Uma sociedade orgânica

O Tirol tradicional, suas instituições, seu pitoresco, sua “garra” Influi muito na alegria de quem recebe um presente, não só o valor deste, mas também a consideração do doador. Ideal mesmo é quando à excelência do dom se soma a alta qualidade moral e simbólica de quem dá.

Assim, foi grande minha satisfação ao receber das mãos do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, cuidadosamente encadernadas, cópias xerox contendo a parte mais interessante de um livro francês que ele acabara de ler. Com a vantagem adicional de que as cópias, como é natural, reproduziam as marcas e pequenos comentários à margem, feitos por ele ao longo da leitura.

Sobre as excelências do doador, não é com os leitores de Catolicismo que preciso estender-me. Nem seria suficiente um artigo para isso. Digo apenas que fiquei comovido. E para tornar o leitor, de algum modo, participante de meu presente, falo-lhe do livro.(*)

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Ao iniciar o relato da heróica resistência comandada por Andreas Hofer nas montanhas do Tirol, nos Alpes, contra as tropas de Napoleão Bonaparte –– e contra os princípios revolucionários que inculcavam –– as 73 primeiras páginas do livro, as que ganhei, descrevem o Tirol, visto em sua História, seus costumes, suas instituições, sua fé, em sua relação com o grande todo constituído pelo Império austriaco. É o melhor da obra. Sente-se aí o perfume de uma sociedade profundamente orgânica, entranhadamente católica.

De 1363 a 1918, o Tirol –– hoje repartido entre a Áustria e a Itália –– fez parte do

império dos Habsburgos, conservando entretanto sua autonomia e seus costumes. Uma estatística feita em 1787 dava conta da existência de 600 mil habitantes, distribuídos por 18 cidades, 20 burgos e 2600 aldeias.

A Dieta (assembléia representativa que se reunia por convocação do soberano) decidia sobre impostos, regulamentação do comércio, administração provincial, águas, florestas, direito de caça, etc. Anualmente reunia-se uma extensão da Dieta, o “Pequeno Comitê”. Havia ainda um capitão de Província, nobre tirolês que velava pela defesa da região, pela manutenção de suas antigas liberdades e protegia a Religião católica. Tinha ele, ademais, funções judiciárias e cuidava da ordem interna.

As milícias tirolesas não podiam ser requisitadas para fora do território da província. Caso a Áustria entrasse em guerra, o Tirol só a acompanharia se aprovado por sua Dieta.

“Nas cidades –– diz o livro –– a pequena nobreza trabalha a serviço da Província ou do Estado, naquilo que hoje chamamos funções públicas. No campo, ela é proprietária, mas pouco rica, vivendo em contato permanente com os camponeses, dos quais a separa apenas uma pequena distância. Freqüentemente os nobres são eleitos capitães pelas companhias de soldados, as quais têm uma função essencial de coesão social”.

40% dos camponeses são proprietários, os outros são arrendatários ou colonos, todos são livres. Ao lado da indústria de extração mineral e do comércio, “um artesanato qualificada trabalha o vidro, o ferro, faz tapetes, com reputação que ultrapassa os limites da Província”. A cidade de Bozen mantém quatro feiras anuais, atraindo suíços, alemães e italianos.

Povo profundamente católico, multiplicam-se no Tirol oratórios e calvários, a Missa dominical é por todos assistida de joelhos, e são habituais as orações antes e depois das refeições, as festas religiosas, procissões, etc. É ponto de honra a fidelidade ao Imperador.

As roupas são coloridas e variadas, e os objetos de uso diário freqüentemente constituem pequenas obras-primas de artesanato. Canto, dança e teatro em profusão, numa cultura popular estuante de vitalidade.

Foi “esta sociedade católica, monárquica, aristocrática e camponesa, tudo ao mesmo tempo, que teve de sofrer o choque da Revolução”, vinda da França. Daí seu horror a ela e sua heróica disposição de luta.

(*) Jean Sévillia, Le Chouan du Tyrol –– Andreas Hofer contre Napoléon, Perrln. Paris, 1991.

Texto publicado originalmente na revista Catolicismo em abril de 1992.

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