Publicamos hoje quatro clichês, dois quais dois reproduzem obras de arte do séc. XV, e os outros dois obras de nossos dias.
Os dois quadros do séc. XV são da autoria de Giovanni da Fiesole, o famoso Fra Angélico, e representam respectivamente a Anunciação de Nossa Senhora, e S. Domingos em oração.
O trabalho em metal é da autoria do artista H. Breucker, e também tem por tema a Anunciação. A escultura de A. Wider, outro artista contemporâneo, representa São Bento, o Patriarca dos Monges do Ocidente.
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A cena famosa da aparição do Arcanjo S. Gabriel a Nossa Senhora constituiu para a humanidade uma hora de graça. Abriu-se o Céu que a culpa de Adão havia cerrado, a dele baixou um espírito de luz e pureza, trazendo consigo uma mensagem de reconciliação e de paz. Essa mensagem se dirigia à criatura mais formosa, mais nobre, mais cândida e mais benigna que nascera da estirpe de Adão. Postas em presença as duas Pessoas, o diálogo se estabelece. Conhecemos pelo Evangelho qual foi a elevação e a simplicidade inefável das palavras então pronunciadas. Tratando de tal tema, a tarefa do artista consiste em exprimir nas fisionomias, nas atitudes, nos gestos, no ambiente, nas cores, nas formas, os valores morais do incomparável acontecimento.
Antítese berrante de tudo isto é a Anunciação moderna. Se um débil mental ou um doente com muita febre se pusesse a divagar sobre a Anunciação, concebê-la-ia talvez assim. Extravagância suma, carência dos valores mais rudimentares, de qualquer expressão já não diremos elevada ou sobrenatural, mas simplesmente equilibrada e sadia, tudo enfim se conjuga para fazer da obra moderna a antítese brutal chocante do quadro do século XV. Este é uma maravilha de espiritualidade e de fé. A outra é produto de uma mentalidade que não sabe ver senão a matéria, de uma psicologia fechada ao sobrenatural, de um temperamento que se compraz plenamente em horizontes sem beleza, sem nobreza, sem nada daquilo que para a alma é luz, oxigênio, vida, esperança de eternidade.
Em sua alocução de 24 de maio de 1953, o Santo Padre define o chamado espírito moderno como “o pensamento materialista transposto na ação”. A arte de que temos aqui um espécime é o pensamento materialista transposto na arte.
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Pelo contrário, aquela estátua exprime com muita propriedade, precisão e força a idéia que se pode ter do Patriarca dos Monges do Ocidente: modelo de gravidade, de austeridade, de tranqüilidade varonil, de profundo recolhimento, de alta sabedoria. Ninguém pode negar que esta escultura corresponde satisfatoriamente às exigências de uma arte autentica e de uma piedade ortodoxa e equilibrada.
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Mas se se toma em conta que, à margem dessa péssima corrente nosso século conta com artistas animados por outro espírito, e se entende que é moderno tudo quanto é contemporâneo qualquer que seja sua inspiração, não podemos ser antimodernos porque não somos idiotas. Pois outro qualificativo não mereceria quem no oceano da produção cultural do séc. XX julgasse preconcebidamente mau, indistintamente mau, o que é engendrado pelos filhos da luz, e as obras em que se nota a influência do espírito neopagão, isto é, do espírito das trevas.
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Destas duas acepções de “moderno”, qual a mais verdadeira? É um problema de palavras. Todavia uma coisa é positiva: se o estilo materialista não se deve chamar “moderno”, deve-se-lhe arranjar outro nome, pois ainda não apareceu. E este nome deverá levar em conta que a torrente “moderna” contém não só os ingredientes materialistas de que falamos mas ainda os elementos gnósticos e satanistas de que nosso brilhante colaborador Cunha Alvarenga tão bem tem tratado.
Dar nome a esta corrente é tarefa interessante, para a qual convidamos a sagacidade de nossos leitores.
Entretanto, o mais urgente não é isto. O “homem da rua” do séc. XX ainda não aderiu ao “moderno” no fundo de sua alma. Preservemo-lo desta desgraça. Assim seremos “modernos” no sentido de que agiremos em função dos problemas e perigos de nosso século.
É o que nesta folha procuramos fazer, em meio ao estrépito de muitos aplausos, e ao rosnar surdo e furioso de alguns ódios, mas certos, em qualquer caso, de cumprir um dever sagrado.
Publicado originalmente em “Catolicismo” Nº 38 – Fevereiro de 1954 na seção “Ambiente, Costumes, Civilizações”000
