Dada a suma importância da oração na vida do católico, passaremos a transcrever nesta seção alguns trechos escolhidos do livro A vida espiritual. Segue um tópico explicando no que consiste orar.
A oração é, para o homem, a origem de todo bem. Daí se infere que saber orar, dar à oração o devido apreço, entregar-nos à sua prática com zelo e fervor é, para o tempo como para a eternidade, um tesouro de valor inestimável.
Orar é tudo o que há de mais simples, e a primeira razão disso é a própria necessidade que temos da oração.
Para orar, não é mister talento excepcional, eloqüência, dinheiro nem recomendação de espécie alguma. Até a devoção sensível não é necessária; a doçura, a consolação, são coisas acessórias e não dependem de nós. Se Deus no-las der, devemos recebê-las com reconhecimento, porquanto tornam a oração mais agradável. Orar, não obstante a aridez, é sempre orar. Consolados ou não, cumpre fazê-lo.
Para isso, basta o conhecimento de Deus e de nós mesmos, saber o que Ele é e o que somos nós, como infinita é sua bondade e quão profunda a nossa miséria.
Para orar, uma única coisa é necessária: a fé, instruída pelo catecismo.
As palavras serão ditadas pelas nossas próprias necessidades. Poucas idéias (quanto menos numerosas, melhor será), alguns desejos, e finalmente umas palavras saídas do coração — porque, se assim não for, não há oração propriamente dita —, eis tudo o que é preciso.
Haverá, por acaso, um homem que não tenha um só pensamento, um único desejo? Pois bem, é apenas disso que precisamos para empreender o nobre trabalho da oração. A graça, Deus no-la dá, de bom grado, a todos e a cada um em particular.
Por conseguinte, orar é simplesmente falar com Deus. É conversar com Ele mediante a adoração, o louvor, a súplica. […]
Durante a oração, o nosso proceder deve ser idêntico ao que temos relativamente a um amigo íntimo e querido. A ele confiamos com sinceridade o que nos vai na alma: dissabores ou alegrias, esperanças e receios. Dele recebemos conselhos e avisos, auxílio e conforto. Com ele decidimos os mais importantes negócios, singelamente e quase sempre sem que a sensibilidade se manifeste de forma alguma. E isto não obsta a que tudo seja tratado séria e lealmente. É assim que, na oração, devemos ser para com Deus. Quanto maior for a nossa simplicidade, tanto melhor será: demos largas ao coração.
Se muitas vezes a oração nos parece penosa e difícil, é culpa nossa. É porque não sabemos como nos portar, e fazemos dela uma idéia errônea. Manifestemos a Deus os sentimentos de nossa alma; digamos as coisas tais como se apresentam, e a oração será sempre proveitosa. Todo caminho leva a Roma, diz o adágio, e toda idéia abre o seu caminho para chegar a Deus.
Só saberemos orar quando o fizermos simplesmente. Que nos adianta dirigir ao Senhor discursos sublimes ou torneados? Se acontecer que nenhuma idéia nos venha à mente, tenhamos a simplicidade de expor essa mesma nossa indigência. É isto ainda orar, glorificar a Deus e expressamente advogar a nossa causa.
Continua no próximo post: Considerações sobre a oração II