Uma obra documentada lança luz sobre o segredo e a mensagem de La Salette.
Na manhã de 19 de setembro de 1846, a pastorinha Mélanie Calvat, de 14 anos de idade, conduzia as vacas do seu patrão para pastar nos morros de La Salette, na região de Grenoble, contrafortes dos Alpes franceses. Um menino de 11 anos, que ela não conhecia, insistiu em acompanhá-la. Era Maximin Giraud, também ele pastorinho a serviço de um vizinho. Mélanie aceitou. Nenhum dos dois podia imaginar o evento sobrenatural que haveriam de testemunhar naquele dia providencial.
Mélanie gostava da solidão, do silêncio e da oração. Maximin era ingênuo e loquaz. Logo começou a pedir a Mélanie que lhe ensinasse um jogo. Ela lhe propôs o seu entretenimento preferido: fazer um paraíso, isto é, uma casinha de pedras toda recoberta com maços de flores silvestres. Após muito trabalho nessa construção, os dois tiveram fome e sono. Comeram um frugal lanche, deitaram na relva e dormiram.
Nossa Senhora, rainha destronada em prantos
Quando acordaram, tiveram uma surpresa: uma luz mais brilhante que o sol pousava sobre o paraísoque haviam construído. Maximin empunhou seu bordão e garantiu a Mélanie que, se a luz fosse má, ele a defenderia. Aproximaram-se do fulcro luminoso.
No cerne dele havia uma outra luz ainda mais brilhante, que se movia. Era uma Senhora coroada de flores, cuja celestial expressão Mélanie descreveu com palavras inspiradas. Sentada sobre o paraíso, a Senhora chorava com o rosto nas mãos. Era a Santíssima Virgem, hoje conhecida sob a invocação de Nossa Senhora de La Salette.
Olhando para as crianças, levantou-se e disse: “Vinde, meus filhos, não tenhais medo, estou aqui para vos trazer uma grande comunicação”.
Vinculação profunda entre La Salette, Lourdes e Fátima
Comunicou-lhes então uma mensagem a ser divulgada e um segredo para ser revelado em 1858, ano em que Nossa Senhora apareceria em Lourdes, inaugurando uma era de graças que dura até hoje. De fato, essas duas manifestações da Mãe de Deus constituem um só todo. Em La Salette, como veremos, Ela anunciou o futuro do mundo até o fim dos tempos e as punições universais que pairavam sobre a humanidade impenitente. Em Lourdes Ela deu início a um dilúvio de graças para reerguer essa mesma humanidade e dar-lhe forças e estímulos para se afastar do mal e da Revolução.
O nexo profundo entre Lourdes e La Salette inclui Fátima, que, absolutamente falando, é a coroação dessas irrupções extraordinárias da Rainha do Céu na história humana.
Grande interesse e comoção no clero e no povo
Mélanie e Maximin correram de volta às casas dos patrões e depois contaram tudo ao pároco. Este, ouvindo-os falar, comoveu-se até às lágrimas e fez um sermão na Missa, que impressionou vivamente os paroquianos. O bispo local, Mons. Philibert de Bruillard, de Grenoble, lendo o singelo relato, caiu em lágrimas.
A notícia espalhou-se como rastilho de pólvora. E não é de espantar, pois a França estava dividida religiosa e politicamente. De um lado havia os católicos ditos liberaise sociais, precursores do progressismo que hoje devasta a Igreja, conluiados com os continuadores do igualitarismo libertino e anticatólico da Revolução Francesa; esses católicos liberais sentiram-se apanhados e denunciados pela Mensagem no que tinham de mais interno. De outro lado, os católicos autênticos, defensores de todas as formas de legitimidade, ao lerem a mensagem de La Salette, tiveram uma confirmação de tudo o que a fé e a fidelidade à Igreja lhes inspirava.
Os sucessivos governos da época — monarquia ilegítima de Luís Felipe, segunda e terceira Repúblicas, bem como o império de Napoleão III — eram considerados com horror pelos melhores representantes do catolicismo francês. Tais governos não ocultaram seu ódio contra La Salette. Sobretudo Napoleão III, cujo jogo falso ficara desvendado em La Salette. Assim, a mensagem de Nossa Senhora incidiu na carne viva dos problemas religiosos, políticos e ideológicos da França. Mutatis mutandis,esses problemas eram os mesmos em todo o mundo católico ocidental daquela época.
Inimigos velados de La Salette, aventureiros, falsos místicos, políticos interesseiros colocaram em circulação versões embaralhadas da mensagem e até adulteradas, para justificar posições políticas previamente adotadas ou simplesmente desmoralizar as palavras de Nossa Senhora.
Independente dessa polêmica, peregrinações cresceram logo e constataram-se os primeiros milagres no local.
Papa acolhe favoravelmente e bispo reconhece oficialmente
Mons. de Bruillard abriu um inquérito oficial sob os cuidados de uma comissão de 16 sacerdotes experientes. Os videntes escreveram de próprio punho o relato do acontecido. A comissão pronunciou-se pela autenticidade da aparição. Mas o Cardeal Louis de Bonald, Arcebispo de Lyon e metropolitano do bispo de Grenoble, se opôs ativamente a essa conclusão aprobatória.
O bispo de Grenoble ordenou que os videntes, separadamente, redigissem de novo e com esmero os fatos e as palavras de Nossa Senhora. Estes relatos foram levados a Roma e entregues em mãos ao Papa então felizmente reinante, o Bem-aventurado Pio IX.
No Vaticano, o Santo Padre discerniu a transcendência da mensagem. Abriu os lacres na presença dos portadores da importante correspondência, dois cônegos da diocese de Grenoble. Fazendo o comentário “aqui há a candura e a simplicidade de uma criança”, pôs-se de pé e se aproximou da janela para ler com mais atenção. Seus lábios se contraíram, suas maçãs do rosto se incharam. Terminada a leitura, disse-lhes: “Trata-se de flagelos dos quais a França está ameaçada. Mas ela não é a única culpada. A Alemanha, a Itália, a Europa toda o são também e merecem os castigos. Tenho menos a temer de Proudhon [teórico socialista] do que da indiferença religiosa e do respeito humano”.(1) E acrescentou: “Não é sem razão que a Igreja é chamada militante, e que vós vedes aqui o seu Capitão”.
No ato, encaminhou os documentos a Mons. Frattini, promotor da Fé, anexando a eles a opinião de que “estavam bem, que ele estava contente e que eles exalavam a verdade”.(2) Mons. Frattini pronunciou-se em favor da aparição e o Cardeal Lambruschini, prefeito da Sagrada Congregação dos Ritos, julgou que os documentos“não deixavam nada a desejar” e aprovou o “edificante e inteiramente louvável rigor”com que agiu Mons. Bruillard.
Fortalecido pela acolhida favorável do Sumo Pontífice e da Santa Sé, o bispo de Grenoble reconheceu oficialmente a aparição e fez publicamente seu elogio ao clero e aos fiéis. Por isso, La Salette é uma das raríssimas aparições reconhecidas canonicamente pela Igreja.
Se a mensagem de Nossa Senhora fosse sem grande transcendência, a decisão de Roma teria posto fim às polêmicas. Porém a tempestade, longe de amainar, recrudesceu ao máximo.
Vendaval revolucionário contra La Salette
Os católicos liberais desprezaram La Salette desde o início. Aliás, o pranto de Nossa Senhora era especialmente por causa deles. Vendo que a obra de Nossa Senhora progredia com a bênção do Papa, tais católicos passaram à contestação e à difamação aberta, com intrigas e escritos desabonadores.
Mons. de Bruillard defendeu a autenticidade da aparição e a difusão da mensagem. Mas, sendo já muito idoso, teve que renunciar à diocese. O imperador Napoleão III e o Cardeal Jacques Mathieu, líder dos bispos galicanos (que contestavam prerrogativas inderrogáveis da Santa Sé), impingiram seu candidato para a sucessão: Mons. Jacques Ginoulhiac. Assim que o Vaticano foi informado disso, desaprovou a nomeação e urgiu ao Núncio Apostólico em Paris para que impedisse a posse. A Concordata da época, infelizmente, concedia regalias –– abolidas depois –– ao governo civil para a designação de bispos. O novo prelado tomou posse da diocese antes de chegar o veto de Roma.
Pio IX tinha razões por demais graves para não aprovar a nomeação: Mons. Ginoulhiac era um líder liberal. Posteriormente foi grande opositor à proclamação do dogma da infalibilidade pontifícia, a ponto de abandonar Roma para não participar do dia glorioso da promulgação desse dogma no Concílio Vaticano I. Era também acérrimo inimigo da mensagem de La Salette. Quando dois eclesiásticos da diocese publicaram sem licença um libelo difamatório contra os videntes, com a assinatura de 50 padres, o Papa exortou-o a permanecer dentro dos limites do Direito Canônico e pediu-lhe que difundisse a mensagem. Mons. Ginoulhiac aparentou aceitar a solicitação do Pontífice e censurou o libelo. Mas, desde então, empenhou-se em abafar a mensagem e silenciar os pastorinhos. Católicos liberais, poderes civis e associações anticatólicas sabiam que se a mensagem fosse bem recebida, a causa da Revolução estava perdida.
Para complicar ainda mais o quadro, vários pseudo-videntes espalhavam mensagens parecidas, mas manifestamente falsas. Uma pretensa mística — a condessa Pauline de Nicolay — dizia transmitir revelações que desclassificavam moralmente os pastores. Propôs sibilinas fórmulas, avidamente endossadas pelo bispo liberal, no sentido de que o papel de Mélanie e Maximin havia terminado antes de 1858, ano no qual deviam revelar a íntegra do Segredo!
Somente o relato das vicissitudes dessa controvérsia daria matéria para um artigo da extensão do presente. Mas nosso objetivo neste artigo é apresentar o segredo de La Salette, de acordo com os estudos mais recentes, aos quais adiante nos referiremos.
Impunha-se estudo a partir dos documentos originais
A polêmica entre os franceses atingiu uma tal confusão, que a Santa Sé, por meio de decreto do Santo Ofício de 21 de dezembro de 1915, proibiu a publicação de toda a versão do segredo, mas de maneira alguma desencorajava a devoção a Nossa Senhora de La Salette. Em 9 de maio de 1923, uma edição do segredo comimprimatur do bispado de Lecce datado de 15-11-1879, foi inscrito no Index de livros proibidos. Essa edição fora aprovada em numerosas dioceses por cardeais e bispos.
Impunha-se fazer um estudo a partir dos documentos originais para deslindar a controvérsia. Entretanto, como fazê-lo, se os originais tinham desaparecido no próprio Vaticano? Com isso, toda difusão pública ficava bloqueada, talvez para sempre.
Para sempre?
Maravilhosa e inesperada redescoberta
No ocaso do século XX, o sacerdote francês Pe. Michel Corteville preparava sua tese de doutorado. Escolhera o tema La Salette. Informado de que a Congregação para a Doutrina da Fé tinha liberado ao público os arquivos anteriores à morte de S.S. Leão XIII (20-11-1903), obteve licença para pesquisar neles.
Em 2 de outubro de 1999, enquanto o sino anunciava o fim do horário de consultas, o Pe. Michel contemplava maravilhado os velhos documentos do pacote que acabava de abrir: era o dossiê completo com os documentos oficiais de La Salette encaminhados a Pio IX e à Santa Sé em diversas datas!
Estudados minuciosamente esses documentos, o Pe. Corteville pôde dissipar as dúvidas que pairavam sobre o assunto, e assim defender com sucesso sua tese na célebre Faculdade de Teologia Angelicum, da Ordem Dominicana em Roma. Sua tese, de mais de mil páginas, foi inicialmente publicada sob o título La “Grande Nouvelle” des bergers de La Salette, vol. I, L´apparition et les secrets (Pars Dissertatio ad Lauream Facultatis S. Theologiae apud Pontificiam Universitatem S. Thomae de Urbe –– Roma, 2000, Téqui –– Paris, 2001). E em seguida resumida em livro, com a colaboração com o Pe. René Laurentin, sob o título Découverte du secret de La Salette (Paris, Fayard, 2002), com Imprimatur de Mons. Michel Dubost, Bispo de Évry, e nihil obstat de Dom Bernard Billet, da abadia de Notre-Dame de Tournay.
Dificuldades na transcrição da visão
Maximin era pouco hábil em redação. Foi necessário que reescrevesse tudo, devido às manchas de tinta do seu escrito. Sua pobreza de recursos reflete-se na redação.
O modo como se deu a revelação também contribui para um certo vai-e-vem na ordem cronológica do relato dos videntes. Mélanie explicou que, quando Nossa Senhora falava, “um grande véu se levantava, os acontecimentos se desvendavam ante meus olhos e ante minha imaginação à medida que Ela pronunciava as palavras, e um grande espaço se abria diante de mim. Eu via os acontecimentos. […] E ainda mais longe viam-se mil e mil vezes mais coisas do que os ouvidos ouviam”.(3) Registrar no papel esse gigantesco espetáculo do mundo e dos séculos futuros, por certo colocaria em graves dificuldades até um literato consumado.
Maximin e Mélanie foram beneficiados por um privilegiado e manifesto auxílio sobrenatural para serem fiéis a tudo o que tinham visto ou ouvido. Sempre que interrogados sobre os pontos claro-obscuros das redações, os videntes responderam com uma segurança e uma riqueza de detalhes que maravilhou os eclesiásticos mais experientes. Porém, a complexidade da visão e as limitadas forças intelectuais dos videntes criaram dificuldades para verter a visão no papel. As sucessivas redações do segredo resultam exatamente desse esforço de explicitação dos videntes, em especial de Mélanie.
O segredo na sua forma mais completa
A primeira redação oficial do segredo foi feita por Maximin em 3 de julho de 1851 e por Mélanie três dias depois. Os manuscritos foram lacrados pelo bispo de Grenoble, Mons. de Bruillard, e entregues a Pio IX.
Em 1858, ano da aparição de Nossa Senhora em Lourdes, Mélanie enviou ao Papa o conteúdo completo do segredo. Os videntes, aliás, fizeram mais de um relato, alguns perdidos, outros felizmente preservados nos arquivos da Santa Sé.
Por brevidade, transcreveremos apenas aquele que é considerado pelo Pe. Corteville o mais completo. É uma redação mais aprimorada, feita por Mélanie em 21 de novembro de 1878, considerada definitiva pela vidente. Intercalaremos intertítulos para auxiliar a leitura.
Eis o texto do segredo:
Decadência do clero atrairá a vingança divina
“Mélanie, o que eu vou dizer-vos agora não ficará sempre segredo, podereis publicá-lo em 1858.
“Os sacerdotes, ministros de meu Filho, pela sua má vida, sua irreverência e impiedade na celebração dos santos mistérios, pelo amor do dinheiro, das honrarias e dos prazeres, tornaram-se cloacas de impureza. Sim, os sacerdotes atraem a vingança, e a vingança paira sobre suas cabeças. Ai dos sacerdotes e das pessoas consagradas a Deus, que pela sua infidelidade e má vida crucificam de novo meu Filho! Os pecados das pessoas consagradas a Deus bradam ao Céu e clamam por vingança, e eis que a vingança está às suas portas, pois não se encontra mais uma pessoa que implore misericórdia e perdão para o povo; não há mais almas generosas, não há mais ninguém digno de oferecer a Vítima imaculada ao [Pai] Eterno em favor do mundo.
Dimensão dos castigos atrairá a cólera divina
“Deus vai golpear de modo inaudito. Ai dos habitantes da Terra! Deus vai esgotar sua cólera, e ninguém poderá fugir a tantos males acumulados.
“Os chefes, os condutores do povo de Deus negligenciaram a oração e a penitência, e o demônio obscureceu suas inteligências; transformaram-se em estrelas cadentes, que o velho diabo arrastará com sua cauda para fazê-los perecer. Deus permitirá à velha serpente introduzir divisões entre os que reinam, em todas as sociedades e em todas as famílias. Sofrer-se-ão tormentos físicos e morais; Deus abandonará os homens a si mesmos e enviará castigos que se sucederão durante mais de trinta e cinco anos.
“A sociedade está na iminência dos flagelos mais terríveis e dos maiores acontecimentos; deve-se esperar ser governado por uma chibata de ferro e beber o cálice da cólera de Deus.
Advertência a Pio IX contra Napoleão III, perseguição ao clero
“Que o Vigário de meu Filho, o Soberano Pontífice Pio IX, não saia mais de Roma depois do ano 1859; mas seja firme e generoso, combata com as armas da fé e do amor; Eu estarei com ele. Que ele desconfie de Napoleão [III]; seu coração é falso, e quando ele quiser tornar-se ao mesmo tempo Papa e Imperador, Deus se afastará dele; ele é como a águia que, querendo subir sempre mais, cairá sobre a espada da qual queria se servir para obrigar os povos a elevarem-no.
“A Itália será punida pela ambição de querer sacudir o jugo do Senhor dos Senhores; será também entregue à guerra, o sangue correrá por todo lado; as igrejas serão fechadas ou profanadas; os sacerdotes, os religiosos serão expulsos; dar-se-lhes-á a morte, e morte cruel. Muitos abandonarão a fé, e o número dos sacerdotes e religiosos que se afastarão da verdadeira religião será grande; entre essas pessoas se encontrarão até bispos.
Falsos prodígios sobre a Terra
“Que o Papa esteja em alerta contra os fautores de milagres; pois chegou o tempo em que os prodígios mais assombrosos terão lugar sobre a Terra e nos ares.
“No ano de 1864,(4) Lúcifer e um grande número de demônios serão liberados do inferno; eles abolirão a fé pouco a pouco, até nas pessoas consagradas a Deus; eles as cegarão de tal maneira que, salvo uma graça particular, adquirirão o espírito desses maus anjos; muitas casas religiosas perderão inteiramente a fé e perderão muitas almas.
“Os maus livros abundarão sobre a Terra, e os espíritos das trevas espalharão por toda parte um relaxamento universal em tudo o que se refere ao serviço de Deus; eles terão grandíssimo poder sobre a natureza; haverá igrejas para cultuar esses espíritos. Pessoas serão transportadas de um lugar a outro por esses espíritos maus, até sacerdotes, porque não se terão conduzido pelo bom espírito do Evangelho, que é um espírito de humildade, caridade e zelo pela glória de Deus. Far-se-ão ressuscitar mortos e justos (quer dizer, tais mortos tomarão a figura de almas justas que viveram na Terra, para seduzir mais os homens; esses supostos mortos ressuscitados, que não serão outra coisa senão o demônio encarnado nessas figuras, pregarão outro evangelho contrário ao do verdadeiro Jesus Cristo, negando a existência do Céu); ou ainda almas de condenados. Todas essas almas aparecerão como unidas a seus corpos. Em todos os lugares haverá prodígios extraordinários, porque a verdadeira fé se apagou e uma falsa luz ilumina o mundo. Ai dos príncipes da Igreja que então estarão ocupados apenas em acumular riquezas, salvaguardar sua autoridade e dominar com orgulho!
Sofrimentos de Pio IX. Caos e anarquia universal
“O Vigário de meu Filho terá muito que sofrer, porque durante algum tempo a Igreja será entregue a grandes perseguições; será o tempo das trevas, e a Igreja passará por uma crise pavorosa.
“Tendo sido esquecida a santa fé em Deus, cada indivíduo desejará guiar-se por si próprio e ser superior a seus semelhantes. Serão abolidos os poderes civis e eclesiásticos; toda a ordem e toda justiça serão calcados aos pés; não se verá outra coisa senão homicídios, ódio, inveja, mentira e discórdia, sem amor pela pátria nem pela família.
“O Santo Padre sofrerá muito. Eu estarei com ele até o fim, para receber o seu sacrifício.
“Os maus atentarão várias vezes contra sua vida sem poder abreviar seus dias, mas nem ele nem seu sucessor … verão o triunfo da Igreja de Deus.
A abominação nos lugares santos
“Os governantes civis terão todos um mesmo objetivo, que consistirá em abolir e fazer desaparecer todo princípio religioso, para dar lugar ao materialismo, ao ateísmo, ao espiritismo e a toda espécie de vícios.
“No ano 1865, ver-se-á a abominação nos lugares santos; nos conventos, as flores da Igreja serão apodrecidas e o demônio tornar-se-á como que o rei dos corações. Que os dirigentes das comunidades religiosas estejam atentos em relação às pessoas que devem receber, porque o demônio usará de toda sua malícia para introduzir nas ordens religiosas pessoas entregues ao pecado, pois as desordens e o amor dos prazeres carnais estarão espalhados por toda a Terra.
“A França, a Itália, a Espanha e a Inglaterra estarão em guerra; o sangue correrá nas ruas; o francês combaterá contra o francês, o italiano contra o italiano; a seguir haverá uma guerra geral que será pavorosa. Durante um tempo, Deus não se lembrará mais da França nem da Itália, porque o Evangelho de Jesus Cristo não será mais conhecido. Os maus estenderão toda sua malícia. Até nas casas as pessoas se matarão e se massacrarão mutuamente.
Intervenção divina quando tudo parecer perdido
“Ao primeiro golpe de sua espada fulgurante, as montanhas e a natureza inteira tremerão de espanto, porque as desordens e os crimes dos homens transpassarão a abóbada celeste. Paris será queimada, e Marselha engolida [pelas águas]; várias grandes cidades serão abaladas e tragadas por tremores de terra; crer-se-á que tudo está perdido; só se verão homicídios, se ouvirão apenas ruídos de armas e blasfêmias.
“Os justos sofrerão muito; suas orações, sua penitência e suas lágrimas subirão até o Céu e todo o povo de Deus pedirá perdão e misericórdia, pedirá minha ajuda e intercessão. Então Jesus Cristo, por um ato de sua justiça e de sua grande misericórdia em relação aos justos, ordenará a seus Anjos que dêem morte a todos os seus inimigos. De repente, os perseguidores da Igreja de Jesus Cristo e todos os homens entregues ao pecado perecerão e a Terra tornar-se-á como um deserto.(5)
Triunfo da Igreja nas almas, domínio do Evangelho
“Então será feita a paz, a reconciliação de Deus com os homens; Jesus Cristo será servido, adorado e glorificado; a caridade florescerá por toda parte. Os novos reis serão o braço direito da Santa Igreja, a qual será forte, humilde, piedosa, pobre, zelosa e imitadora das virtudes de Jesus Cristo. O Evangelho será pregado por toda parte e os homens farão grandes progressos na fé, porque haverá unidade entre os operários de Jesus Cristo e os homens viverão no temor de Deus.(6)
Falsa paz precederá a vinda do Anticristo
“Esta paz entre os homens não será longa;(7) vinte e cinco anos de safras abundantes far-lhes-ão esquecer que os pecados dos homens são a causa de todos os castigos que sucedem na Terra.
“Um precursor do Anticristo, com tropas de várias nações, guerreará contra o verdadeiro Cristo, único Salvador do mundo; derramará muito sangue e tentará aniquilar o culto de Deus, para se fazer cultuar como um deus.
Desgraças nos tempos do Anticristo e perseverança dos fiéis
“A Terra será atingida por toda espécie de pragas (além da peste e da fome, que serão gerais); haverá guerras até a última guerra que será então movida pelos dez reis do Anticristo, cujo objetivo será o mesmo, e serão os únicos a governarem o mundo. Antes que isto aconteça, haverá uma espécie de falsa paz no mundo; não se pensará em outra coisa senão em se divertir; os maus entregar-se-ão a toda sorte de pecados. Mas os filhos da Santa Igreja, os filhos da fé, meus verdadeiros imitadores, acreditarão no Amor de Deus e nas virtudes que me são mais caras. Felizes essas almas humildes conduzidas pelo Espírito Santo! Eu combaterei junto a elas até que atinjam a plenitude da idade.
Ações dos demônios e do Anticristo
“A natureza exige vingança por causa dos homens, e estremece de pavor na espera do que deve acontecer à Terra emporcalhada de crimes. Tremei, ó Terra, e vós que fizestes profissão de servir a Jesus Cristo, mas que no vosso íntimo adorais a vós próprios; tremei, pois Deus vai entregar-vos a seu inimigo, porque os lugares santos estão imersos na corrupção; muitos conventos não são mais casas de Deus, mas pastagens de Asmodeu e os seus [demônios]. Durante esse tempo nascerá o Anticristo de uma religiosa hebraica, uma falsa virgem que terá comunicação com a velha serpente, e o mestre da impureza seu pai será bispo; ao nascer, vomitará blasfêmias e terá dentes; numa palavra, será o diabo encarnado; dará gritos aterrorizadores, fará prodígios, alimentar-se-á de impurezas. Terá irmãos que, embora não sejam como ele outros demônios encarnados, serão filhos do mal; aos doze anos eles se farão notar pelas valorosas vitórias que obterão; logo estará cada um à testa de exércitos, assistidos por legiões do inferno.
“As estações mudarão, a terra só dará maus frutos, os astros perderão seus movimentos regulares, a Lua não projetará senão uma débil luz avermelhada; a água e o fogo darão ao globo terrestre movimentos convulsivos e horríveis tremores de terra, que engolirão montanhas, cidades, etc.
“Roma perderá a fé e se tornará sede do Anticristo.
“Os demônios do ar, junto com o Anticristo, farão grandes prodígios na terra e nos ares, e os homens se perverterão cada vez mais. Deus tomará sob seus cuidados os fiéis servidores e os homens de boa vontade, o Evangelho será pregado por toda parte, todos os povos e todas as nações terão conhecimento da verdade.
Nossa Senhora e os apóstolos dos últimos tempos
“Faço um premente apelo à Terra; apelo aos verdadeiros discípulos do Deus vivo que reina nos Céus; apelo aos verdadeiros imitadores de Jesus Cristo feito homem, o único e verdadeiro Salvador dos homens; apelo aos meus filhos, meus verdadeiros devotos, àqueles que se deram a mim para que eu os conduza a meu divino Filho, àqueles que levo por assim dizer nos meus braços, àqueles que vivem de meu espírito. Enfim, apelo aos apóstolos dos últimos tempos, aos fiéis discípulos de Jesus Cristo que viveram no desprezo do mundo e de si próprios, na pobreza e na humildade, no desprezo e no silêncio, na oração e na mortificação, na castidade e na união com Deus, no sofrimento e desconhecidos do mundo. É chegado o tempo para que eles saiam e esclareçam a Terra. Ide e mostrai-vos como meus filhos amados; estou convosco e em vós, contanto que vossa fé seja a luz que vos ilumina nestes dias de desgraças. Que vosso zelo vos faça como que famintos da glória e honra de Jesus Cristo. Combatei, filhos da luz, pequeno número que isto vedes; pois aí está o tempo dos tempos, o fim dos fins.
No fim do mundo, Deus enviará Enoch e Elias
“A Igreja será eclipsada, o mundo estará na consternação. Mas eis Enoch e Elias cheios do Espírito de Deus; eles pregarão com a força de Deus, os homens de boa vontade acreditarão em Deus e muitas almas serão consoladas; eles farão grandes progressos pela virtude do Espírito Santo e condenarão os erros diabólicos do Anticristo. Ai dos habitantes da Terra! Haverá guerras sangrentas e fome, peste e doenças contagiosas; haverá chuvas de granizo espantosas para os animais; trovoadas que abalarão as cidades, terremotos que engolirão países; ouvir-se-ão vozes pelos ares; os homens baterão as cabeças contra as paredes; pedirão a morte, e por outro lado a morte será seu suplício; o sangue correrá de todo lado. Quem poderá resistir, se Deus não diminuir o tempo da prova? Deus se deixará dobrar pelo sangue, lágrimas e orações dos justos. Enoch e Elias serão mortos; Roma pagã desaparecerá; o fogo do céu cairá e consumirá três cidades; todo o universo será tomado de terror e muitos deixar-se-ão seduzir, porque não adoraram o verdadeiro Cristo vivo entre eles. Chegou a hora, o sol se obscurece, só a fé viverá.
“Chegou o tempo, o abismo se abre. Eis o rei dos reis das trevas, eis a Besta com seus súditos proclamando-se o Salvador do mundo. Ele se elevará orgulhosamente nos ares para ir até o Céu; será asfixiado pelo sopro de São Miguel Arcanjo. Cairá; e a Terra, que durante três dias estará em contínuas evoluções, abrirá seu seio cheio de fogo; ele será submerso para sempre, com todos os seus, nos despenhadeiros eternos do inferno. Então a água e o fogo purificarão a Terra e consumirão todas as obras do orgulho dos homens, e tudo será renovado; Deus será servido e glorificado”.
Fim da aparição. Nossa Senhora sobe ao Céu
No fim dessas palavras, Nossa Senhora acrescentou: “Pois bem, meus filhos, comunicareis isto tudo a meu povo”. E caminhou até uma elevação próxima. Seus pés apenas tocavam a fímbria das ervas, sem as dobrar. Tendo atingido o topo, Ela se deteve olhando com terna bondade os videntes. E começou a se elevar insensivelmente até a altura de um metro. Ficou ali apenas um instante, o suficiente para olhar o céu, a terra, à sua direita e à sua esquerda. Depois Ela pousou seus olhos “tão doces, tão amáveis e tão bons que eu julguei que ela me atrairia até seu interior, e parecia que meu coração se abria ao d’Ela”, narrou Mélanie. A luz que a rodeava tornou-se mais intensa, como envolvendo Nossa Senhora, e Ela desapareceu pouco a pouco. A luz ascendeu suavemente rumo à direita, até sumir do olhar das crianças amadas da Virgem.
Apóstolos dos últimos tempos e a vinda de Elias e Enoch
Esta última e mais acabada redação do segredo desenvolve com maior riqueza de pormenores e precisão a sucessão de eventos futuros já contida nos relatos oficiais de 1851. Mas acrescenta no fim dois elementos novos de enorme significação.
O primeiro é o apelo para a entrada em cena dos apóstolos dos últimos tempos. Para isso Nossa Senhora serve-se de expressões que ecoam poderosamente os termos com que o insigne doutor marial São Luís Maria Grignion de Montfort profetizou tais apóstolos no século XVIII. Nossa Senhora, aliás, segundo relata Mélanie, ditou-lhe uma regra para os apóstolos dos últimos tempos.
Por fim, o segredo destaca o papel que desempenharão o patriarca Enoch e o profeta Elias, fundador da Ordem do Carmo, nos combates finais contra o Anticristo.
Mensagem que convida à oração e à penitência
A descoberta dos textos oficiais do segredo de La Salette nos arquivos vaticanos permite enunciar uma vasta série de considerações. Feitas num espírito de fidelidade incondicional à Santa Igreja e de respeito enlevado pela Hierarquia eclesiástica instituída por Nosso Senhor Jesus Cristo, elas podem inspirar graves e piedosas reflexões que este artigo, já por demais extenso, não tem condições de acolher. O leitor dispõe, entretanto, com o exposto acima, de abundante matéria para meditação, vigilância, oração, e — não é demais lembrá-lo — para uma penitência sincera, proporcionada à situação de cada um.
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NOTAS
1. René Laurentin — Michel Corteville, Découverte du secret de La Salette, Paris, Fayard, 2002, p. 139.
2. La Salette examinée à Rome, Rélation de M. Rousselot, selon L. Bassette, Le Fait de La Salette, Cerf, Paris, 1955, p. 227, apud Laurentin-Corteville, p. 139.
3. Laurentin-Corteville, p. 44.
4. Naquele ano foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores, ou I Internacional Comunista; Napoleão III e o rei do Piemonte, Vittorio Emmanuele, assinaram um acordo que acarretou a usurpação dos Estados Pontifícios e de Roma, onde o Papa ficou prisioneiro. (cfr. R. P. Alfred Parent, Lê Secret complet de La Salette, Martocq, Paris, 1903).
5. Em outra ocasião Mélanie confidenciou tratar-se de “um triunfo inaudito da Igreja”(cfr. Laurentin-Corteville, p. 70).
6. Esta fase histórica coincide com o Reino de Maria ou século de Maria, profetizado por São Luís Grignion de Montfort, grande doutor marial do século XVIII. E está de acordo com a promessa de Nossa Senhora em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará”.
7. Mélanie foi interrogada pelo pároco de Diou a respeito da duração do tempo de paz, tendo ela precisado que duraria “um número de gerações bastante grande”.(Laurentin-Corteville, p. 71).
Artigo extraído da Revista Catolicismo
Parabéns pelo texto. Já conhecia a história de La Salette mas não em detalhes assim.
Salve Maria!