Não deixar o patrimônio enfraquecer, tal é realmente o fim a que visam todos os costumes medievais.
Por isso havia sempre um único herdeiro, pelo menos para os feudos nobres. Temia-se a fragmentação que empobrece a terra,dividindo-a ao infinito.
O parcelamento foi sempre fonte de discussões e de processos, além de prejudicar o cultivador e dificultar o progresso material, pois é necessário um empreendimento de certa importância para poder aproveitar os melhoramentos que a ciência ou o trabalho põem ao alcance do camponês, ou para poder suportar eventuais fracassos parciais, e em qualquer caso fornecer recursos variados.
O grande domínio, tal como existe no regime feudal, permite uma sábia exploração da terra. Pode-se deixar periodicamente uma parte em repouso, dando-lhe tempo para se renovar, e também variar as culturas, mantendo de cada uma delas uma harmoniosa proporção.
A vida rural foi extraordinariamente ativa durante a Idade Média, e grande quantidade de culturas foi introduzida na França durante essa época.
Isso foi devido, em grande parte, às facilidades que o sistema rural da época oferecia ao espírito de iniciativa da nossa raça.
O camponês de então não é nem um retardatário nem um rotineiro. A unidade e a estabilidade do domínio eram uma garantia tanto para o futuro como para o presente, favorecendo a continuidade do esforço familiar.
Nos nossos dias, quando concorrem vários herdeiros, é preciso desmembrar o fundo e passar por toda espécie de negociações e de resgates, para que um deles possa retomar a empresa paterna.
A exploração cessa com o indivíduo, mas o indivíduo passa, enquanto o patrimônio fica, e na Idade Média tendia-se para residir.
Se existe uma palavra significativa na terminologia medieval, essa palavra é mansão senhorial (manere, o lugar onde se está),o ponto de ligação da linhagem, o teto que abriga os seus membros passados e presentes, e que permite às gerações sucederem-se pacificamente.
Bem característico também é o emprego dessa unidade agrária que se denomina manse — extensão de terra suficiente para que uma família possa nela fixar-se e viver.
Variava naturalmente com as regiões: um cantinho de terra na gorda Normandia ou na rica Gasconha traz mais ao cultivador que vastas extensões na Bretanha ou no Forez.
A manse tem pois uma extensão muito variável conforme o clima, as qualidades do solo e as condições de existência. É uma medida empírica e — característica essencial — de base familiar, não individual, resumindo por si só a característica mais saliente da sociedade medieval.
Assegurar à família uma base fixa e ligá-la ao solo de qualquer forma, para que aí tome raízes, dê fruto e se perpetue, tal é a finalidade dos nossos antepassados.
Pode-se traficar com as riquezas móveis e dispô-las por testamento, porque por essência são mutáveis e pouco estáveis. Pelas razões inversas,os bens fundiários [N.T.: propriedades rústicas ligadas à terra, à agricultura, que são a base da economia medieval] são propriedade familiar, inalienáveis e impenhoráveis.
O homem não é senão o guardião temporário, o usufrutuário. O verdadeiro proprietário é a linhagem.
Uma série de costumes medievais decorrem dessa preocupação de salvaguardar o patrimônio de família.
Assim, em caso de falta de herdeiro direto os bens de origem paterna voltam para a família do pai, e os de origem materna para a da mãe, enquanto no direito romano só se reconhecia o parentesco por via masculina.
É o que se chama direito de retorno, que desempata de acordo com a sua origem os bens de uma família extinta.
Do mesmo modo, o asilo de linhagem dá aos parentes mesmo afastados o direito de preferência, quando por uma razão ou por outra um domínio é vendido.
A maneira como é regulada a tutela de uma criança que ficou órfã apresenta também um tipo de legislação familiar. A tutela é exercida pelo conjunto da família, e torna-se naturalmente tutor aquele cujo grau de parentesco designa para administrar os bens.
O nosso conselho de família é apenas um resíduo do costume medieval que regulava o arrendamento dos feudos e a guarda das crianças.
Na Idade Média se tem viva a preocupação de respeitar o curso natural das coisas, de não criar prejuízos quanto aos bens familiares, tanto que, no caso em que morram sem herdeiro aqueles que detêm determinados bens, o seu domínio não pode voltar para os ascendentes.
Procuram-se os descendentes mesmo afastados, primos ou parentes, evitando voltar esses bens para os que tiveram antes a sua posse: “Bens próprios não voltam para trás”.
Tudo isso pelo desejo de seguir a ordem normal da vida, que se transmite do mais velho para o mais novo e não volta para trás: os rios não voltam à nascente, do mesmo modo os elementos da vida devem alimentar aquilo que representa a juventude, o futuro.
Esta é mais uma garantia para o patrimônio da linhagem, que se transfere necessariamente para seres jovens, portanto mais ativos e capazes de o fazer valer mais longamente.
Por vezes, a transmissão dos bens faz-se de uma forma muito reveladora do sentimento familiar, que é a grande força da Idade Média.
A família (aqueles que vivem de um mesmo “pão e pote”)constitui uma verdadeira personalidade moral e jurídica, possuindo em comum os bens cujo administrador é o pai.
Pela sua morte, a comunidade reconstitui-se com a orientação de um dos filhos, designado portanto pelo sangue, sem que tenha havido interrupção da posse dos bens nem transmissão de qualquer espécie.
É aquilo a que se chama a comunidade silenciosa, de que faz parte qualquer membro da casa de família que não tenha sido expressamente posto “fora do pão e pote”.
O costume subsistiu até ao fim do Antigo Regime, e podem-se citar famílias francesas que durante séculos nunca pagaram o mínimo direito de sucessão. Em 1840, o jurista Dupin assinalava nessa situação a família Jault, que não o pagava desde o século XIV.
Em todos os casos, mesmo fora da comunidade silenciosa, a família, considerada no seu prolongamento através das gerações, permanece o verdadeiro proprietário dos bens patrimoniais.
O pai de família que recebeu esses bens dos antepassados deve dar conta deles aos seus descendentes. Seja servo ou senhor, nunca é o dono absoluto.
Reconhece-se a ele o direito de usar, não o de consumir, e tem além disso o dever de defender, proteger e melhorar a sorte de todos os seres e coisas dos quais foi constituído o guardião natural.