Se por moderno se entende hodierno, isto é, nascido hoje, ou vivo em nossos dias, não podemos dizer que tudo quanto é moderno é mau. Neste sentido, é moderna a Santa Igreja, que tem vinte séculos de existência, ou a monarquia inglesa com seus ritos medievais.
Como poderíamos lançar pedras sobre tudo, absolutamente tudo quanto é de origem recente, sem ao mesmo tempo nos suicidarmos? Pois nosso jornal nasceu ontem, e é de hoje a animosa e sempre mais extensa legião de leitores que o aplaude e difunde em todo o país.
Mas se por “moderno” se entende aquilo que traz a marca do espírito igualitário, sensual e naturalista, então realmente tudo quanto é moderno é mau. E poderia não ser?
Sem dúvida, nada copia nelas o gosto ou a técnica de outros tempos. Se há o que não se pode dizer delas, é que são anacrônicas. Entretanto, publicamo-las com prazer. São figuras que exprimem, com verve e graça, atitudes e estados de espírito de uma realidade palpitante. O esforço fogoso do tocador de tímpanos,o flautista aplicado, o trompetista que vai desempenhando um tanto distraído e displicente seu papel, o tocador de harpa, profundamente pensativo, o pianista às voltas com uma execução dificílima simbolizada pela imensidade do piano, tudo vive, tudo se move, tudo vibra, e sobretudo paira a luz do sorriso arguto e divertido de Dufy.
E, como transição para o comentário seguinte, destaquemos esta frase de Dufy: “A originalidade é uma monstruosidade”[1]. Frase exageradamente genérica, é claro, mas que aplicada à má originalidade é plenamente verdadeira.
Não aplaudimos tudo que Dufy pintou. Aplaudimos seu talento, e reconhecemos com gosto que, evitando esta originalidade falsa teve ele a ventura de não chegar ao monstruoso. Esse monstruoso que tem em nossos dias tantos adoradores.
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Por que comentar esta aberração? E se é isto que é ser moderno, como o pode ser um ente equilibrado?
Em recente carta à redação da revista “Time”, publicada no seu nº de 17 de junho p.p., um leitor, Sr. Gerald H. Whippie, cita as seguintes palavras de Picasso: “Sou apenas um entertainer ( expressão inglesa intraduzível, que designa os que têm por profissão distrair o público ). Sou célebre. Sou rico. Mas quando me acho frente a mim mesmo não tenho coragem de me considerar um artista no grande e antigo sentido da palavra”.
Não tivemos o cuidado de verificar a exatidão do texto. Para que, se é evidente que Picasso, a sós consigo, não pode pensar de outro modo?
[1] “Raoul Dufy” – ed. “L’Amour de l’Art”, p. 48
Publicado originalmente em “Catolicismo” Nº 80 – Agosto de 1957, na seção “Ambiente, Costumes, Civilizações”