O economista Marcel Domingos Solimeo põe os pingos nos is a respeito da momentosa questão.
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Catolicismo — O Presidente da República afirmou ter sido surpreendido pela crise energética. Justifica-se essa surpresa?
Dr. Marcel Solimeo — Quem ficou surpresa foi a nação brasileira, não apenas ao tomar conhecimento da crise como com a afirmação do Presidente. A crise foi anunciada por diversos setores técnicos e empresariais, mas o governo não acreditou nas advertências.
Catolicismo — Qual a causa — ou causas — da crise de energia?
Dr. Marcel Solimeo — A causa principal foi a insuficiência dos investimentos no setor, que cresceram a uma taxa média anual de 2,6% entre 1991 e 2000, contra uma expansão do consumo de energia da ordem de 4,1% ao ano, no mesmo período. Outros fatores podem ser relacionados, como a falta de coordenação com que se deu a mudança do modelo do setor, de estatal para competitivo; a ausência de um marco regulador adequado ao funcionamento do novo modelo, que desse segurança para a realização dos investimentos privados; e a falta de articulação entre as agências envolvidas nas diversas formas de energia. Finalmente, a forte estiagem que assolou o País foi o fator desencadeador de uma crise anunciada, mas que poderia ter sido retardada por chuvas abundantes.
Catolicismo — Quem pode ser considerado o maior responsável pela crise?
Dr. Marcel Solimeo — Evidentemente o Governo. Tanto o Ministério de Minas e Energia como as agências reguladoras, mas não se pode deixar de assinalar a própria inconsistência do modelo, ao colocar as diferentes formas de energia sob controle de distintas agências reguladoras, sem qualquer mecanismo de coordenação entre elas. Também o atraso da privatização das geradoras foi de responsabilidade do Governo, embora tenha havido obstáculos jurídicos e políticos que dificultaram o processo.
Catolicismo — Pode-se atribuir à privatização alguma responsabilidade pela falta de energia?
Dr. Marcel Solimeo — Não. O problema da falta de energia é de geração, e 80% do segmento continua nas mãos do Governo.
Catolicismo — Alguns atribuem ao FMI a responsabilidade pela falta de investimentos em energia. Procede essa interpretação?
Dr. Marcel Solimeo — Essa é uma interpretação distorcida por desconhecimento ou má fé. O acordo com o Fundo prevê limite para os gastos públicos, mas não diz onde cortar. É o Governo que estabelece as prioridades quanto aos investimentos. Se não investiu em geração de energia, foi por não a considerar prioritária.
Catolicismo — A extrema dependência da energia de origem hidroelétrica constitui um risco?
Dr. Marcel Solimeo — O Brasil é dos poucos países do mundo que possui grandes disponibilidades de geração de energia de origem hidroelétrica, que é a forma mais barata de energia. Isto se constitui em uma vantagem comparativa para o País, que vem explorando setores industriais intensivos em consumo de energia, como a produção de alumínio, por exemplo. Essa vantagem não deve ser desprezada, embora as disponibilidades existentes para a construção de grandes usinas se encontrem em regiões mais distantes, o que implica em maiores custos de transmissão, mas ainda asseguram competitividade em relação às outras alternativas. Existe ainda um grande potencial para as usinas de pequeno e médio porte.
Catolicismo — A energia termoelétrica pode ser uma solução para a crise?
Dr. Marcel Solimeo — A energia termoelétrica pode ter um papel complementar, mas não substitutivo à energia hidroelétrica, porque depende de combustível importado, o que implica não apenas no dispêndio de divisas, que são escassas, como cria uma indesejável dependência de um insumo estratégico.
Catolicismo — E é viável a biomassa, ou seja, a utilização do bagaço de cana e outros produtos orgânicos para a produção de energia?
Dr. Marcel Solimeo — A biomassa pode desempenhar um papel importante na matriz energética do País, com a vantagem de incentivar o desenvolvimento do campo. Além disso, não exige grande volume de recursos, e tanto o setor sucro-alcooleiro como o de produção de equipamentos dominam a tecnologia e têm capacidade instalada, que exige apenas investimentos complementares.
Catolicismo — Qual a semelhança da crise brasileira com a da Califórnia?
Dr. Marcel Solimeo — As analogias entre as crises da Califórnia e do Brasil não fazem sentido, porque naquele Estado americano a geração de energia já era privada, e o que precipitou a crise foi uma intervenção do Governo nos preços ao consumidor, com a liberdade no atacado, além de aumento do preço dos combustíveis e de maiores restrições ambientais à construção de usinas.
Catolicismo — Quais são as perspectivas para o futuro no campo energético?
Dr. Marcel Solimeo — Provavelmente, o País deverá conviver por dois a três anos com insuficiência de energia, embora a crise deva ser atenuada com a oferta adicional de energia termoelétrica, redução do consumo e possível volta das chuvas. Existem, no entanto, muitos problemas regulatórios e de inconsistência do modelo de privatização que, além de incompleto pela falta da venda das usinas geradoras, não dispõe de mecanismos de articulação entre as diversas agências reguladoras. Também a carência de recursos para investimentos torna o setor dependente de capitais externos, em um período de dificuldades no mercado financeiro internacional.
Artigo oferecido pela Revista Catolicismo.