continuação do post anterior: O banquete de Saumur
Enquanto punha ordem na França e preparava a Cruzada, São Luís executou um projeto que marca a França até hoje.
Em 1239, o Império de Bizâncio consignou a Coroa de Espinhos a banqueiros venezianos como penhor de uma dívida de 135.000 libras tournois.(5)
A quantia equivalia à metade das entradas do reino francês em um ano! Porém, se comparada com os orçamentos multibilionários dos governos atuais, parece exígua: aproximadamente R$ 84.620.700,00.
São Luís assumiu a dívida, com a condição de a relíquia ficar sob a guarda da casa real francesa, em uma negociação que poderia ser comparada a empréstimos atuais envolvendo o FMI e bancos multinacionais.
Assinados os acordos e apurada a autenticidade da relíquia, ela foi levada à França por religiosos dominicanos.
No dia 10 de agosto de 1239, o santo monarca, seu irmão o príncipe Roberto I de Artois e o Arcebispo de Sens receberam a Santa Coroa, conferiram seus registros de autenticidade e entraram em cortejo na cidade de Villeneuve-l’Archevêque, na França.
Descalços e vestidos com túnicas de penitentes, o rei e o príncipe trasladaram o relicário de ouro e sua caixa de prata até a catedral de Sens.
No dia 11 eles foram de barco até o castelo real de Vincennes, fora dos muros de Paris, e no 18 de agosto, carregando nos ombros o incomparável símbolo do Rei dos reis, o soberano e o príncipe penitentes entraram solenemente na capital em meio às aclamações populares.
No dia seguinte São Luís dispôs a construção da Sainte-Chapelle, para guardar definitivamente a sagrada relíquia, que entrementes ficou na basílica de Saint-Denis.(6)
E providenciou a aquisição de mais sete relíquias da Crucifixão, entre elas a do Santíssimo Sangue de Cristo, da Pedra que fechou o Santo Sepulcro, partes da Santa Lança e da Santa Esponja.
A edificação da Sainte-Chapelle custou 35.000 libras tournois, e o relicário da Coroa de Espinhos e demais relíquias da Paixão consumiram outras 135.000, devido ao ouro e às pedras preciosas empregados.
A Sainte-Chapelle foi concebida como um relicário gigante feito de cristal e pedra.
O movimento da luz através dos imensos vitrais muda o colorido interno e cria uma atmosfera irreal, verdadeiramente sobrenatural, onde a arte mais delicada e a espiritualidade mais alta se fundem num só, segundo Bordonove.
O imponderável faz esquecer as formidáveis colunas de pedra e as imensas portas da melhor madeira, convidando a alma para um voo místico.
O pensamento se descola da espessa matéria como que espiritualizada pela arte, para partir como um foguete rumo ao Céu. Na Sainte-Chapelle os valores culturais e espirituais assumem a pedra e a matéria como a alma se une ao corpo.
Que ninguém se engane, conclui o referido historiador: São Luís está presente na Sainte-Chapelle não porque as flores de lis da França e os castelos de Castela — símbolos de seu brasão — enchem os muros, mas porque na Sainte-Chapelle lateja a própria alma do santo estadista.
A Sainte-Chapelle [foto] é a capela do Palácio Real e, juntamente com suas relíquias, pertencia à Coroa, e não à Igreja, assentando aliança entre o Rei dos Céus e o rei da França.
A Coroa de Cristo legitimava a Coroa da França, sua vassala por excelência nesta Terra, e ambas se uniam como as duas faces de uma mesma medalha.
“Na linguagem dos liturgistas, a Coroa de Espinhos tornou-se um penhor de Deus confiado ao povo francês. Deus havia penhorado sua Coroa ao rei da França até o dia do Juízo Final, quando Jesus Cristo em pessoa viria bater na porta do Palácio Real de Paris para recobrar a posse da coroa de Seu Reino”.(7)
Até o fim do mundo, a monarquia francesa seria a guardiã da Coroa com que o Redentor julgará a humanidade e encerrará a História. As relíquias foram definitivamente instaladas e a capela consagrada em 26 de abril de 1248.
A pedido de São Luís, foi instituída uma festa litúrgica em 11 de agosto para comemorar a chegada da Santa Coroa à França. Dois meses depois da consagração, o Santo Rei partiu para sua maior campanha militar: as Cruzadas.
Oi Luiz
tudo bem? Tira uma dúvida por favor. Quem é o autor da frase anexada no artigo (“Na linguagem dos liturgistas a Coroa de Espinhos era…)?
Obrigado
Cathédrale Notre-Dame de Paris, La Couronne d’Épines, Association Maurice de Sully, Montligeon, 2014, pp. 29 e ss