O mártir chouan

Combatentes chouans
Combatentes chouans aguardando para atacar as tropas de Napoleão

Pierre Michelot retornava de uma longa jornada junto à tropa dos chouans[1] de Ille-et-Vilaine.

Muito jovem ainda, e no vigor da idade, medira em toda sua extensão a maldade intrínseca da Revolução – a mesma que prometera a “liberdade” aos franceses. Como outrora os irmãos Macabeus, de sua alma partira o grito de indignação: “É preferível morrer, a viver numa terra devastada e sem honra[2]. Assassinado o Rei Luís XVI – pai de seu povo – e perseguidos os verdadeiros pastores, destruídos os templos onde adoravam o verdadeiro Deus, não lhe restava senão uma alternativa: lutar sem tréguas contra os celerados que pretendiam arrancar, do fundo da alma dos franceses, a fé neles infundida por séculos de ação benfazeja da Igreja.

Toussaint du Breil, visconde de Pontbriand

Alistara-se na tropa de Monsieur de Pontbriand, senhor das terras de Princé, seu vilarejo natal. E depois de várias semanas de uma guerrilha sem quartel às forças revolucionárias, retornara furtivamente à casa paterna para rever os seus e curar-se das feridas da luta.

Os bleus[3], entretanto, servidos por uma vasta rede de informantes – muitos deles, hélas, traidores da boa causa – sabendo de sua presença logo sitiaram a casa, e acabaram por tornar-se senhores não só dele mas de toda a família e criadagem.

O jovem é, então, longamente torturado[4], os pés assados sobre as brasas que ardiam na chaminé; tão logo ameaçava desfalecer, era reanimado para continuar a sofrer.

A cena perderia, para os carrascos, todo o seu tétrico sabor, se o pai e a mãe do pobre rapaz, bem como todo o pessoal da casa, não fossem obrigados a assistir ao bárbaro espetáculo.

A defesa de Rochefort-enTerre – Alexandre Block, 1885. Museu de Belas Artes de Quimper, na Bretanha (França).

Durante as seis horas que durou o suplício, o jovem chouan não cessava de repetir: “Meu Deus, meu Deus, é por Vós que tenho lutado, é por minha religião! Meu Deus, tende piedade de mim! Jesus, Maria, José, eu Vos ofereço meus sofrimentos”.

Ao amanhecer, uma ideia sacrílega vem à mente dos carrascos. Não longe dali, no caminho de Dompierre-du-Chemin, elevava-se uma cruz que a sanha laicista da Revolução não tivera tempo de abater – ali plantada, certamente, pelo zelo apostólico de um São Luís Grignion ou de algum de seus companheiros. Um soldado mais exaltado sugere, em tom sarcástico: “Este bandido[5] nos fatigou a noite inteira repetindo que combatia por seu Deus. Que ele morra, então, como seu Deus! Crucifiquemo-lo!”.

O supliciado é levado até o calvário, e logo começam os preparativos para cravá-lo na cruz, a despeito das súplicas dos parentes aí arrastados para presenciar a execução. Não fosse a chegada de um oficial republicano, que ordenou o imediato fuzilamento do chouan, teriam levado a cabo a monstruosa ação.

Uma hora mais tarde, chegavam a toda pressa Monsieur de Pontbriand e sua tropa, encontrando o cadáver ainda atado à cruz. Não podiam crer no que seus olhos viam…

Representação de um chouan

Perderam assim um devotado e fiel companheiro de tantas batalhas. Mas, com seu martírio, patenteou-se para eles, ainda mais, a maldade daquela Revolução, mascarada sob a idílica trilogia Liberdade, Igualdade, Fraternidade. E cresceu a certeza da santidade da luta a que se tinham consagrado.

* * *

Na atualidade, também nós vivemos sob o tacão de uma Revolução ateizante. Seus métodos não são – ao menos por ora… – principalmente os cruentos; não é menor, entretanto, sua maldade. Com o uso de possantes anestésicos, vem ela arrancando do Ocidente ex-cristão o que ainda lhe resta do seu mais precioso bem: a verdadeira Fé.

Que nosso mártir obtenha – para os que, como ele, resistem bravamente ao cetro diabólico dessa Revolução – a convicção da santidade da causa que defendem e a certeza da vitória!

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[1] Nome dado aos camponeses do noroeste da França que se levantaram em armas contra a Revolução Francesa.

[2] I Mc 3,59.

[3] Os soldados revolucionários, assim denominados em alusão à cor azul predominante em seu uniforme. Os contrarrevolucionários, dada a cor de seu estandarte, eram “les blancs”, os brancos.

[4] Fato narrado por Anne Bernet, em seu livro Histoire Générale de la Chouannerie (Paris: Éditions Perrin, 2016. P.440-1). O nome atribuído aqui ao personagem é fictício; a história parece não ter registrado seu nome real.

[5] Os revolucionários tratavam de brigands (bandidos) aos chouans, para desprestigiá-los junto ao povinho. Por esta narração, vê-se quem é o verdadeiro merecedor de tal título…

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