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A falência do sistema carcerário no Brasil

O Cel. PM Jairo Paes de Lira, Comandante da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (SP), experimentado conhecedor desse tema, analisa-o com coragem e penetração.

Cel. Paes de Lira

O público brasileiro já está infelizmente se habituando a um dos importantes fatores do processo de caos que vai se assenhoreando do País: a rápida deterioração do nosso sistema carcerário. Hábito esse perigoso, pois importa numa anestesia da opinião pública.

Quase diariamente a mídia publica matéria sobre rebeliões em presídios, sentenciados que são mortos por seus próprios companheiros, funcionários e familiares de detentos transformados em reféns, resgates e fugas audaciosas e espetaculares praticadas por criminosos etc., etc. E também a atitude quase sempre leniente e concessiva das autoridades em face de organizações de criminosos, cada vez mais fortes e arrogantes.

A rebelião simultânea, ocorrida em estabelecimentos penais do Estado de São Paulo no dia 18 de fevereiro último, constituiu um marco importante nessa sinistra escalada. E serviu também de ocasião para solicitarmos a nosso entrevistado – que em agosto de 1999 já havia concedido a Catolicismo substanciosa entrevista sobre o projeto de lei de desarmamento do Governo Federal – uma palavra esclarecedora sobre o candente tema.

O extenso e qualificado curriculum vitae do atual Comandante da Academia de Polícia Militar de São Paulo, brilhante oficial, credencia-o a abordar com segurança e experiência o assunto. Além dos cursos e simpósios de especialização em temas relacionados com a defesa da ordem pública, de que participou tanto no Brasil quanto no Exterior, o Cel. Paes de Lira exerceu importante papel de comando na operação militar que controlou a grande rebelião do Presídio de Sorocaba, ocorrida em 31 de dezembro de 1997 e 1º de janeiro de 1998.

Assim sendo, nosso entrevistado não é somente um abalizado conhecedor teórico da temática em questão: ele comprovou na ordem dos fatos a doutrina que expõe.

Catolicismo – Qual é a gênese da rebelião simultânea em estabelecimentos penais do Estado de São Paulo, desencadeada em 18 de fevereiro de 2001?

Cel. Paes de Lira – Não tenho dúvida de que o levante generalizado, que afetou simultaneamente a Casa de Detenção do Carandiru, 24 penitenciárias, duas cadeias públicas e ainda dois xadrezes de delegacias de polícia, ocorreu porque a política penitenciária praticada neste Estado, assim como em outras unidades federativas, nos últimos anos, por sua leniência, aos poucos ofereceu condição favorável à instalação e ao crescimento de facções criminosas relativamente organizadas dentro dos presídios, com ramificações, simpatizantes e braços armados fora deles.

O Congresso Nacional infelizmente tem aprovado, atendendo à pressão da área de direitos humanos do Governo Federal e das notórias organizações não-governamentais que atuam no País, leis que cada vez mais afrouxam o Código Penal, mas principalmente a Lei de Execuções Penais. Por corolário, uma enxurrada de privilégios foi pouco a pouco incorporada ao rol de direitos mínimos que todo recluso tem de ter, a ponto de banir do sistema penitenciário todo resquício de exercício da autoridade pública, subvertida também pelo alto grau de corrupção entranhado no sistema. O excesso de direitos – como o de ócio, o das eufemisticamente chamadas visitas íntimas, o de receber alimentos para estocagem nas celas, o de não usar o indispensável uniforme distintivo dos reclusos,  e outros – eliminou a disciplina presidiária. O sentido retributivo (*) da pena foi completamente abolido, por considerar-se“contrário aos direitos humanos dos internos” e à evolução histórica do Direito Penal.

(*) Sentido retributivo da pena: abrange o aspecto punitivo, conseqüência do crime. (Punitur quia peccatum est).

A par disso, quando a organização interna das facções criminosas começou a prosperar, a Administração Penitenciária, por ocasião das rebeliões que se foram tornando freqüentes, adotou a equívoca conduta de negociar quase a qualquer preço, firmando posição apenas no tocante a não transigir com fugas impostas mediante tomada de reféns. Os líderes dessas facções embrionárias logo se aperceberam da tática correta a adotar, em vista da disposição permanente em negociar: a obtenção de transferências planejadas, a fim de disseminar lideranças por todas as unidades do sistema prisional paulista. De fato, foram muito bem sucedidos nesse propósito, o que fica demonstrado pela notável articulação do movimento maciço a que se refere a pergunta.

Por outro lado, desde a grande rebelião do Presídio de Sorocaba, controlada a duras penas em uma operação policial militar comandada pelo Cel. Rui Cesar Melo, atual Comandante-Geral da Polícia Militar, por mim secundado, em 31 de dezembro de 1997 e 1° de janeiro de 1998, ficou claro, além de toda dúvida razoável, que os detentos decidiram-se a romper uma barreira psicológica crucial, até então verdadeiro tabu: a tomada, se bem que aparente, de reféns entre os seus próprios familiares, aproveitando-se das facilidades proporcionadas pela frouxidão do sistema, em dias de visitação. Esse fato, que constou com todas as letras em relatório encaminhado ao Governo pela Polícia Militar, deveria haver servido de alerta para a radical mudança de posição quanto ao suposto direito de “visita íntima”, de visita de crianças em convívio estreito nos pátios e celas, e de recepção de pacotes vindos do ambiente exterior, com pouco ou nenhum controle. Nada aconteceu e a política penitenciária permaneceu a mesma, em todos os seus itens negativos e perigosos. O que se viu em fevereiro último foi uma “Sorocaba multiplicada por cinqüenta”, em termos de gravidade e de número dereféns-adesistas.

A Lei de Execuções Penais é, por si só, fraca, mas os efeitos da sua prática agravam-se, quando a política concretamente aplicada vai além do próprio texto da lei.

No aspecto dos direitos humanos, cuida-se muito daqueles relativos aos internos, mas esquecem-se os das crianças e adolescentes, filhos deles, submetidos por seus pais e mães, nos dias de visita, à inominável violência de levá-los ao convívio brutal com facínoras dos mais perigosos, no ambiente degradante dos pátios e celas de cadeias. Crianças, desde tenra idade, expostas à visão de bacanais,  de espancamentos e ameaças de morte, de tráfico e consumo de entorpecentes, da exibição do prestígio armado das facções criminosas que mandam nas prisões. Mocinhas de 12, 13 anos, utilizadas pelos próprios pais, nesses dias de visitação que ombreiam com os festivais de Sodoma e Gomorra, como moeda de troca por entorpecentes, cigarros ou telefones celulares. Ou então, para aplacar a sanha de presos mais fortes, que exigem abusar dessas infelizes meninas, das mulheres e irmãs dos mais fracos, sob explícita ameaça de ajuste de contas, caso seja recusada sua maligna demanda. Tudo isso, inacreditavelmente, com o patrocínio do Estado.

Catolicismo – O Governo, a Polícia, dispunham de informações?

Cel Paes de Lira – Sim, havia dados suficientes para demonstrar o crescimento da capacidade de organização das facções criminosas atuantes no sistema prisional. Tais elementos encontravam-se, em especial, em relatórios insistentemente encaminhados pelo juiz aposentado Renato Laércio Talli, durante algum tempo Corregedor da Administração Penitenciária, aos seus superiores.

Catolicismo – O PCC é real? Quais as suas origens?

Cel Paes de Lira – Sim, o autodenominado Primeiro Comando da Capital (PCC) tem existência real, como facção criminosa relativamente organizada. Os estudos do Dr. Talli indicam que ele começou a estruturar-se em 1993, na penitenciária de segurança máxima de Taubaté, em que cumpriam pena os seus fundadores, mas ganhou contornos de organização quando eles foram transferidos para o complexo penal do Carandiru, na capital. O grupo escreveu um “estatuto”e lançou um manifesto lavrado de modo pseudopolítico, sob o lema “Paz, Justiça e Liberdade”. O estatuto impunha aos seus membros rígido comportamento de lealdade, sob pena de morte, e estabelecia bases de ação para a obtenção de privilégios, por meio da pressão permanente contra a Administração Penitenciária. A primeira grande rebelião comandada pela liderança original do PCC foi exatamente a do presídio de Sorocaba, já referida neste texto. Foi o primeiro teste quanto à utilização da massa de visitantes como supostos reféns, a fim de inibir a ação da Força Policial.

Catolicismo – Qual o controle interno que o PCC exerce sobre seus membros? Existe algum processo de iniciação secreta para a admissão deles?

Cel. Paes de Lira – Sempre segundo a investigação do juiz Talli, os membros são admitidos com base no histórico criminal, rejeitando-se aqueles que hajam praticado roubo, extorsão e violência sexual no interior da prisão (frise-se bem, no interior do sistema, não fora da cadeia). Passam por um rito iniciático denominado nada menos do que“batismo”, durante o qual juram lealdade e fidelidade aos princípios do“estatuto” e às lideranças, aceitando sentença de morte, especialmente no caso de deixar de contribuir com os “irmãos”, quando fora da prisão.

Catolicismo – Num manifesto do PCC havia alusão a Che Guevara. Há dados que falem em vinculação do PCC a partidos ou movimentos de esquerda?

Cel. Paes de Lira – Não consta do referido levantamento elemento algum em favor dessa hipótese. Além disso, em minha experiência recente de três anos e meio no trato com rebeliões em estabelecimentos prisionais, em todo o Estado, nunca localizei um só documento que fosse nesse sentido. É bem verdade que o manifesto do PCC utiliza-se de bordões como “liberdade, justiça e paz”“abaixo a opressão”, e define-se como “o braço armado contra o terror dos poderosos, opressores e tiranos”. Mas eles são disparados, sempre, contra a Administração Penitenciária, não contra o regime ou o governo em geral. Minha opinião é que a imagem de Guevara está sendo utilizada mais para conferir à facção contornos, por assim dizer românticos, de um partido ou sindicato que supostamente lute contra um sistema de poder brutal. Trata-se de uma forma de tentar atrair simpatias de certas parcelas da juventude, que têm na lembrança difusa do guerrilheiro comunista um referencial equívoco de luta pela liberdade.

Por outro lado, não tenho dúvida de que o PCC, para organizar-se, bebeu na mesma fonte do chamado Comando Vermelho (CV), facção criminosa atuante no Rio de Janeiro. Portanto, aprendeu na cartilha dos guerrilheiros comunistas das passadas décadas de 60 e 70, que transferiram aos criminosos comuns a sua doutrina de organização e as suas táticas urbanas de roubo a bancos e carros-fortes. Insuspeito autor, Gorender, fundador do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), confirma, na sua obra de suposta autocrítica, Combate nas Trevas, o modo pelo qual os criminosos comuns herdaram, entre os muros do antigo presídio Tiradentes, as técnicas de organização reivindicatória e as táticas de “expropriação”, dos participantes sobreviventes da aventura militarista da esquerda armada.

Catolicismo – Qual é o papel da corrupção no que toca a essa crise?

Cel. Paes de Lira – A corrupção no sistema prisional torna possível às facções criminosas obter, para emprego nas rebeliões, armas, material de resistência (barricadas, combustível e suprimento alimentar) e, principalmente, equipamento de telecomunicação. Esse último item foi fundamental para o sucesso do desencadeamento simultâneo da rebelião generalizada de fevereiro, bem como para a coordenação dela, a partir das lideranças espalhadas pelos diversos presídios. O telefone celular entra nas prisões por mãos de familiares dos presos e de advogados corruptos, assalariados em base até semanal do crime organizado: isso só pode ser obtido mediante omissão de fiscalização, a peso de ouro. Às vezes – o que resta também demonstrado nos relatórios do juiz Talli – é o próprio agente penitenciário corrupto o introdutor, a preço maior, certamente, por ser maior o risco a correr o mau funcionário.

Catolicismo – Que linhas, pela sua experiência, podem ser adotadas para solucionar a crise?

Cel. Paes de Lira – A crise no sistema penitenciário deve-se considerar estrutural. Exige-se, portanto, e creio que a sociedade paulista finalmente deixou bem clara essa demanda, uma reforma profunda na própria política para o setor. Emergencialmente, devem-se adotar certas medidas comuns em qualquer país civilizado, ao menos para  retomar o princípio da autoridade e a disciplina prisional:

·   Fiscalização eletrônica, e supervisionada, de pessoas e pacotes, em caráter permanente, para acabar com o ingresso de armas, drogas e celulares;

·   Proibição de visitas de crianças, exceto sem contato algum com os presos;

·   Proibição de “visitas íntimas”;

·   Limitação de visitas, em quantidade de pessoas, em tempo de duração e em periodicidade;

·   Monitoração visual e sonora das visitas, respeitando-se no entanto o sigilo da entrevista com advogado regularmente constituído;

·   Proibição de recepção de alimentos para estocagem nas celas;

·   Uso obrigatório de uniforme prisional;

·   Requalificação profissional dos agentes penitenciários;

·   Extinção das poucas masmorras ainda existentes no sistema;

·   Obrigatoriedade, para os internos, de trabalho para custeio do sistema;

·   Concentração dos líderes identificados em um único estabelecimento de segurança máxima, a fim de conter o processo de disseminação de liderança.

A reformulação que se impõe exige, é claro, mudanças legislativas. Mas o Congresso Nacional está em condições de votá-las rapidamente, atendendo aos reclamos da população, que não mais pode ser submetida à ameaça representada pelo exercício da arrogância de facções criminosas, dentro ou fora dos estabelecimentos prisionais deste Estado.

Artigo oferecido pela Revista Catolicismo.

2 COMENTÁRIOS

  1. As cadeias e a seca nordestina se tornaram empresas, improdutivas para o povo, mas lucrativas para os políticos oportunistas e corruptos.

    Existe uma verba destinada a minimizar o sofrimento do povo Nordestino, esta verba vem de Brasília; mas devido as tramitações e burocracias, tais verbas desaparecem, só chegam às migalhas as regiões secas, que deveriam beneficiar!

    E de longas datas, políticos vem trocando votos por balde de água, e lógico estão vendo conveniência em agir desta maneira; estão ganhando dinheiro com a seca, e votos para se manter no poder.

    E quanto às cadeias: Os políticos dizem que cada preso daqueles que estão embolados em pequenos cubículos, custam ao governo, digo ao povo que paga imposto, em torno de quatro mil e quinhentos reais!

    Imagine quanto não estão embolsando!

    Se um preso destes que estão embolados em pequenos cubículos, custa quatro mil e quinhentos reais mensais; quanto deveria ganhar um trabalhador para se manter e sustentar sua família?

    Nem uma faculdade custa tanto quanto dizem custar o preso; e vai dizer que as cadeias e os presídios são mais instrutivos que uma faculdade?
    Por isso, falam tanto em diminuir a idade penal, e em privatizar os presídios.

    Existe o interesse em se apossarem dos prédios públicos a preço de casca de banana, para lucrarem mais com as estadias dos marginalizados, que de caso pensado estão formando!

    Esta armação vem sendo articulada desde quando criaram a lei proibindo menores de trabalharem; e passaram a fazer passeatas para liberação das drogas, a distribuir kit gay nas escolas, a desviar as verbas que deveriam ser investidas em educação, saúde, moradia, segurança e infraestrutura.

    Estes gananciosos estão usando nossos impostos para formar os jovens que são o futuro da Nação, ou para formar vagabundos, gays, prostitutas, dependentes e viciados?

    Para que todos tenham uma oportunidade de vida digna, denunciem, não acobertem nem bajulem corruptos ou politico que tem varias aposentadorias, que acumulam cargos, como se pudessem estar em vários lugares ao mesmo tempo.

    Isso é roubo!
    E todo ladrão precisa ser punido, não só o pé de chinelo, que esta sendo usado de duas formas; uma como bode expiatório para dizer que eles são os responsareis pelo aumento da criminalidade e violência, e outra; para dar lucro aos bandidos políticos, integrantes do verdadeiro crime, que se organizou nas entranhas da Nação!

  2. Este circulo vicioso precisa ser denunciado.

    Somos roubados por ladrões de colarinho branco; que desviam deixando os pobres sem educação, às margens; portanto sem condições de vida.

    Depois somos as vitimas dos sem instruções; que por falta de opções, se tornam bandidos, marginais e ladrões.

    Justifica?
    Claro que não, mas seguiremos mostrando a realidade.

    E para prender tais ladrões, os políticos, ou seja; os bandidos corruptos, verdadeiros integrantes do crime organizado dentro do desgoverno, nos roubam em forma de superfaturamentos, “nas construções dos presídios”.

    Depois de superfaturarem em tais construções; passam a superfaturar na “estadia dos presos”.

    Se os políticos já buscaram a solução para obterem “suas vantagens pessoais”, como sempre; lucrando mais; para que vão buscar solução para os problemas da sociedade?

    Estes políticos corruptos estão vivendo é no bem bom, lucrando à custa da
    criminalidade, e da mal formada e desinformada sociedade.

    E eu vou acreditar que os três poderes, as três policias e estes políticos brasileiros são sérios?

    Ou são coniventes; ou então; são cegos e tapados.

    Ordem e progresso uma ova.
    Desta maneira, esta mais para: Ordens aos humildes e progressos aos canalhas, hipócritas e demagogos oportunistas!

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