O historiador e crítico de arte britânico T. J. Clark, professor aposentado de Harvard e Berkeley, aos 70 anos, ainda conserva a fama de marxista polêmico. Clark afirma que desconhece alternativa ideológica capaz de barrar o avanço da Europa rumo a um novo fascismo de direita, e admite que nós, modernos, “não somos material para uma sociedade”. Para Clark, a crise não é só da esquerda, mas da modernidade.[1]
A crise pede, portanto, como solução nem fascismo, nem comunismo, nem modernidade. Por que então não escolher um modelo nem fascista, nem comunista, nem de modernidade, aquele que deu os melhores resultados, na História? Ou seja, o modelo medieval? Por que descartá-lo a priori? Nós sabemos por que…
Um Papa, o célebre Leão XIII, assim o descreve:
“Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos Príncipes e à proteção legítima dos Magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer“.[2]
Como era esta sociedade civil, da qual Leão XIII faz tão expressivos elogios? Ela era natural, regionalista e típica; nem mecânica, nem desfronteirizada, nem exageradamente standart . Em uma palavra, orgânica. Ou seja, não mecânica, mas com intensa vida própria.
Plinio Corrêa de Oliveira acrescenta:
“A sociedade da Idade Média vivia toda ela numa espécie de composição entre o sonho e a realidade, de maneira que na culminância de toda realidade havia um sonho que bordejava aquilo e iluminava aquilo”.[3]
Foi na Idade Média que, pela primeira vez, “elevaram-se grandes catedrais e em que a arte religiosa começa a construir igrejas excessivamente grandes para o povo, mas sempre excessivamente pequenas para a Majestade Divina”.[4]
Esse universo religioso precisava ser eficazmente defendido, o que era missão da cavalaria. Léon Gautier, o famoso medievalista, coloca nos lábios de um velho padre este sermão logo antes de uma batalha:
Barons, eis-vos finalmente próximos desta batalha que tanto desejastes. Lembrai-vos de todos os males que tivestes de suportar, e aos quais ela vai colocar um fim. Vossos inimigos são numerosos, mas dirigi vossos olhos para o Céu, e pensai que Deus vai vos enviar de lá, como se viu tantas vezes, as legiões de seus anjos. Quando estiveres na melée, batei, matai, derrubai tudo, até que tenhais atravessado as fileiras inimigas: porque proeza vale mais que covardia. Pensai que sois os soldados de Deus. Acabastes de receber a absolvição, e vossa penitencia é de golpear os pagãos: ide.[5]
Ao lado da Cavalaria que era, como já foi dito, a maior aventura do mundo, analisemos outra sublime proeza: a do monge.
Como o cavaleiro, ele desafiava e vencia o próprio egoísmo, embora de outra forma. Para se entender o monge, é preciso considerar que todo homem tem a tendência a estabelecer uma plataforma na qual ele se ponha a salvo, o quanto é possível nesta Terra, das incertezas da vida. Dessa plataforma fazem parte sua casa, sua família, sua propriedade, sua liberdade. O monge renunciava a tudo isso e ficava, por assim dizer, flutuando no ar, dependendo para tudo de uma instituição – a ordem religiosa à qual se filiava – e de um superior que poderia ser um santo, mas também um homem medíocre ou até um tirano. Para que? Para conhecer, amar e servir a Deus e à Igreja com uma dedicação integral.
Ele vai buscar a perfeição em todas as coisas, das maiores às mais corriqueiras, com um programa genérico que faz estremecer a natureza humana: castidade, pobreza e obediência.
O lado especificamente religioso era completado pela retidão dos nobres, dos burgueses, dos operários e dos camponeses. Era a civilização cristã. É claro que possuía pequenos defeitos, mas onde entra a natureza humana e até certo ponto, isto se tolera.
Uma vez que discorrer sobre a Idade Média é um privilégio que exige muitas e muitas páginas, recorro a um texto em prosa mas poético, do célebre autor francês, Montalembert,
“O santa simplicidade, candura dos antigos tempos, ternura ingênua dos dias de outrora, não retornarás jamais? Demos crer que estás extinta, morta para sempre? E se é verdade que os séculos são para a vida do mundo, o que são os anos para a existência do homem, não retornarás após um tão longo e tenebroso inverno, ó doce primavera da Fé, para rejuvenescer o mundo e nossos corações?[6]
E com este belo texto, encerro estas poucas linhas, lamentando o pequeno espaço para um tema que já ocupou livros e livros e mereceria uma epopéia inteira.
[1] O Estado de S. Paulo, 29 de junho de 2013
[2] Encíclica Immortale Dei.
[3] Conferência em 14/10/82.
[4] Emile Mâle.
[5] Leon Gautier, La Chevalerie, p. 748.
[6]Charles René, conde de Montalembert (1810-1870).