Ter nojo é coisa boa?

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Em matéria de asco, a barata parece exercer uma espécie de liderança incontestável. Que conclusões tirar dos assuntos conexos?

Caro leitor: já tomou conhecimento de uma campanha internacional incentivando a que se comam insetos? Vai além de todo limite. Parecia uma empreitada apenas mediática, quando a própria ONU a endossou, no relatório divulgado dia 13 de maio p.p. através da FAO, recomendando o aumento do consumo de insetos por ser “nutritivo, abundante e não-poluente”.

No mesmo sentido é expressivo o artigo de Alexandra Forbes [1]. Não publicaria o que nele vai, se não fosse necessário documentar minha matéria. Num restaurante mexicano o garçom lhe disse: “Coma os bichos primeiro, com as mãos. Eram dois, a passear por cima da comida e a tentar fugir da morte, escalando a borda branca de porcelana. […] Capturei um chumil (seu nome em espanhol) e enfiei-o vivo na boca. Fechei o maxilar, respirei fundo para ganhar coragem e crac! Foi morte súbita. O suco das entranhas misturou-se aos pedacinhos da carapaça espatifada em uma só massa negra”.

Sem comentários. Mas há mais: o Nordic Food Lab se dedica ao estudo da entomofagia (alimentação de insetos), desenvolvendo receitas com baratas, cigarras e formigas, entre outros bichos.

Em parceria com o movimento Pestival (ou festival das pestes), um laboratório dinamarquês serviu em abril em um evento londrino tira-gostos feitos com insetos. O menu incluía mousse de larva de mariposa e caldo de gafanhoto.

Os jornais, ao menos os de São Paulo, têm consagrado páginas e páginas a esse repugnante assunto, qualificando de puritana e antiquada a sensação de nojo que muitos sentem. Pensei então em oferecer algumas linhas sobre o nojo. Trata-se de uma sensação válida nestes, e em outros casos? Ou é uma sensação errada, que deve ser reprimida? Que é o nojo?

Trata-se de uma emoção tipicamente associada com coisas que são percebidas como sujas, incomestíveis ou infecciosas, ou dejetos de um organismo. O nojo é uma enfática reação de rejeição. Envolve uma expressão facial característica, e está também associado a uma queda nos batimentos cardíacos, em contraste, por exemplo, com medo ou raiva.

Um estudo recente descobriu que mulheres e crianças são mais sensíveis ao nojo do que os homens.

Muitos pacientes que sofrem da doença de Huntington, uma moléstia neurodegenerativa progressiva transmitida hereditariamente, são incapazes de reconhecer expressões de nojo em outrem e também não demonstram reações de nojo a odores e sabores nauseabundos. A incapacidade de reconhecer o nojo em outrem surge em portadores do gene Huntington antes que outros sintomas se manifestem.

Portanto, não é o nojo que é doentio , mas antes a ausência habitual dele.

Há ainda o nojo moral. Há certos pecados que além de produzir indignação por ofenderem a Deus, devem produzir nojo pela maneira como são cometidos.

Eis aí uma brevíssima explanação de por que o nojo é coisa boa e natural. Além disso, cada vez mais necessária, pois o nojo, o asco, a repugnância fazem parte da civilização. É um pouco complicado dizer isto, mas sem nojo não há civilização!


[1] “Folha de S. Paulo”, 5-6-13. 

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