A Cidade de Deus e a Cidade do Homem

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Castelo de Leeds, Kent, Inglaterra
Autor: Pe David F.

São Paulo distingue no ser humano – na primeira Epístola aos Tessalonicenses – o corpo, a alma e o espírito, enquanto em outras cartas se refere apenas ao corpo e à alma, como costuma ser apresentado na filosofia aristotélico-tomista. Ao tomar a divisão do homem em três partes, o Apóstolo atendia com certeza à mentalidade e à concepção helenistas de então.

Por ser próvido, Deus protege o homem, dispensando-lhe graças e ajuda, porque a qualquer momento o mal pode se abater sobre ele, tanto na alma quanto no corpo. Com bondade de Pai, Ele fala no fundo de seus corações palavras de confiança e de serenidade, conforme escreve o Abbé Thomas de Saint-Laurent no Livro da Confiança:

São Paulo Apóstolo
São Paulo Apóstolo
“Voz de Cristo, voz misteriosa da graça que ressoais no silêncio dos corações, Vós murmurais no fundo das nossas consciências palavras de doçura e de paz. Às nossas misérias presentes repetis o conselho que o Mestre dava frequentemente durante a sua vida mortal: confiança, confiança”.

Convém ressaltar que em outra passagem das Escrituras, Deus dá a entender que o germe de deterioração, como a cabeça de alfinete, pode aflorar com frequência nas regiões misteriosas do homem: “Porque a palavra de Deus é viva e eficaz e mais penetrante do que toda espada de dois gumes; chega até à separação da alma e do espírito, das junturas e das medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração. Não há nenhuma criatura invisível em Sua presença mas todas as coisas estão a nu e a descoberto, aos olhos daquele a quem falamos” (Hb. 4,12).

Deus, onisciente e sábio, desvenda os pensamentos humanos e penetra – para empregar a palavra dos Salmos – em seus próprios rins. Para discorrer sobre essas regiões insondáveis do homem, onde nascem as ideias e as resoluções, valemo-nos do velho Simeão ao se referir a Maria Santíssima: “E uma espada traspassará a tua alma, a fim de se descobrirem os pensamentos escondidos nos corações de muitos” (Lc. 2,35).

A cidade do Homem
Castelo de Leeds, Kent, Inglaterra

Confrontando os textos acima, ao utilizar a figura da espada que penetra até a medula ou junção da alma e do espírito, pode-se verificar a existência de uma região misteriosa na qual se originou sua imensa e profunda dor pela maldade dos homens. É aí que a Revolução, pelos atrativos do mundo, não mede esforços para desordenar as paixões humanas.

Por sua grandeza e excelência, o homem aspira pelo maravilhoso, pelo esplendor e pelas harmonias do unum, bonum, verum e pulchrum. A sua própria constituição ontológica tende para Deus e para tudo que espelha e reflete as perfeições divinas na criação. Tomemos o exemplo de uma criança inocente.

Ela gosta de ouvir contos de fadas, de princesas e de castelos, e de se admirar com eles; idem em relação aos jardins, às flores e às fontes; ela propende a cavalgar o épico e o maravilhoso da vida. Para desviá-la de tais tendências, a Revolução cria desenhos animados monstruosos, brinquedos obscenos que são verdadeiros monstros, velocidades siderais para quebrá-la psicologicamente.

Jorge III e Carolina de Brunsvique com os 6 filhos mais velhos

A criança torna-se agitada, nervosa e cheia de torcidas, perdendo assim as referências do respeito, do acatamento e da docilidade. Poder-se-iam acrescentar ainda as inúmeras alusões aos divertimentos eletrônicos, ao mundo virtual com experiências de novas sensações e cacofonias, que vão atuando nessas regiões profundas de sua alma, destemperando-a, desequilibrando-a para a vida.

As crianças assim deformadas rompem com a sua axiologia – isto é, com a ordem das coisas, que é naturalmente boa – e caminha rumo à negação de Deus, começando o mais das vezes por palavrões, violências e intemperanças de toda ordem. Isso se passa, voltamos a repetir, nas camadas mais profundas da alma, nas junturas onde o espírito se une com a alma.

A partir daí, o caminho para a ação preternatural, ou seja, diabólica, fica aberto para os inimigos de Deus através de uma nova forma no vestir-se, na maneira de se comportar e se expressar, no ver e julgar a realidade, resultando no rompimento do cristal da inocência que comprometerá o procedimento da pessoa.

Pelos novos hábitos, peca-se sem se dar conta de que se está distanciando da fé, de suas relações com Deus, com a Igreja, com o mundo criado no que ele tem de ordenado e deslumbrante. Perde-se também o equilíbrio na vida familiar, onde o pai representa o rei e a mãe, a rainha; quebra-se a harmonia no convívio e cada um vai se refugiar no seu próprio egoísmo.

Peca-se por não levar a vida segundo os ditames da fé e da prática da verdadeira caridade cristã, ao cultuar valores de uma dita cultura que prestigia o orgulho e a sensualidade, como a ideologia de gênero que vem sendo imposta em todo o mundo, inclusive aqui no Brasil. Todos esses males conduzem a pessoa a incorrer na presunção de ganhar o Céu sem nada fazer ou aprender para alcançar tão sublime benefício. E, ainda pior, a cair no desespero da própria salvação eterna.

 

Trabalho árduo e meticuloso que vem sendo levado a cabo pelos asseclas de Satanás no processo multissecular que se iniciou com a decadência da Idade Média, período histórico mais próximo da Cidade de Deus, a qual os referidos asseclas transformaram na Cidade do Homem, em cujos abismos nós hoje nos encontramos.

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