosso Senhor Jesus Cristo, entrando com São Pedro na oficina do ferreiro, pôs-se a conversar com ele.
De repente entrou um freguês que desejava mandar ferrar o cavalo.
— Permites-me que eu me desempenhe dessa tarefa? — perguntou Jesus.
— Faze como quiseres — respondeu com superioridade o ferreiro. — Se trabalhares mal, sempre hei de poder reparar o erro, visto que sou o melhor ferreiro do mundo.
Sorriu Jesus, e pegando uma das patas do animal, cortou-a. Em seguida, colocando-a na bigorna, ferrou-a com toda a perfeição. Terminado o trabalho, reuniu a pata à perna do cavalo. Cortou a segunda pata e repetiu a operação. Fez a mesma coisa com as outras duas, e recolocou tudo no devido lugar.
O ferreiro, assombrado, fitava-o com os olhos esbugalhados. Nunca vira método mais rápido e original.
Passado algum tempo, entrou na oficina a mãe do ferreiro, uma velhinha corcunda, retorcida, cheia de rugas.
— Queres ver o que sou capaz de fazer? — perguntou Nosso Senhor Jesus Cristo ao ferreiro.
E pegando a mulher, colocou-a sobre a bigorna. Depois, valendo-se de pregos, de martelo e de ferro em brasa, transformou-a em belíssima jovem. Findo o trabalho, despediu-se do ferreiro, que ficara o tempo todo boquiaberto.
No dia seguinte um freguês pediu ao ferreiro que lhe ferrasse o cavalo.
— Como não?! — retrucou o homem. — Vai ser já. Aprendi ontem um novo método, que me foi ensinado por um artista estrangeiro.
Cortou as quatro patas do cavalo, como vira Nosso Senhor Jesus Cristo fazer, colocou-as sobre a bigorna e ferrou-as com a devida precisão. Mas quando se tratou de reuni-las às pernas do pobre animal, começaram as decepções. Nada conseguiu, por mais que lidasse.
O dono do cavalo começou a bradar como possesso, e ameaçou o infeliz ferreiro de levá-lo à polícia. O ferreiro, para se ver livre da embrulhada, viu-se obrigado a desembolsar grande quantidade de dinheiro.
Passou-se aquele dia. No outro, estava o ferreiro na porta da oficina, pensando na desgraça da véspera, quando viu uma velhinha bem corcunda e muito feia. Nasceu-lhe no espírito uma ideia luminosa.
Agarrou-a, colocou-a sobre a bigorna, e apesar dos gritos da infeliz, começou a batê-la sem pena. Se o forasteiro fizera a mesma coisa com sua mãe, e a mudara em criatura mais do que formosa… Bate que bate, acabou por matar a velhinha, reduzindo-a a um monte informe de carne e ossos.
Alguns dias depois, voltou Nosso Senhor Jesus Cristo a aparecer na oficina do ferreiro. Imediatamente este lhe contou o que sucedera.
Queixou-se também do diabo, que não manteve a palavra empenhada, pois estava visto que ele não era o melhor ferreiro do mundo, como supusera até então.
Tratou Jesus de consolá-lo. Depois disse-lhe:
— Manifeste três desejos, e Eu os realizarei.
— Quero que a pessoa que subir à extremidade daquela árvore lá fique enquanto me agrade. Quero também que aquele a quem eu ordene sentar-se naquela poltrona fique lá guardado até que me dê na veneta soltá-lo. O meu terceiro desejo é que aquele a quem eu ordene entrar neste saco se veja obrigado a nele ficar até que eu resolva permitir-lhe sair.
— Serão concedidos — respondeu Nosso Senhor Jesus Cristo, desaparecendo.
Foram-se os sete anos do trato feito com o demônio. E este foi procurar imediatamente o ferreiro.
— Estás pronto? — perguntou-lhe.
— Sim, estou. Mas antes desejaria terminar este trabalho. Olha, enquanto esperas, sobe naquele árvore de peras e tira as que mais te agradarem. Deves estar com fome, evidentemente!
O demônio obedeceu e subiu.
— Agora que aí estás — disse-lhe o ferreiro, desatando a rir — aí ficarás até que eu resolva te fazer descer.
Tentou o demônio descer por si, mas nada conseguiu. Uma força misteriosa o retinha na árvore. Começou então a chorar:
— Se me fizeres descer, dar-te-ei outros quatro anos de vida.
— Desce! — ordenou o ferreiro.
Transcorridos quatro anos do novo prazo, o demônio voltou e perguntou ao ferreiro:
— Estás pronto?
— Quase. Antes quero apenas que me deixes terminar este trabalho. Enquanto esperas, bem podes descansar nesta poltrona.
O demônio, cansadíssimo, mergulhou na poltrona.
— Ah! Ah! Agora que aí te encontras — riu-se o ferreiro — ficarás até que eu decida o contrário.
O demônio fez mil e um esforços para levantar-se, mas foi obrigado a reconhecer-se vencido.
— Deixa-me ir — pediu ao ferreiro, em tom de súplica — e eu te concederei outros quatro anos de vida.
— Levanta-te! — limitou-se a dizer nosso amigo.
Passaram mais aqueles quatro anos. Pela terceira vez surgiu o demônio, convidando o ferreiro a segui-lo.
— Pois não — concordou o ferreiro. — Podemos até partir já, se quiseres. Olha, preparei-te uma linda surpresa, neste saco.
O diabo, curioso como ele só, entrou no saco para ver mais de perto a surpresa que lhe havia sido reservada. Imediatamente o ferreiro amarrou a boca do saco, e colocando-o na bigorna, pegou o martelo e começou a bater sem dó.
— Ai! ai! ai! — gemia o demônio. — Deixa-me ir, que nunca mais virei aqui!
O ferreiro, depois de muita insistência do demônio, abriu o saco. E o maligno, mais que depressa, desapareceu, não sendo mais visto nas redondezas.