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Não ceder para não perder

Artigo do Príncipe Imperial do Brasil sobre a questão agrária e a tática errada de ceder para não perder.

É sempre com saudade que recordo os anos de minha infância, passados numa fazenda de café no norte do Paraná. Lembro-me do ambiente hospitaleiro e harmônico que lá reinava. Além de

chefe de nossa família, meu pai era, ao mesmo tempo, um pai para todos e para cada um dos seus colonos e agregados. Minha mãe, apesar dos cuidados com seus 12 filhos, sentia-se na obrigação de cumprir sua função social de ministrar aulas de catecismo para os filhos de seus empregados.

As legítimas e tão harmônicas desigualdades sociais impregnadas pelo espírito cristão, que conheci tão de perto, contrastam com o clima ácido e cheio de acrimônia espalhado hoje pelos agitadores que vêem no fazendeiro — no “latifundiário” — o inimigo a destruir e a eliminar. Tudo em nome do princípio filosófico da igualdade, segundo o qual qualquer desigualdade seria intrinsecamente injusta.

Ao fazer essas reflexões, e diante das graves agitações que assolam o campo, lançando a insegurança e até mesmo o medo por esse imenso, próspero e pacífico interior, decidi debruçar-me sobre uma das inúmeras obras em que Plinio Corrêa de Oliveira dissecou os métodos e as metas do agrorreformismo igualitário, que há décadas tenta investir contra a propriedade privada no Brasil.

Detive-me num tópico — “A conquista do poder pelos utopistas do igualitarismo” — em que o insigne pensador católico descreve a atuação das minorias coligadas em prol da implantação do que chamam de Reforma Agrária, a partir de três lances essenciais:

a) a propaganda “conscientizadora” revolucionária, destinada a fazer notar as “condições subumanas” em que todos vivem, e assim promover o descontentamento geral;

b) a “pressão moral libertadora”, também revolucionária, exercida por meio da agitação das massas “conscientizadas” para desestabilizar a ordem;

c) o golpe de força, isto é, a revolução e, se necessário for, a guerra civil.

Se alguém se detiver com acuidade sobre o noticiário e o analisar com isenção, terá a nítida impressão de que os acontecimentos se vão dispondo segundo uma seqüência determinada, que muito faz lembrar a citação acima.

A propaganda conscientizadora tenta assombrar-nos com o fantasma de uma fome que atingiria milhões de brasileiros. Para isso, usa números — contestados por estudiosos do assunto — que oscilam ao bel-prazer dos demagogos de plantão, como uma folha morta que sobe e desce ao sabor dos ventos.

A pressão moral libertadora, exercida pelas “massas” no recrudescimento da agitação agrária a que assistimos, age como alguém que aciona um interruptor e deslancha uma onda de distúrbios, saques e invasões promovidos pelo MST e congêneres, acolitados pela CPT.

Por fim, o golpe de força ou até a guerra civil. Quantas vozes não se levantaram e lançaram o alarme de que o nível das agressões perpetradas pelo MST e movimentos afins e a insegurança levada ao campo — acrescida da inexplicável passividade e até conivência de muitas de nossas autoridades — podem fazer brotar conflitos de conseqüências imprevisíveis?

Assistimos a uma manobra publicitária que nos tenta passar a idéia de um descontentamento que se alastra como fogo. Somos levados a esquecer a realidade do campo, em que milhões de brasileiros, juntamente com suas famílias, em clima pacífico e ordeiro, continuam a trabalhar e a produzir nas terras que adquiriram com seu esforço ou herdaram legitimamente. Desse modo, vão tornando o Brasil um verdadeiro gigante da agropecuária.

Entretanto o que ganha ressonância é o MST, seus profissionais da agitação e suas obscuras teses de uma agricultura coletivizada e sem propriedade privada. O movimento é até recebido no Planalto, em ambiente de aberta confraternização, e seus líderes proclamam ao País que não farão trégua porque ninguém a pediu. Ao mesmo tempo, anunciam que suas agitações não diminuirão enquanto não se fizer a Reforma Agrária que tanto pleiteiam.

Essa Reforma Agrária — tão acalentada e propagada pela “esquerda católica” — consiste numa imensa transformação, que visa a partilha compulsória e confiscatória de terras particulares, escudando-se para isso em mecanismos, como os índices de produtividade, alteráveis a qualquer momento por quem conduz o processo. Visa igualmente reduzir nossa estrutura fundiária a uma imensa rede de “assentamentos” — e não propriedades, note-se bem —, a maioria deles transformada em “favelas rurais” que vivem à custa de cestas básicas e programas assistenciais.

Diante desse quadro, causa-me perplexidade ver certos fazendeiros, alarmados com os riscos das invasões de propriedades e desacatos à ordem legal, proporem como paliativo uma Reforma Agrária dentro da lei. Julgam, assim, colocar-se fora do alcance da tormenta, cedendo para não perder, segundo uma velha máxima. Não percebem eles que o Brasil não necessita dessa Reforma Agrária. O modelo baseado na propriedade privada e na livre iniciativa está provando seu êxito no País. A esses fazendeiros, pois, sugiro uma outra máxima: não ceder para não perder.

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(Transcrito da “Folha de São Paulo”, 9-8-2003, p. 3)

Dom Bertrand de Orleans e Bragança, Príncipe Imperial do Brasil.

Artigo oferecido pela Revista Catolicismo.

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