As grandezas de Maria podem ser divididas em dois grupos. O primeiro é constituído pelas que representam sobretudo funções: maternidade divina, maternidade espiritual, mediação universal, papel de Maria no apostolado católico, realeza universal. O segundo grupo engloba as grandezas que representam privilégios concedidos a Maria em razão de suas funções, ou como consequências delas: Imaculada Conceição, virgindade, plenitude de graça etc. […]
Significado da maternidade divina
A grandeza fundamental de Maria, razão de ser de todas as outras, é a maternidade divina. De acordo com uma percepção comum, a maternidade divina não é somente a razão de ser das outras grandezas, mas também da própria existência de Maria, pois Ela foi criada especificamente para tornar-se a Mãe de Deus. Na bula Ineffabilis, o Papa Pio IX ensina, ao definir a Imaculada Conceição de Maria, que “a origem de Maria e a Encarnação da Sabedoria divina foram decididas por um único e mesmo decreto”. Assim, a maternidade divina explica tudo em Maria, e sem essa maternidade nada nela pode ser explicado.
A importância excepcional da maternidade divina torna evidente a necessidade de se entender bem o que ela significa, e deixar isso mal explicado equivale a deixar incompreendidos todos os privilégios da Virgem. Além disso, neste caso nosso espírito se encontra diante do mistério da Encarnação em toda a sua profundidade, mais do que ocorre em relação a outras grandezas de Maria. O assunto ultrapassa também a doutrina marial propriamente dita e se estende ao domínio da cristologia. […]
O título de Mãe de Deus não significa, nem jamais significou entre os fieis, aquilo de que Nestório nos acusava no século V e certos protestantes e racionalistas nos acusam ainda hoje, isto é, que consideramos Maria como mãe da divindade, ou como uma espécie de deusa como as da mitologia. Afirmamos sim que Maria é Mãe de Deus, mas não que Ela é mãe da divindade; Mãe de uma Pessoa que é Deus, e não mãe dessa Pessoa enquanto Deus.
Para entender o que significa a maternidade divina, é necessário compreender a união das naturezas divina e humana na pessoa de Jesus, tanto quanto isso seja possível no que se refere a um mistério. […]
Entre a humanidade e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo existe uma união muito semelhante à do corpo com a alma, porém não idêntica.(2) A natureza divina e a humana formam um único todo, uma única pessoa, de tal modo que as ações de uma e outra podem ser atribuídas a essa pessoa, e Ele pôde dizer: “Antes que Abraão existisse, Eu sou” (Jo 8, 58); e também: “Minha alma está numa tristeza mortal” (Mt 26, 38). A pessoa a que pertencem todas as ações de Cristo é divina, pelo que todas as suas ações, mesmo aquelas praticadas pela natureza humana, tinham mérito infinito, pois eram ações de Deus. Pode-se portanto afirmar com toda realidade que Deus pregou, que Deus sofreu, que Deus morreu. Consequentemente pode-se também dizer que Deus nasceu. Acontece que a mulher da qual um ser nasce é sua mãe. Como Deus nasceu de Maria, Maria é Mãe de Deus.
Poder-se-ia argumentar que Jesus recebeu de Maria apenas seu corpo, e não sua divindade. Esta objeção teria valor no caso de uma união moral, como aquela que Nestório elucubrou, não porém no caso de uma união substancial. O corpo que Maria gerou era, desde o primeiro instante, o de um Deus, portanto é de um Deus que Maria se tornou Mãe. Da mesma forma nós recebemos de nossas mães apenas o corpo, mas somos plenamente seus filhos.
É verdade que a concepção de um corpo humano exige naturalmente a criação e a infusão da alma, ao passo que a concepção operada em Maria não exigia naturalmente a união do Filho de Deus com a humanidade que a Virgem concebia. Não havia tal exigência do ponto de vista natural, porém existia do ponto de vista sobrenatural, de modo mais sublime e mais digno de Deus e de Maria do que tudo o que se passa na ordem natural. Tal concepção foi preparada por meio de virtudes e privilégios únicos: concepção virginal, só adequada a um Deus; concepção operada pelo Espírito Santo, a qual, de acordo com a explicação do anjo, faria do filho de Maria o próprio Filho de Deus; concepção consentida pela Virgem, somente após ter Ela recebido a promessa de que culminaria com a geração de um Deus.
Maria é realmente Mãe de Deus, da mesma forma que qualquer mulher é mãe de seu filho. De certa forma pode-se afirmar que Ela merece mais este qualificativo do que as outras mães. Em primeiro lugar porque ela sozinha, sem a contribuição de um pai, formou aquele corpo que, desde o primeiro momento de sua existência, era o corpo de um Deus. Além disso, porque foi chamada a cooperar para essa função em condições únicas. Houve jamais uma mãe que, como Maria, foi escolhida por seu futuro filho e preparada por Ele para essa função? Uma mãe que, como Maria, recebeu do Céu o aviso da missão reservada ao seu filho e o convite para consentir em tal missão? Uma mãe que, como Maria, cooperou com as intenções de Deus sobre seu filho e sobre Ela mesma, e se submeteu plenamente às consequências dolorosas dessa cooperação?
Num exame superficial, podemos ser tentados a acreditar que se joga com as palavras quando se dá a Maria o qualificativo de Mãe de Deus. Porém um exame atento nos leva a indagar se é possível imaginar uma maternidade de tal modo verdadeira e de tal modo plena como a de Maria em relação ao Filho de Deus.
Podem ser plenamente satisfatórias ao nosso espírito essas explicações e comparações que apresentamos? Respondemos que, se elas o pudessem, seriam certamente falsas, pois fariam desaparecer o fator mistério. Admitir que Maria é verdadeiramente Mãe de Deus não representa dificuldade maior do que acreditar que Jesus nos resgatou verdadeiramente, sacrificando-se por nós na cruz; ou em professar que Ele nos une realmente à sua divindade quando nos dá o seu Corpo em alimento. Nos três casos o mistério é o mesmo — a união hipostática. A razão pode explicá-lo até certo ponto, mas só a fé pode obter de nós o assentimento.
A maternidade divina, verdade revelada
A ideia da maternidade, embora sem usar a expressão, já estava contida muito claramente no conhecimento dos primeiros cristãos, e resultava naturalmente de duas verdades que lhes eram familiares: Maria é verdadeiramente Mãe de Deus; Jesus é ao mesmo tempo Deus e homem.
Não resta nenhuma dúvida de que Maria era reconhecida como Mãe de Jesus pelos judeus. Que Ele é homem, também o admitiam todos. E também era evidente aos olhos dos cristãos primitivos que Ele é Deus, pois havia falado e agido como só um Deus poderia fazer: atribuíam-se direitos que nenhuma criatura ousaria arrogar-se; pregava e mandava em nome próprio; perdoava os pecados por sua própria autoridade; fazia milagres por seu próprio poder; exprimia-se sobre suas relações com Deus como fazendo com Ele um ser único. É possível que inicialmente os discípulos o tenham visto como sendo apenas o Messias, e que no fim de sua vida mortal alguns dentre eles tenham começado a reconhecer sua divindade, mas após a Ressurreição puseram-se todos a pregá-la abertamente. Desde antes de serem escritos os evangelhos, pelo menos os três últimos, São Paulo havia proclamado Jesus “Aquele que está acima de todas as coisas, o Deus eternamente bendito” (Rom 9, 5).
Essa humanidade e essa divindade que os primeiros cristãos reconheciam no Filho de Maria apresentavam-se a eles unidas na mais íntima união que se possa imaginar, a qual será mais tarde denominada hipostática. Daquele que acabava de ser batizado no Jordão, o Pai tinha dito: “Eis meu filho bem amado, no qual ponho minha complacência” (Mt 3, 17). Após atravessar o lago numa barca, Ele disse ao paralítico: “Homem, os teus pecados te são perdoados”; e como os fariseus se escandalizavam sobre esse poder de perdoar os pecados — pois só o reconheciam como pertencendo a Deus, mas Ele o atribuía a si mesmo — não argumentou que estariam sendo perdoados por Deus habitando em mim, ou por Deus ao qual estou unido, mas proclamou em alto e bom som que esse poder residia nele mesmo: “A fim de que saibais que o Filho do Homem tem na Terra autoridade para perdoar os pecados, [disse ao paralítico]: Levanta-te, toma o teu leito e retorna à tua casa” (Mc 2, 1-12).
São Paulo registrou num texto bem conhecido essa convicção dos primeiros cristãos sobre a união substancial da divindade e humanidade em Jesus: “Tende os sentimentos de Cristo Jesus, que subsistindo na natureza de Deus, não considerava uma usurpação a igualdade com Deus. Porém Ele se aniquilou, tomando a forma de servo e tornando-se semelhante aos homens, reconhecido como homem pela sua aparência” (Fil 2, 6-8).
Portanto o Apóstolo afirmava que a natureza divina e a humana estavam reunidas em Jesus Cristo, e consequentemente Ele era reconhecido pelos primeiros cristãos como sendo ao mesmo tempo Deus e homem. Tendo Ele nascido de Maria, conferiam a Ela o título de Mãe de Deus.
A dedução acima é de todo rigor, mesmo supondo-se que a Sagrada Escritura não aludisse também à divindade do seu Filho, nas partes em que menciona a Mãe de Jesus. Porém, de fato a divindade de Jesus está afirmada, ou pelo menos subentendida, em várias ocasiões em que se menciona sua Mãe. O anjo Gabriel afirmou a Maria que Ela se tornaria mãe sem perder a virgindade, porque “aquele que nascerá de ti será chamado Filho de Deus” (Lc 1, 34-35). Qualquer que possa ter sido para os judeus de então o sentido da expressão Filho de Deus, é fora de dúvida que a Virgem entendeu tal expressão como significando algo diferente do que eles entendiam por Messias. Com efeito, o anjo lhe explicou que o Messias que nasceria dela respeitaria sua virgindade, precisamente porque tratava-se do próprio Filho de Deus. É fora de dúvida também que os primeiros cristãos, que ouviam contar ou liam a narração da Anunciação, atribuíam à expressão Filho de Deus o sentido literal, o sentido pleno de segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e que portanto Maria era para eles Mãe de Deus, de acordo com a declaração do enviado divino.
No episódio da Visitação, entendiam que Isabel disse à sua jovem prima:“De onde me vem a graça de que a Mãe do meu Senhor venha visitar-me?” (Lc 1, 43). Evidentemente Isabel dava à palavra Senhor o sentido que encontrara ou ouvira nos textos sagrados, isto é, que significava Deus. No próprio capítulo em que encontramos a pergunta feita por Isabel, a palavra Senhor é mencionada outras 15 vezes, todas elas com o significado de Deus. Por exemplo, logo após a saudação inicial, Isabel prossegue: “Ditosa aquela que acreditou no cumprimento das coisas que lhe foram ditas da parte do Senhor” (Lc 1, 45). Seguramente os primeiros cristãos entendiam igualmente neste relato a palavra Senhor no sentido de Deus, e aí viam Maria honrada como Mãe de Deus.
Do mesmo modo eles se lembravam de que Isaías, o maior entre os profetas messiânicos, havia predito que “uma virgem conceberá e dará à luz Emanuel, que significa Deus conosco”. Pouco importa o modo como os contemporâneos de Isaías ou o próprio profeta entendiam que o Filho da Virgem seria Deus conosco. Para os primeiros cristãos, a palavra designava Deus feito homem, entendendo portanto que Ela havia concebido Deus e o dera à luz, sendo portanto Mãe de Deus.
Antes mesmo da publicação dos evangelhos, os cristãos ouviram de S. Paulo: “Quando se chegou à plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, concebido da mulher” (Gal 4, 4). Daí se conclui que essa mulher era Mãe do Filho de Deus. […]
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Maria Santíssima como a Igreja ensina, Pe. Émile Neubert, Editora Petrus – 2014