Aristóteles, filósofo grego, século IV a.C., afirmou que o homem é um animal político. Bem mais tarde, no século XIII, Santo Tomás de Aquino, em parte com base na doutrina daquele, colocou os fundamentos da doutrina social católica, que começa com uma constatação: por ser contingente, o homem precisa viver em sociedade para atingir seus fins naturais.
Por essa razão, os problemas sociais e políticos em geral, condicionam fortemente a busca de nossa perfeição humana e até sobrenatural. No estudo deles, o que se convencionou chamar pensamento aristotélico-tomista ilumina até hoje os nossos caminhos. É com base nele que volto os olhos para a terrível realidade brasileira.
Das sociedades, a primeira e a mais natural de todas é a família. De sua normalidade depende a sanidade das outras sociedades da ordem temporal, até da suprema delas, o Estado. É no interior da família, embebido de afeto e presidido pelo exercício da autoridade, que surgem os costumes e os caracteres que darão depois rumo à escola, às empresas e aos vários órgãos do Poder Público.
Não pretendo tratar hoje do tema mais debatido no Brasil, o impedimento da Presidente, sem antes lembrar que, de longe, a perder de vista, o mais importante para o futuro pátrio não é o que acontece em Brasília, mas a promoção da virtude no interior dos nossos lares.
É mais do que chegada a hora de pôr os olhos na Pátria, sacudida por um intenso e tantas vezes caótico debate, envolto no clamor popular majoritário para que a Presidente seja afastada. Afastada por que motivo? — Por ter violado a lei. E volto a Santo Tomás de Aquino, segundo o qual a lei é a ordenação da razão para o bem comum, promulgada por quem tem a seu cargo a comunidade. Ele falava da lei humana. Tinha em vista, como sua inspiradora, a Lei natural, que é o reto agir da natureza.
“Tal é, acima de todas, a Lei natural que está escrita e gravada no coração de cada homem, porque é a razão mesma do homem que lhe ordena a prática do bem e lhe interdiz o pecado.
“Mas esta prescrição da razão humana não poderia ter força de lei, se ela não fosse órgão e intérprete duma razão mais alta à qual o nosso espírito e a nossa liberdade devem obediência.
“Sendo, na verdade, a missão da lei impor deveres e atribuir direitos, a lei assenta sobre a autoridade, isto é, sobre um poder verdadeiramente capaz de estabelecer esses deveres e definir esses direitos, capaz também de sancionar as suas ordens por castigos e recompensas; coisas todas que não poderiam existir no homem, se ele desse a si próprio, como legislador supremo, a regra dos seus próprios atos.
“Disto se conclui, pois, que a lei natural outra coisa não é senão a lei eterna gravada nos seres dotados de razão, inclinando-os para o ato e o fim que lhes convenha; e este não é senão a razão eterna de Deus, Criador e Governador do mundo”.
E o que é a razão ou Lei eterna de Deus? Aqui recorro de novo ao Doutor Angélico. Lei eterna, pontua Santo Tomás, é a “razão ou plano da divina sabedoria, enquanto dirige todos os atos e movimentos das criaturas” (I-II. Q. 93, a 1). De outro modo, é o plano de Deus, a Providência Divina para o governo de suas criaturas. Assim, em cada criatura temos a lei própria de sua natureza; a Lei eterna é causa de todas elas.
Na linguagem corrente, falamos com fundamento em leis divinas. A lei natural, em certo sentido, é lei divina, pois tem sua raiz no Criador. E é grave não a levar em conta. Os Dez Mandamentos, expressão da Lei natural, partem da Revelação; são leis divinas, no sentido de que vieram de Deus por meio de Moisés. A Igreja, quando legisla, com base no mandato de Cristo, nos impõe leis divinas, pois é divina a base de seu poder. São as legítimas, necessárias e justificadas liberdades da linguagem corrente.
Por isso, com boa escora, podemos dizer que o governo petista, nos 13 anos em que vem infelicitando o Brasil, tem agido obstinada e repetidamente contra as leis divinas. Basta observar seu histórico (ou prontuário). Mas não me limito ao governo petista no Executivo. Qualquer ramo do Poder, Executivo, Legislativo, Judiciário, e membros de qualquer partido político, quando agridem leis naturais, como, por exemplo, o direito à vida desde a concepção, o casamento monogâmico e indissolúvel, a propriedade privada, agem contra mandamentos divinos.
Continuo na mesma trilha. A autoridade existe para o bem dos governados. Se um pai de família lesa gravemente o bem do filho (de ser nutrido e educado retamente, segundo sua condição), por Direito natural e, no caso brasileiro, por legislação existente, a guarda deve lhe ser retirada. O mesmo se aplica ao professor, ao superior religioso, ao diretor de empresa etc.
No caso do governo de um país, a autoridade existe para o bem comum. Havendo lesão grave a este, depois de pesadas prudentemente as razões em causa, pode ser o caso de sua substituição, se nos ativermos ao Direito natural.
No caso brasileiro, considerando de momento não o Direito natural, mas a legislação positiva, os instrumentos estão na legislação constitucional e infraconstitucional. E como se pode lesá-lo? Por exemplo, com o emprego generalizado da corrupção, com impostos exorbitantes, aplicando políticas que destroem o emprego, a renda e as perspectivas de melhoria social.
Lembro ainda, e com relevo, a difusão da Ideologia de Gênero, as tentativas de legalizar o aborto e a eutanásia, a leniência no combate às drogas, o favorecimento da prostituição e dos métodos antinaturais de limitação da natalidade, bem como o golpear constante as instituições a fim de impor ao Brasil um regime bolivariano, que nos tiraria a liberdade, sujeitando-nos a um regime socialista ditatorial.
Tudo isso constitui matéria para o juízo de que o governo federal lesa gravemente o bem comum. Entre nós, o acento tônico até agora está na violação da Lei de Responsabilidade Fiscal, sobre a qual não preciso me estender, porquanto os jornais e o noticiário de televisão têm divulgado informações de sobejo. E, ademais, pretendo enfatizar aspectos doutrinários da questão, pastoralmente mais úteis.
Posta a situação anômala, compete ao povo, por suas manifestações e pelo emprego da legislação pertinente, substituir o governo por outro que, por juízo prudencial, lhe seja favorável ou pelo menos lese em menor escala o bem comum.
Para terminar, lembro aqui princípio do Direito natural, ensinado também no Direito Romano: Salus populi suprema lex esto (A salvação do povo seja a suprema lei). De outro modo, acima da legislação positiva, como sua fonte inspiradora, está a salvação do povo. Que Nossa Senhora Aparecida nos ilumine a todos para agir com prudência e coragem nesta hora de gravíssima crise para o Brasil.