Todos correram às armas e todas as máquinas movimentaram-se ao mesmo tempo. Os morteiros e os mandrões atiraram contra o inimigo uma chuva de pedras enquanto, com auxílio de tartarugas e de galerias cobertas, os aríetes aproximavam-se do pé das muralhas.
Godofredo de Bouillon estava na plataforma mais alta de sua fortaleza de madeira, acompanhado por seu irmão Eustáquio e por Balduíno de Bourg. Animava aos seus com o exemplo.
Todos os dardos que ele lançava, dizem os historiadores do tempo, levavam a morte entre os inimigos.
Não poderia igualar o furor do primeiro ataque dos cristãos.
Os infiéis saindo por uma brecha feita na muralha quiseram incendiar as máquinas dos cruzados e introduzirem a desordem no meio dos soldados.
Pelo fim do dia as torres de Godofredo e da Tancredo não podiam mais mover. A de Raimundo, Conde de Toulouse, estava quase derrubada.
O combate tinha durado doze horas, sem que a vitória parecesse pender para os católicos. A noite veio separar os combatentes fremindo de ira e de tristeza. Os chefes, principalmente os dois Robertos – Roberto da Normandia e Roberto de Flandes não podiam consolar, de que Deus “ainda não os tivesse julgado dignos de entrar na Cidade Santa e de adorar o Túmulo de Seu Filho Santíssimo.
De ambas as partes, a noite passou em meio das maiores apreensões. Todos deploravam as perdas e temiam sofrer outras maiores. Os muçulmanos temiam uma surpresa; os cruzados por sua vez receavam que os muçulmanos queimassem as máquinas que haviam deixado junto as muralhas. Os inimigos ocuparam-se sem demora em restaurar as brechas produzidas pelos aríetes. Os cruzados arrumaram os estragos das máquinas, para pô-las novamente em condições de serem usadas na batalha.
O segundo assalto
O dia seguinte trouxe os mesmos combates e os mesmos perigos do dia anterior.
Cheio de confiança na vitória, o exército cristão, tomou armas e avançou em silêncio para o lugar do ataque. O clero fazia uma procissão ao redor da Cidade Santa.
Os infiéis dirigiam-se principalmente para a torre de Godofredo, sobre a qual luzia uma cruz de ouro, cujo brilho lhes provocara um furor ultrajoso. O Duque de Lorena tinha visto cair ao seu lado um de seus escudeiros e vários soldados.
Ele mesmo, alvo dos dardos dos inimigos, continuava a combater, no meio dos mortos e feridos, e não deixava de exortar seus companheiros a dobrarem a coragem e o ardor. O conde de Toulouse, que atacava a cidade ao sul, punha todas as suas máquinas as dos muçulmanos; ele tinha que dar combate ao emir de Jerusalém que aparecia nas muralhas, rodeado pela elite dos soldados infiéis. Do lado norte, Tancredo e os Robertos estavam à frente de seus batalhões. Imóveis sobre sua fortaleza rolante, eles mostravam-se impacientes em se servirem da lança e da espada. Já seus aríetes tinham, em vários pontos abalados as muralhas por trás das quais os inimigos comprimiam suas fileiras e se ofereciam como última defesa.
Veio um cavaleiro celeste
Caiam sepultados pelas ruínas das torres, e as chamas devoravam até seus escudos e vestes. Árduos guerreiros dos mais intrépidos, tinham encontrado a morte aos pés das muralhas.
Um grande número dos que subiam as torres rolantes, tinham sido posto fora de combate. Os outros cobertos de suor e de poeira oprimidos pelo peso das armas e do calor, começavam a perder a coragem.
Os infiéis, percebendo o desânimo dos nossos, soltavam gritos de alegria. Em suas blasfêmias, recriminavam os cristãos por adorar um Deus que não podia defendê-los. Os cruzados deploravam sua sorte e, julgando-se abandonados por Jesus Cristo, ficavam imóveis no campo de batalha.
Mas o combate iria bem depressa mudar de fisionomia. Viu-se aparecer no Monte das Oliveiras um cavaleiro agitando o escudo e dando sinal ao exército cristão para entrarem na cidade.
Godofredo e Raimundo, que por primeiros, viram o cavaleiro celeste, exclamaram que São Jorge vinha em auxílio dos cristãos.
O cavaleiro Celeste inflamou os cruzados um novo ardor.
Por fim a conquista
A de Godofredo avançou em meio de uma terrível carga de pedras, de dardos, de fogo grego, e encostou sua ponte levadiça sobre a muralha.
Dardos incandescentes voavam ao mesmo tempo das outras máquinas dos cruzados, contra os sacos de palha e fardos de algodão, que recobriam os últimos muros da cidade. O vento aumentou o incêndio e levou as chamas contra os muçulmanos.
Estes, envolvidos por turbilhões de fogo e de fumaça, recuavam ao aparecer das lanças e das espadas dos cristãos.
Godofredo, precedido por dois irmãos: Letado e Engelberto, Guincher, Bernardo de Saint-Vallier, Ameseu, Balduíno de Bourg, Eustáquio e Reimbaud, atacavam os inimigos, e lançavam-se em sua perseguição, dentro de Jerusalém. Todos os valentes que combatiam na plataforma da torre, seguiam o intrépido chefe, penetraram com ele nas ruas e massacraram todos os que encontraram à passagem. Uma multidão de valentes seguia-os de perto.
Uns entravam por uma brecha recém aberta, outros subiam os muros, com escadas, muitos lançavam-se do alto das torres de madeira. Os muçulmanos fugiam de todos os lados e Jerusalém reboava com os gritos de “Deus o quer!”.
Os companheiros de Godofredo e de Trancredo derrubavam a golpe de machado a porta de Santo Estevão e a cidade abriu-se à multidão dos cruzados que se comprimia à entrada e disputavam a honra de dar os últimos golpes nos infiéis. Somente Raimundo encontrou nesta altura alguma resistência. Avisado da conquista dos cristãos pelos gritos dos muçulmanos, pelo fragor das armas e pelo tumulto que ouviu na cidade, ele reanimou à coragem dos seus soldados.
Este impaciente por alcançar seus companheiros, abandonaram as torres e as máquinas que não faziam mover. Apertando-se nas escadas e auxiliando-se mutuamente, chegaram ao alto das muralhas: eram precedidos pelo Conde de Toulouse, por Raimundo Pelet, e pelo Bispo de Bir, pelo Conde de Die, por último Guilherme de Sabran. Nada podia conter seu impetuoso ataque. Eles dispersavam os muçulmanos que se iam refugiar com seu emir na fortaleza de David. Todos os cruzados reunidos em Jerusalém abraçavam-se de alegria e só pensavam em perseguir em sua vitória.
No entanto o desespero reuniu ainda mais os guerreiros maometanos. Eles irromperam sobre os cristãos que avançavam em desordem ao saque. Estes começavam a recuar diante do inimigo que lhe havia vencido, mas Everaldo de Pusais, de quem Raul de Caem celebrou a sua frente e levou novamente o terror ao meio dos infiéis. Desde e então os cristãos não tiveram mais inimigos a combater.
Na hora em que Nosso Senhor morreu, Jerusalém foi libertada.
A história faz notar que os cristãos entraram em Jerusalém numa sexta-feira às três horas da tarde, a hora em que Nosso Senhor morreu para a salvação dos homens.
Encheram de sangue e de luto aquela Jerusalém que acabam de libertar e que consideravam como sua futura pátria. A matança tornou-se geral: os que escapavam aos ferros dos soldados de Godofredo iam acabar nas mãos dos provençais igualmente indignados. Os muçulmanos eram assim massacrados nas ruas e nas casas. Jerusalém não tinha asilos para os vencidos. Alguns somente puderam escapar da morte saltando das muralhas. Outros corriam em massa para refugiarem-se no palácio, nas torres e principalmente nas mesquitas. Onde não se furtavam a perseguição dos cristãos. No meio do mais horrível tumulto, só se ouviam gemidos e gritos de morte; os vendedores caminhavam sobre montes de cadáveres para alcançar aqueles que procuravam inutilmente fugir. Raimundo D’Agles testemunha ocular, diz que no Templo e sob os pórticos das mesquitas o sangue chegava aos joelhos dos cavalos.
Visita ao Santo Sepulcro
O piedoso Godofredo, depois da vitória, deixou seus companheiros e seguido por três servos, armado, descalço, à Igreja do Santo Sepulcro.
A notícia desse ato de devoção espalha-se no exército cristão e todas as vinganças, todo furor, acalmaram-se. Os cruzados despojados de seus hábitos ensangüentados, faziam ressoar Jerusalém inteira com seus cânticos de piedade. Levados pelo clero, caminhavam junto, descalços e de cabeça coberta para a Igreja da Ressurreição. O piedoso fervor dos cristãos suspendeu as cenas de matança.
Historiadores orientais, como os latinos, disseram que o número de muçulmanos mortos em Jerusalém ultrapassou setenta mil.
Os judeus não foram menos poupados que os muçulmanos. Incendiaram as sinagogas onde se haviam refugiado e todos pareceram no meio das chamas.
Bem depressa a cidade de Jerusalém apresentou um novo espetáculo. No espaço de pouco dias havia mudado de Religião, de leis, e de habitantes.
Direito de conquista
Antes do último assalto havia-se combinado segundo o costume dos cruzados, que cada guerreiro ficaria proprietário da casa e do edifício no qual por primeiro houvesse penetrado. Uma cruz, um escudo ou qualquer outro sinal colocado sobre a porta, era os vencedores de um título de posse.
Esse direito de propriedade foi respeitado pelos soldados ávidos do saque e viu-se bem depressa reinar a maior ordem numa cidade que acabava de ser entregue à Guerra.
Encontro da verdadeira Cruz
Mas os cruzados desviaram depressa as suas vistas dos tesouros prometidos, para admirar uma conquista muito mais preciosa ao seus olhos. Era a verdadeira Cruz, levada da cidade por Coroés, rei da Pérsia e trazida de novo a Jerusalém por Heraclito, Imperador do oriente. Os cristãos encerrados na Cidade Santa tinham-na escondido durante o cerco, da sanha dos infiéis.
“Como esse objeto — diz velha crônica — ficaram tão contentes que como se tivesse visto o corpo de Nosso Senhor pendente na mesma, e foi levada em triunfo pelas ruas de Jerusalém e recolocada na Igreja da Ressurreição.
Nossa! como a história da igreja é bela e tão rica!
Pena que poucos católicos não a conhecem.