Muitas pessoas acabam rejeitando a Deus, pelo fato da existência do mal. Mas será mesmo que a existência do mal contradiz Deus?
Antes de decorrermos no tema, é mister definir o que é o Mal.
O que é o mal?
O mal, longe de ser uma entidade positiva, é um não-ser; não constitui uma afirmação, mas uma negação.
O mal supõe sempre um bem, ao qual ele sobrevém; só se encontra onde há um valor real, e tem proporções tanto mais vultuosas quando maior é o bem no qual esteja encravado; basta lembrar a hediondez da perversão de um gênio.
O mal nunca pode ser isolado, não há quem veja as trevas ou ouça o silêncio; estes só são percebidos se, previamente, forem percebidos os respectivos contrários (luz e ruído).
Disto se segue que o mal nunca poderá, nem no indivíduo nem na sociedade, ser tão vasto que absorva e destrua todo o bem, pois em tal caso o mal extinguiria o suporte da sua existência e aniquilaria a si mesmo, o mal só existe porque respeita em certo grau o bem, e jamais triunfará sobre o bem, pois para ter realidade, ele há de ser uma negação menor dentro da afirmação maior.
Para exemplificar:
A tristeza de um ser humano nunca terá um peso maior que ultrapasse a sua alegria, trazendo isso para o plano moral, nunca o pecado marcará decisivamente o curso da história.
Pois assim como dizia João Duns Escoto; “Será que a natureza é de fato mais forte para manchar, do que a graça para santificar?”. E o apostolo São Paulo complementa isto muito bem, quando diz que: “Onde, porém, se multiplicou o pecado, a graça transbordou” (Rm 5,20).
O mal concretamente
Consideramos até aqui o mal no plano abstrato da especulação, procuremos ver de onde vem o mal e como entrou na realidade concreta.
Deus, em seu desígnio eterno, quis difundir o seu Ser, a sua Bondade, pois, o Bem é essencialmente difusivo de si. Para isto, decretou tirar do nada criaturas que em grau finito exprimissem, cada qual do seu modo, a infinita Perfeição Divina.
Deus criou, os minerais, os vegetais e os animais irracionais destinados a dar glória ao Criador, e eles são movidos em demanda do seu fim, eles não tem a capacidade de reconhecer Deus.
Já o homem foi criado e dotado de conhecimento intelectivo e da liberdade de arbítrio dai decorrente. Deus chamou-o também a dar glória ao Criador, mas de maneira consciente e espontânea.
A criação de um ser livre, em termos humanos, representa “perigo” ou “risco” para o Criador, mas, não há dúvida que ser livre é grande perfeição, maior que ser autômato, e foi essa visão de Deus ao conceber o homem.
Pela natureza e desígnios perfeitíssimos de Deus Nosso Senhor, era necessário que esta criatura dotada de livre arbítrio, passasse por uma prova: Ele escolheria obedecer a Deus ou Ser como Ele. Nesta situação, o homem quis, livremente, ser como Deus e daí decorreram todas as misérias e castigos devidos a este imenso pecado.
Os povos mais antigos costumam professar, sob forma de narrativas graciosas, a consciência de que nas origens da História se deu uma desobediência grave dos homens contra o Soberano Senhor, de onde resultaram os males crônicos que nos cercam
As Sagradas Escrituras refere a mesma verdade no episódio do pecado de Adão e Eva, o homem livre cometeu uma ação, à qual faltava a conformidade com o Modelo de Deus, o que era um mal moral, um pecado; e acrescenta que desse mal moral decorrem, de maneira lógica, os males físicos (doenças, misérias, morte); a desordem material foi, pois, acarretada pela desordem espiritual.
Por conseguinte, o princípio de toda a desgraça vem a ser a livre vontade do homem que, sem deixar de querer o bem, por sua falibilidade natural preferiu o bem aparente, do que o bem real. O primeiro de todos os males vem a ser o mal moral ou o pecado, de onde que, pior é cometer injustiça (mal moral) do que padecer (mal físico), como bem disse São Domingos Sávio: “Antes morrer do que pecar”.
Hoje em dia, os homens sofrem e morrem porque o primeiro pai pecou, se afastando da felicidade e da vida, que é Deus, e transmitiu a todos os seus descendentes uma natureza desregrada. Nem todo sofrimento é consequência de um pecado pessoal, mas reduz-se, em última análise, à desobediência de Adão.
Então por que Deus não impediu que Adão pecasse?
Deus deu ao primeiro homem, todos os meios para que ele não pecasse, porém Deus não quis intervir na vontade do homem, de maneira que forçasse-o a escolher o Bem Real, pois isto equivaleria a retirar um dom outorgado em vista de maior dignidade e glória do gênero humano.
Deus é Pai, não ditador, e quer ser considerado como Pai. Ora, na parábola em que Nosso Senhor Jesus Cristo narra em São Lucas 15, 11-32, o pai deixa partir o filho que lhe pede a herança para ir gozar da vida, e mesmo o pai sabendo o que o jovem está para fazer, deixa-o ir, justamente porque é pai, e que usar de confiança ao tratar o seu filho, e deixa que este filho fazendo suas experiencias livremente empreendidas, reconheça livre e conscientemente a felicidade que há em aderir ao Pai.
Assim, Deus deixou (e deixa) o homem partir pela via do pecado, segundo a sua livre opção, pois o que Deus deseja é o amor filial do homem, e não a adesão inconsciente de uma máquina.
O Senhor certamente poderia proceder assim: só haveriam criaturas boas, sem que o Criador tivesse que coagir alguma. Fazendo isso, porém, Ele desfiguraria, mutilaria o conceito de livre arbítrio.
Existem duas possibilidades opostas, Sim e Não. Em outras palavras e tratando-se da criatura humana, as duas opções seriam o “Sim” ao Criador (Sumo Bem) ou o “Não” ao Criador (Mal). Sendo os homens dotados de livre arbítrio, é comum que alguns digam “Sim” a Deus, optando pelo Bem Real, e outros “Não”, cometendo assim o mesmo erro de Adão pela escolha do bem aparente , na verdade mal.
Deus quis deixar essa liberdade e conhecia o “risco” que isso acarretava. Ele o quis, porém, unicamente em vista de um bem maior….
Se o pecador sofre pelo pecado cometido, a culpa não é de Deus que permite ele sofrer, ele sofre porque a sua natureza feita para Deus protesta contra a violência que a livre vontade do indivíduo lhe impôs. Esse sofrimento vem a ser a afirmação solene de que Deus é o Sumo Bem!
Deus não quis ficar indiferente à desgraça do homem, Ele levou muito a sério o drama do homem. Embora não precisasse da criatura, quis salvar o gênero humano. Em vista disto, tomou a miserável carne humana fazendo-Se verdadeiro Homem, Jesus Cristo, e padeceu a nossa sorte, morrendo.
Se aquilo que Deus toca não pode deixar de ser divinizado, a dor e a morte foram divinizadas depois que Cristo as experimentou; deixaram de ser mera sanção, a fim de tornar-se canal, passagem para nova vida, para a glória eterna.
Para o homem fiel só há uma desgraça autêntica: a perda da união com Cristo ou o pecado, pois, enquanto está unido a Deus, o católico vence com uma enorme alegria, proveito ou mérito os maiores sofrimentos (doença, pobreza, perseguições e morte).
A figura de Nosso Senhor pregado em uma Cruz vem a ser o testemunho mais eloquente de que a existência do mal, como a conhecemos, não é incompatível com a existência de Deus; para quem considera o Filho de Deus crucificado, torna-se vã qualquer tentação de acusar de injustiça ou maldade o Criador pelo fato de que Este permite o sofrimento livremente acarretado pelo homem sobre si mesmo. “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida por seus amigos”, disse Nosso Senhor Jesus Cristo.