Esplendor no firmamento da Igreja. Figura ímpar nos anais da santidade no século XIX, D. Bosco foi escritor, pregador e fundador de duas congregações religiosas, tendo sobretudo exercido admirável apostolado junto à juventude, numa época de grandes transformações. Dotado de discernimento dos espíritos, do dom da profecia e dos milagres, era admirado pelos personagens mais conhecidos da Europa no seu tempo.
Santa Teresa de Ávila é unanimemente considerada um dos maiores gênios que a humanidade já produziu. Mesmo ateus e livres-pensadores são obrigados a enaltecer sua viva e arguta inteligência, a força persuasiva de seus argumentos, seu estilo vivo e atraente e seu profundo bom senso. O grande Doutor da Igreja, Santo Afonso Maria de Ligório, a tinha em tão alta estima que a escolheu como patrona, e a ela consagrou-se como filho espiritual, enaltecendo-a em muitos de seus escritos. Sua festa transcorre no dia 15 deste mês.
Extrema humildade de uma Doutora da Igreja
“O fato de ter pais virtuosos e tementes a Deus, e de ser tão favorecida pelo Senhor, bastar-me-ia para ser boa, se não fora tão ruim” — confessa ela com humildade no início de sua autobiografia1, que muitos consideram só encontrar paralelo nas Confissões, de Santo Agostinho.
Realmente, seus pais — D. Afonso Sanchez de Cepeda e Da. Beatriz de Ahumada, com quem este se casou em segunda núpcias — “estimavam a virtude, e tinham muitas”. D. Afonso, “de muita caridade com os pobres, piedade com os enfermos e bondade com os empregados, […] era homem de grande retidão, […] honesto em extremo”. Ao passo que“minha mãe […] era de grande honestidade, […] de trato ameno e bastante inteligente” 2. Esse elogio, na boca da futura Doutora da Igreja, tem muito peso.
Terceira dos nove filhos do segundo casamento de D. Afonso (que do primeiro tivera uma filha e um filho3), Teresa nasceu em 28 de março de 1515. Inteligente, alegre, viva, dotada de um coração de ouro, com capacidade de se adaptar a qualquer temperamento. Ela mesma o reconhece: “o Senhor me deu esta graça de agradar a todos, onde quer que esteja, e assim era muito querida”. O que a tornou logo a precoce confidente da mãe e a preferida do pai e irmãos.
Martírio, Cruzadas, Cavalaria
Da. Beatriz, desde cedo, a iniciou na vida da piedade, especialmente na reza do rosário e na leitura de livros religiosos — que era então o único gênero que entrava naquele lar. A vida de santos e o modo como conquistaram a coroa do martírio empolgaram Teresa. Aos sete anos convenceu um irmão, um ano mais moço, a irem ambos para a terra dos mouros em busca do martírio, o que revela também sua admiração pelas Cruzadas.
Fracassado esse plano infantil, pensou em ser eremita no jardim de sua casa. Ávida leitora, por volta dos 12 anos começou a ler, a exemplo da mãe, livros de cavalaria. Com o seu dinamismo e entusiasmo pelos grandes feitos, Teresa afeiçoou-se a eles. Mas em sua mente de adolescente, com a fantasia cheia de heróis, damas e castelos, não manteve o necessário equilíbrio e foi decaindo de seu primitivo fervor. É o que ela qualifica “tempo de minhas leviandades”. Mas não foi longo, pois, falecendo-lhe a mãe quando tinha 14 anos, Teresa entrou como interna no mosteiro das monjas agostinianas. A influência de uma delas, “muito discreta e santa” e de grande nobreza de sangue, foi fazendo com que“minha alma começasse a voltar aos bons costumes de minha meninice”.As cartas de São Jerônimo levaram-na a tornar-se freira. Era sua vocação ser uma verdadeira “cruzada” da mística e da vida conventual íntegra.
No Carmelo: doenças e provações
Não tendo ainda completado 20 anos, Teresa entrou, às ocultas do pai, que a queria muito, no Convento da Encarnação, das Carmelitas. Razão da escolha: nele tinha uma grande amiga.
Segundo seus contemporâneos, Teresa “tinha particular ar e graça no andar, no falar, no olhar, e em qualquer ação ou gesto que fizesse, ou qualquer estado de espírito que mostrasse. A veste ou roupa que trazia, embora fosse o pobre hábito de saial de sua Ordem ou um farrapo remendado que vestisse, tudo lhe caía bem” 4.
Um ano depois de sua profissão religiosa, Teresa ficou gravemente enferma, sofrendo inúmeros tratamentos nas mãos de médicos, que mais lhe fizeram mal do que bem. Esteve por quase três anos paralítica e foi milagrosamente curada por São José. Entrou depois, como ela mesma o afirma, num estágio de tibieza espiritual que durou 20 anos. Não deveria ser tal, porque mesmo assim recebia imensas graças. Até que um dia, vendo num oratório do convento uma imagem de Nosso Senhor chagado — com aquela vida e realismo que só os espanhóis dos bons tempos eram capazes de reproduzir — ela sentiu tanta compunção, que se prostrou a seus pés, dizendo que não se levantaria enquanto não fosse atendida em seu pedido de melhora. “Estou certa de que me valeu esta súplica, pois fui melhorando muito desde esse dia”. “Por este motivo— afirma — era tão amiga de imagens” 5. Note-se que, na época, percorria a Europa um furor contra as imagens, proveniente das nefastas doutrinas espalhadas por Lutero.
Coração transverberado e outros fenômenos místicos
Os fenômenos místicos que Teresa experimentava deixavam desconcertados seus confessores e diretores, dos quais teve muito que sofrer. Às vezes tinha arroubos e êxtases na igreja, em público, o que era objeto de comentários de toda a pequena Ávila de então. Vêm de Deus? Vêm do demônio? Cada um tinha sua opinião. Foi preciso que dois santos, São Francisco de Bórgia e São Pedro de Alcântara, com sua autoridade, lhe confirmassem a origem divina dessas experiências e a incentivassem a não opor obstáculos à ação do Senhor. Favores místicos, ela recebeu muitos, como o “noivado espiritual”, a transverberação de seu coração por um Serafim e o “desposório místico” com Cristo.
Tormentos terríveis causados pelo demônio
É compreensível que, tendo tantas aparições divinas, algumas vezes o demônio procurasse enganá-la. “Uma vez, num oratório, apareceu-me [o demônio] do lado esquerdo, em abominável figura. […] Outra vez atormentou-me durante cinco horas, com dores tão terríveis e desassossego interior e exterior, que me parecia insuportável. […] De muitos fatos cobrei experiência de que não há coisa de que mais fujam os demônios do que água benta. […] O fato é que já compreendi perfeitamente quão pequeno é o poder dos demônios contra mim, se eu mesma não for contra Deus. Por isso quase não os temo. De nada valem suas forças, a menos que vejam almas covardes que abandonam a luta. Aqui mostram eles sua tirania” 6.
Certo dia foi levada em espírito ao inferno, onde lhe foi mostrado o lugar que mereceria, se não fosse fiel. “Durou brevíssimo tempo. Contudo, ainda que vivesse muitos anos, acho impossível esquecê-lo. […] O tormento interior é tal, que não há palavras para o definir. […] Foi esta, repito, uma das maiores graças que o Senhor me fez. Valeu-me imensamente, quer para perder o medo quanto às tribulações e contradições desta vida, quer para me esforçar em padecê-las e a dar graças ao Senhor por me ter livrado, ao que agora me parece, de males tão perpétuos e terríveis” 7.
Prezava a “Santa Inquisição”
O demônio, costuma-se dizer, é o macaco de Deus. Sempre que há fenômenos sobrenaturais, ele suscita outros preternaturais para que se duvide também dos primeiros. Na época de Santa Teresa houve muitas falsas místicas, desmascaradas pelo Tribunal da Inquisição. Inimigos e até amigos da Santa, almas rasteiras que não compreendiam que outras pudessem subir tanto, a alertavam sobre esse santo Tribunal, hoje tão caluniado. Eis o que Teresa escreveu a respeito, em sua autobiografia:“Poderiam levantar contra mim algum falso testemunho e denunciar-me aos inquisidores. Achei graça na idéia. Fez-me rir, porque neste ponto nunca temi. Tinha consciência de que, em matéria de fé, eu estava pronta a morrer mil vezes para não ir contra a menor cerimônia da Igreja, ou por qualquer verdade da Escritura. […] Em bem mau estado andaria minha alma se nela houvesse coisa de tal natureza, que me fizesse temer a Inquisição. Se eu imaginasse haver necessidade, seria a primeira a ir buscá-la” 8. Ao Padre Gracián, que temia os rumores de que a Inquisição pudesse ir ao recém-fundado convento de Sevilha, por causa de calúnias levantadas por duas ex-noviças, Teresa dizia: “Cale, meu pai, e não tenha medo de que a Santa Inquisição, que Deus tem posta para guardar sua fé, dê desgosto a quem tanta fé tem, como eu” 9.
Fundações de conventos: epopéia memorável
No ano de 1562, Teresa começou a reforma do Carmelo, fundando o Convento de São José, de Ávila, o primeiro a observar em todo seu rigor a antiga regra. Cinco anos mais tarde, visitando o Superior Geral do Carmo esse convento, ficou tão encantado com a santidade que nele via, e com a personalidade de Teresa, que deu a ela licença para fundar outros conventos da observância, inclusive dois de frades. Começou então o período épico das fundações, no qual a indômita Teresa, com algumas companheiras, em carro de lona puxado por burros, pelas rudimentares estradas da época, percorre a Espanha fundando conventos. A descrição que ela faz dessa saga, no Livro das Fundações, mostra o heroísmo e a força de alma que demonstraram a Madre e filhas nessa impressionante aventura.
São João da Cruz, co-fundador, com a Santa, do ramo masculino dos Descalços, teve, como ela, muito que sofrer por isso.
Enfim, “Santa Teresa possui uma das mais belas penas da literatura espanhola. Ela é, além do mais, a escritora mais instintiva produzida pelo gênio espanhol, e talvez pelo gênio cristão. […] A experiência é sua mestra: arrastando-nos a seu próprio caminho, ela nos conduz da tibieza à virtude, à santidade, à contemplação, ao interior mesmo do divino. Sua intuição descobre as molas secretas do homem com a lucidez mais fina; contempla e desvenda as profundezas de Deus na união mística mais íntima. Isso junto com um bom senso sólido e luminoso, com uma franqueza humilde e encantadora, com uma elegância que seduz e cativa, com um arrebatamento alegre e entusiasta: a alegria que nasce do amor. Porque ela é amor e somente amor. Amor ativo, que a leva a fundar dezesseis mosteiros e a faz arder de zelo pelo seu Senhor e pela Igreja” 10.
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Seriam necessários vários livros para se escrever a obra de Santa Teresa e a decisiva influência que exerceu, não só na Contra-Reforma católica contra o protestantismo, mas na vida futura da Igreja. Essa grande Santa entregou sua alma a Deus em 4 de outubro de 1582. Já em 1614, quando ainda Bem- aventurada, foi escolhida como Patrona da Espanha, de quem é filha grandemente ilustre.
Notas:
1.O Livro da Vida, Editora Paulus, 4ª edição, 1983, 1,1. As citações entre aspas, sem mencionar a fonte, são sempre deste livro.
2.Id., 1,1 e 2. Convém notar que a palavra “honestidade” não se refere apenas ao trato dos negócios e do dinheiro, mas tem um sentido mais amplo de bons costumes, de moralidade ilibada.
3.Cfr. Efrén de la Madre de Dios, OCD e Otger Steggink, O. Carm., Tiempo y Vida de Santa Teresa. B.A.C., Madrid, 1977, p. 12, nota 66.
4.Maria de San José, Libro de Recreaciones VIII, p. 97. In Efren, p. 26, e Province of the Teresian Carmel in Austria. ( webmaster@karmel.at).
5.O Libro da Vida, 9,6
6.Id., 31, 3,4,11.
7.Id., 32, 1,2,4.
8.Id., 33, 5.
9.Efrén de la Madre de Dios, op. cit., pp. 680-681
10.Théodule Rey-Mermet, CRSS, Afonso de Ligório — uma opção pelos abandonados, Editora Santuário, Aparecida, 1984, p. 156
Artigo oferecido pela Revista Catolicismo