Em lugar de aperfeiçoar o antigo Código Civil de 1916, mesmo retificando alguns pontos, o novo introduziu inovações profundas e malsãs, que aberram da grandiosa vocação cristã que a Providência Divina generosamente concedeu a nosso País.
No Monte Sinai, Deus revelou a Moisés os 10 Mandamentos (Decálogo), por isso mesmo chamados de Lei divina. |
No Monte Sinai, Deus revelou a Moisés os 10 Mandamentos (Decálogo), por isso mesmo chamados de Lei divina. E revelou-os para que, conhecendo-os e praticando-os, os homens pudessem chegar à salvação eterna de suas almas.
Mas os Mandamentos são, na realidade, uma expressão perfeita e resumida da Lei natural, esse conjunto de normas implícitas que Deus gravou na consciência de todos os homens. De tal modo gravou, que todos nós sabemos, por exemplo, sem necessidade que nos ensinem, que não devemos matar. Ou que devemos respeitar nossos pais e superiores. A Lei natural contém as normas que ordenam os atos do homem.
Abaixo da Lei natural, é preciso também que haja leis positivas, feitas pelos próprios homens. Elas especificam, tornam claros e completam preceitos que, por vezes, são apenas vagos. Por exemplo, é de Lei natural que as crianças sejam dependentes de seus pais e que os adultos sejam donos de seus atos. Mas a Lei natural não nos diz qual é a idade em que uma pessoa passa do estado de criança para o de adulto. Compete à lei positiva completar e determinar esse limite. O Código Civil é uma manifestação da lei positiva.
A lei civil não pode contrariar a Lei divina
A lei positiva deve também orientar-se pelos usos e costumes legítimos de cada povo e de cada época. Os esquimós, que vivem em meio às geleiras, necessariamente terão uma legislação diferente da dos povos sujeitos aos calores tórridos da linha do Equador. E o homem que outrora só usava para sua higiene pessoal a água dos rios tem obrigações diferentes daquele que dispõe de água quente encanada dentro de casa.
Mas a lei positiva, por ser uma lei humana, deve respeitar e estar subordinada à Lei natural, de origem divina. Segundo a lapidar frase de Santo Agostinho, “é justo que todas as coisas sejam ordenadíssimas”. Por isso, a lei civil não pode contrariar a Lei divina. Mais ainda: as leis inferiores devem favorecer a prática das leis superiores — a lei civil deve facilitar a prática da Lei divina e, na medida do possível, impedir a sua violação.
Uma lei civil só é justa enquanto deriva da Lei natural. Negar o Direito Natural é negar o fundamento de toda a legislação positiva. Ora, o primeiro princípio da Lei natural é que “o bem deve ser feito, e o mal evitado”. Nesse sentido, o Código Civil brasileiro, que em breve entrará em vigor, em vários de seus artigos colide com a Lei natural e a Lei divina, sendo altamente censuráveis tais dispositivos, que deveriam por isso ser modificados.
O novo Código Civil em face do Decálogo
O Código Civil encerra o conjunto de dispositivos que regem o dia-a-dia do cidadão comum. Interessa bem de perto a todos os brasileiros, portanto a mim e ao senhor, prezado leitor.
Seria um trabalho atraente, mas extenso e difícil, comparar os 2.046 artigos do novo Código Civil – já sancionado em 10 de janeiro de 2002, mas que só deverá entrar em vigor em 11 de janeiro de 2003 – com os princípios e o espírito dos 10 Mandamentos. É tarefa de grande vulto, que não cabe num trabalho limitado como este.
Nosso objetivo aqui é imensamente mais modesto. Trataremos apenas de pegar com pinça alguns poucos dispositivos da nova lei civil e compará-los com dispositivos análogos existentes no anterior Código, elaborado por Clóvis Bevilacqua, que entrou em vigor em 1º de janeiro de 1917 e sofreu, ao longo dos anos, modificações em vários de seus artigos. E, com base nessa comparação, responder a seguinte pergunta: em face da Lei natural, consubstanciada no Decálogo e admiravelmente interpretada pelo Magistério tradicional da Igreja Católica, o que pensar das mudanças efetuadas?
É preciso ter presente que, das “novidades” estampadas na nova lei civil, muitas já faziam parte de leis anteriores promulgadas durante os últimos governos, ou da própria Constituição, e diversas delas haviam até sido incorporadas ao Código Civil. É o caso, por exemplo, da proteção aos silvícolas. Quando os dispositivos que citamos do antigo Código correspondem a uma redação posterior a 1916, a data vem por nós assinalada. Os sublinhados são sempre nossos.
Para facilitar o entendimento da matéria
Para melhor compreensão da matéria, apresentamos a seguir, na coluna da esquerda, dispositivos do Código de Clóvis Bevilacqua; e na coluna da direita, de modo comparativo, prescrições correspondentes da nova lei civil. Abaixo, ocupando toda a largura da página, um comentário referente à temática exposta nas duas colunas imediatamente superiores.
Código de 1916/7
Lei 3.071 de 1º/1/1916 Art. 6º, III, § único _ Os silvícolas ficarão sujeitos ao regime tutelar, estabelecido em leis e regulamentos especiais, o qual cessará à medida que se foremadaptando à civilização do país. (Redação de 1962) |
Código de 2002/3
Lei 10.406 de 10/1/2002 Art. 4º, IV, § único _ A capacidade dos índios será regulada por lei especial. |
Comentário
Não se fala mais em adaptar os índios à civilização do país. Pois, segundo as novas teorias indigenistas, derivadas de filosofias absurdas como o estruturalismo, a ecologia exacerbada e outras, o estado selvagem seria superior ao civilizado. Assim sendo, o indígena deveria ser conservado nos costumes selvagens de seus antepassados, e o civilizado deveria ser encaminhado para a barbárie, conforme denúncia feita pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
Art. 1079 A manifestação da vontade, nos contratos, pode ser tácita, quando a lei não exigir que seja expressa. | Art. 421 – A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. |
Comentário
Aparece a figura da “função social do contrato” para limitar e mesmo condicionar a vontade das partes contratantes. É o tributo pago pelo novo Código à mania do “social”, que vem servindo de curinga para enfraquecer e mesmo desmantelar toda estrutura tradicional do relacionamento civil. Em nome do “social” golpeia-se a propriedade, interfere-se na família, envenenam-se as relações entre as pessoas, promove-se a luta de classes. Note-se que o art. 421 não define o que seja essa “função social”, deixando assim perigosamente os contratos ao arbítrio das interpretações mais espúrias e mais loucas, podendo mesmo chegar à idéia comunista de “social”.
Art. 501 _ O possuidor, que tenha justo receio de ser molestado na posse, poderá impetrar ao juiz que o segure da violência iminente,cominando pena a quem lhe transgredir o preceito. | Art. 1210 _ O possuidor tem direito a ser […] segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. |
Comentário
A proteção ao direito do possuidor contra uma violência iminente foi fragilizada. Mesmo que ele obtenha do juiz um interdito proibitório para defender sua posse, o novo Código não fala mais em penalidade a ser imposta a quem transgredir o interdito. Ora, tal enfraquecimento da proteção ao direito legítimo faz-se justamente nesta época em que hordas de invasores de terras (MST etc, muitas vezes insuflados pela CPT) perambulam impunemente pelo território nacional, ameaçando ora esta, ora aquela propriedade. De que vale, ao proprietário ameaçado, buscar a proteção judicial prévia, se esta não mais intimida os potenciais invasores? O próprio Poder Judiciário fica desmoralizado ao conceder uma proteção que não tem efeitos práticos, e que mais se assemelha a uma empada vazia.
Art. 503 _ O possuidor manutenido, ou reintegrado, na posse, tem direito à indenização dos prejuízos sofridos, operando-se a reintegração à custa do esbulhador, no mesmo lugar do esbulho. | Não há equivalente. |
Comentário
Foi supresso o artigo do Código anterior que obrigava o esbulhador _ por exemplo, os líderes do MST ou seus sequazes _ a pagar não só os danos causados à propriedade e os lucros cessantes, como também o custo da reintegração de posse (despesas com advogados, taxas judiciais, apoio logístico à força policial encarregada da reintegração etc). Ou seja, o proprietário sofre a invasão e ainda tem de desembolsar todo o necessário para ser reintegrado na posse. Se for pobre e não puder pagar, tem de abandonar a propriedade aos invasores. Enquanto isso, os invasores se abanam!
Não há equivalente. | Art. 1228, § 1º _ O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.
§2º […] §3º _ O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação por […] interesse social […] |
Comentário
Estas restrições ao “exercício” do direito de propriedade, redundam evidentemente em restrições ao próprio direito. São elas caudatárias da onda socialista que flagela o mundo contemporâneo, a qual faz com que cada vez mais vão sendo cerceados os direitos dos indivíduos em favor da coletividade. Melhor diríamos, do coletivismo comuno-socialista, pois a sociedade autêntica só tem a perder com o enfraquecimento dos direitos individuais. A força de uma corrente está na força de seus elos. A propriedade golpeada, a família dissolvida, o indivíduo enfraquecido, acabam por constituir um magma social inconsistente, ao sabor das utopias do momento ou quiçá de um tirano superveniente, chame-se ele Lenine, Hitler ou outro nome qualquer.
O parágrafo 1º do art. 1228 encontra-se ademais influenciado a fundo pelas modernas doutrinas ecológicas que, abstraindo da existência de um Deus pessoal, acabam por divinizar a natureza, alçando-a à condição de absoluto.
Estamos longe de afirmar que o direito de propriedade _ como qualquer outro direito — deva ser exercido sem nenhuma preocupação social ou de sadia preservação da natureza. Tal preocupação deve existir, ela é legítima e até necessária. Mas deve ser fruto de uma reta formação moral das famílias e dos indivíduos, e não imposta de cima para baixo por um Estado onipresente, que age segundo os ventos e os pruridos da ocasião.
Por tudo isso, é clara a doutrina católica sobre o direito de propriedade:
1_”Fique bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular” (Leão XIII, Encíclica Rerum Novarum).
2_”É alheio à verdade dizer que se extingue ou se perde o direito de propriedade com o não uso ou abuso dele” (Pio XI, Encíclica Quadragesimo Anno).
3_”O direito de propriedade privada, mesmo em relação a bens empregados na produção, vale para todos os tempos. Pois depende da própria natureza das coisas, que nos diz ser o indivíduo anterior à sociedade civil e, por este motivo, ter a sociedade civil por finalidade o homem” (João XXIII, Encíclica Mater et Magistra).
Não há equivalente. | Art. 1230 _ A propriedade do solo não abrange as jazidas, minas e demais recursos minerais, os potenciais de energia hidráulica, os monumentos arqueológicos e outros bens referidos em leis especiais. |
Comentário
Esta é uma tendência crescente nas legislações posteriores à Revolução Francesa de 1789, que consiste em depauperar cada vez mais o alcance do direito de propriedade e da iniciativa particular, em favor do fortalecimento de um Estado sabe-tudo, pode-tudo, providencia-tudo, abarca-tudo. É a estatização que avança com prejuízo da sociedade orgânica. A doutrina pontifícia é muito esclarecedora a esse respeito:
1 _ “Ao observar o andamento de certos congressos, mesmo católicos, em matérias econômicas e sociais, pode-se notar uma tendência sempre crescente para invocar a intervenção do Estado, de modo que se tem por vezes como que a impressão de que esse é o único expediente imaginável. Ora, sem dúvida alguma, segundo a doutrina social da Igreja, o Estado tem seu papel próprio na ordenação da vida social. Para desempenhar esse papel, deve mesmo ser forte e ter autoridade. Mas os que o invocam continuamente e lançam sobre ele toda a responsabilidade, o conduzem à ruína e fazem mesmo o jogo de certos poderosos grupos interessados” (Pio XII, Discurso ao VII Congresso da UCID, em 7-3-1957).
2 _ “Deve-se afirmar que no campo econômico a parte principal compete à iniciativa privada dos cidadãos, quer ajam isoladamente, quer associados de diferentes maneiras a outros para a consecução de interesses comuns” (João XXIII, Encíclica Mater et Magistra).
Art. 527 _ O domínio presume-se exclusivo
e ilimitado, até prova em contrário. |
Art. 1231 _ A propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário. |
Comentário
Note-se a substituição da palavra “ilimitado” por “plena”. Na prática não muda muito. Mas a idéia de que o domínio do proprietário sobre a coisa normalmente não tem limite, desagrada profundamente a sensibilidade coletivista dos teóricos do socialismo em nossos dias.
Art. 233 _ O marido é o chefe da sociedade conjugal, função que exerce com a colabo-
ração da mulher, no interesse comum do casal e dos filhos. (Redação de 1962) |
Art. 1511 _ O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges.
Art. 1631, § único – Divergindo os pais quanto ao exercício do poder familiar, é assegurado a qualquer deles recorrer ao juiz para solução do desacordo. |
Comentário
Demole-se a figura do chefe de família em aras ao princípio igualitário, que há séculos vem corroendo toda a civilização ocidental e toda hierarquia legítima. Afogados nessa mesma igualdade, perecem a autoridade paterna e a especificidade das virtudes da mulher, esposa e mãe.
Em substituição à autoridade do marido, adota-se o princípio de que as divergências sejam resolvidas pelo juiz. É a introdução nefasta do Estado no seio da família, para ditar normas sobre o que devem fazer ou deixar de fazer seus componentes. É uma medida totalmente antinatural e demolidora da família, afronta o princípio da função apenas subsidiária do Estado, aproxima-se do comunismo e coloca o Estado – reconhecidamente mau administrador das coisas privadas – como o verdadeiro chefe supremo da família. É um princípio profundamente anticristão.
Ensina a Sagrada Escritura, pela pena do Apóstolo São Paulo:
“As mulheres sejam sujeitas a seus maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é cabeça da Igreja …. Assim como a Igreja está sujeita a Cristo, assim também as mulheres a seus maridos” (Ef 5, 21-24).
Não há equivalente. | Art. 1240, § 1º _ [Usucapião] O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. |
Comentário
É mais uma aplicação do princípio de que não existe chefe de família. Trata-se de uma comunidade bicéfala ou acéfala, conforme se prefira. Este artigo, ademais, é bastante bizarro em suas conseqüências. Não só a mulher casada poderá adquirir o título de proprietária, em detrimento do marido, como também a concubina. O ideal de família cristã passa a léguas desta legislação.
Art. 9º, § 1º, I – Cessará para os menores a incapacidade, por concessão do pai, ou, se
for morto, da mãe […] (Redação de 1931) |
Art. 5º, § único, I – Cessará para os menores a incapacidade pela concessão dos pais, ou de um deles na falta do outro […] |
Comentário
O pai não exerce mais o pátrio poder sobre os filhos menores, o qual é dividido com a mãe em igualdade de condições. Esfacela-se a figura da autoridade única no lar, sujeitando os filhos menores a um poder freqüentemente dividido. Imagine-se uma nação que tivesse dois presidentes da República governando em igualdade de condições… Pobre nação!
Art. 183, VII _ Não podem casar o cônjuge adúltero com o seu co-réu, por tal condenado. | Não há equivalente |
Comentário
O adultério de um dos cônjuges já não impede que, após divórcio ou viuvez, o adúltero ou adúltera se case com seu companheiro de pecado. Caem as barreiras legais contra o adultério. Antigamente, a justo título, o adultério era considerado uma infâmia, hoje ele “não tem importância”. Mas se o adultério não tem importância, o casamento a tem? É a porta aberta para o amor livre.
Art. 183, XII _ Não podem casar as mulheres menores de 16 anos eos homens menores de 18. | Art. 1517 _ O homem e a mulher com 16 anos podem casar […] |
Comentário
O tufão do igualitarismo soprou tão forte nas mentes dos redatores do novo Código, que até as diferenças naturais mais comezinhas foram varridas. É de experiência universal comum a todos os povos que a maturidade biológica e psicológica para constituir matrimônio se processa antes na mulher do que no homem. A lei civil de 1917 consagrava essa experiência, assinalando idades diferentes para o homem e a mulher poderem unir-se legalmente em matrimônio. Mas o mito igualitário prevaleceu mais uma vez sobre a razão e o bom senso.
Art. 219 _ Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge [o que torna anulável
o casamento]: IV _ o defloramento da mulher, ignorado pelo marido |
Não há equivalente |
Comentário
O Código de 1917 colocava como condição para não se tornar anulável o casamento de mulher solteira, sua virgindade ou o conhecimento, pelo futuro marido, do defloramento havido. Nisto a lei se mostrava incongruente, ao não fazer exigência equivalente em relação ao homem. Mas a solução dessa incongruência deveria dar-se exigindo o mesmo do futuro marido, pois não existe um direito do homem de corromper seu corpo antes do casamento, tendo em vista que a lei moral foi feita para ambos, e não só para a mulher. Ora, o novo Código resolve essa incongruência do lado errado, atropelando a lei moral e tornando não mais anulável o casamento em que a mulher escondeu de seu futuro esposo relacionamentos havidos anteriormente. É mais um passo para oficializar o amor livre, ideal comunista em que todas as mulheres são de todos os homens e vice-versa.
Art. 240, § único _ A mulher poderá acrescer aos seus os apelidos do marido.
(Redação de 1977) |
Art. 1565, § 1º _ Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro |
Comentário
Mais uma evidente manifestação do princípio de que a família não tem, no marido, seu chefe. O afã igualitário dos redatores do novo Código não se deteve nem sequer na consideração de que pode ficar um tanto ridículo o marido adotar o sobrenome da mulher.
Não há equivalente | Art. 1565, § 2º _ O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito […] |
Comentário
Fica introduzida assim a figura do “planejamento familiar”, inexistente no Código precedente. No contexto da moderna licenciosidade de costumes, isso significa sinal verde para o uso de meios anticoncepcionais artificiais e, em certos casos, mesmo abortivos. A decisão é deixada a cargo do casal, como se marido e mulher pudessem estar acima da Lei divina que proíbe tais práticas. Com a agravante de que se institui um novo dever para o Estado, que é o de contribuir com recursos educacionais e financeiros para esse planejamento. Mas nada se diz sobre o dever do Estado de ajudar as famílias numerosas, em que o casal não tenha recursos suficientes para sustentar todos os filhos que Deus lhe mandar. É indiretamente um incitamento à limitação da natalidade.
Já o Papa Pio XII condenava todos os métodos artificiais de limitação da natalidade, no que foi confirmado pela Encíclica Humanae Vitae, de Paulo VI, e por diversos pronunciamentos de João Paulo II, como por exemplo:
1 _ “É moralmente inaceitável que, para regular a natalidade, se encoraje ou até imponha o uso de meios como a contracepção, a esterilização e o aborto” (Encíclica Evangelium Vitae)
2 _ Parece “algo muito alarmante verificar em numerosos países a difusão de campanhas sistemáticas contra a natalidade, por iniciativa dos próprios governos” (Encíclica Sollicitudo Rei Socialis).
Art. 233, III _ Compete ao marido o direito
de fixar o domicílio da família, ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao juiz, no caso de deliberação que a prejudique (Redação de 1962) |
Art. 1569 _ O domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um ou outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes |
Comentário
O domicílio equivale ao lar. Na cidade antiga, era o lugar sagrado onde tinham vivido os antepassados. Se alguma mudança fosse imposta pelas circunstâncias, ao pater familias (o pai de família, o chefe do clã) caberia indubitavelmente qualquer decisão.
Narra a Sagrada Escritura que, no tempo do Profeta Elias, o ímpio rei Acab quis comprar uma herdade, vizinha a seu palácio, oferecendo ao proprietário dela, Nabot, uma outra propriedade melhor ou o preço em dinheiro. Ao que Nabot respondeu altivamente: “Deus me guarde que eu te dê a herança de meus pais” (III Reis, 21,3).
Hoje em dia, infelizmente, posta de lado toda e qualquer preocupação sacral ou mesmo de alguma elevação moral em relação à família ou ao lar, prevalecem os critérios igualitários e meramente utilitários para a escolha do domicílio, como ressalta da redação do art. 1569.
Capítulo VI _ Do Pátrio Poder | Capítulo V _ Do Poder Familiar |
Comentário
O novo Código é minucioso no que diz respeito a eliminar qualquer vestígio de legítima hierarquia entre os cônjuges, até mesmo redacional. No Código de 1917, mesmo quando as circunstâncias levavam a que o poder no lar fosse exercido pela mulher, nem por isso ele deixava de chamar-se “pátrio poder”. Pátrio lembra a figura veneranda do pai, ao qual os redatores do novo Código querem absolutamente desbancar de seu assento. De onde “poder familiar”.
Art. 368 – Só os maiores de 30 anos podem
adotar § único – Ninguém pode adotar, sendo casado, senão decorridos 5 anos após o casamento (Redação de 1957) |
Art. 1618 – A pessoa maior de 18 anos pode adotar
§ único _ A adoção por ambos os cônjuges ou companheirospoderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado 18 anos de idade, comprovada a estabilidade da família |
Comentário
É espantoso como o novo Código retira proteção ao adotado. É patente que as novas gerações, de modo geral, apresentam menor maturidade que as antigas, influenciadas que estão por toda uma contra-cultura dorock, das drogas, das discotecas etc. Assim sendo, baixar drasticamente _ de 30 para 18 anos _ a idade em que se pode adotar, é criar para o adotado condições de formação das mais instáveis e perigosas.
E o parágrafo único ainda agrava a situação. Os adolescentes não precisam estar casados para adotar, basta estar juntados e um deles ter completado 18 anos. Só se exige a “estabilidade da família”. Parece até uma irrisão. Que estabilidade se pode comprovar num casal não-casado em que um tem 16 anos e o outro 18?
Art. 315 — A sociedade conjugal termina:
I. Pela morte de um dos cônjuges; II. Pela nulidade ou anulação do casamento; III. Pelo desquite, amigável ou judicial |
Art. 1571 _ A sociedade conjugal termina:
I. Pela morte de um dos cônjuges; II. Pela nulidade ou anulação do casamento; III. Pela separação judicial; IV. Pelo divórcio
Art. 1580 _ Decorrido um ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos, qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio § 2º _ O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato por mais de 2 anos |
Comentário
O novo Código denomina o “desquite” de “separação judicial” e incorpora o divórcio.
Assim como a família é a base da sociedade, assim também o divórcio é a base da destruição da família.
Fala-se tanto em função social da propriedade. Ora, o casamento indissolúvel tem importante função social a cumprir. Sem a família monogâmica, a sociedade se ressente em todos os seus aspectos, distancia-se de suas raízes, torna-se instável e fica propensa à ascensão de aventureiros de todos os tipos e matizes.
Costuma-se usar, em favor do divórcio, argumentos de caráter hedonista, como seja a preservação da felicidade dos indivíduos que já não se suportam mais um ao outro. Esse argumento é falso, pois o que vemos por toda parte onde o divórcio se implanta é a infelicidade, o remorso de consciência, os filhos traumatizados, as vidas desfeitas, os problemas psíquicos. Mesmo para os casais que não se divorciam, a possibilidade do divórcio funciona como um fator desestabilizador do lar, uma fonte de desconfianças mútuas, de ameaças recíprocas. Onde deveria haver amor e união, regados pela aceitação dos sacrifícios inerentes ao convívio, introduz-se a divisão e a suspicácia.
Ademais, em casos extremos de incompatibilidade, a Igreja sempre permitiu a separação do casal, mas não com novo casamento, que é o que caracteriza o divórcio.
Mas ainda que o argumento hedonista fosse verdadeiro, ele não justificaria a existência do divórcio. Primeiro, porque ele foi proibido por Nosso Senhor Jesus Cristo; segundo, porque a monogamia e a indissolubilidade do matrimônio são de direito natural.
Interessa ao tema transcrever as próprias palavras de Nosso Senhor, no Evangelho:
“Deixará o homem seu pai e sua mãe, e se juntará à sua mulher; e os dois serão uma só carne. E assim não mais são dois, mas uma só carne. Portanto, não separe o homem o que Deus juntou. […] Qualquer que repudiar sua mulher, e se casar com outra, comete adultério contra a primeira. E, se a mulher repudiar seu marido e se casar com outro, comete adultério” (Mc 10, 7-12).
O divórcio, no novo Código Civil, pode ser obtido por conversão (após 1 ano de separação judicial) ou diretamente (após 2 anos de separação-de-fato). Ora, esse divórcio direto abre as comportas para todo tipo de chicanas, dado que a separação-de-fato tem de ser provada por meio da mais trabalhosa e menos segura das provas, a testemunhal. O cônjuge (muitas vezes até em conluio com o outro) poderá, a qualquer tempo, “arrumar” duas testemunhas de que a separação-de-fato vem ocorrendo há mais de 2 anos, com o que conseguirá, de imediato, o divórcio.
E isto pode fazer-se sem qualquer limitação quanto ao número de dissoluções de casamentos. O divórcio equivale, pois, a uma poligamia a prestação, pois em lugar de um homem ter várias mulheres ao mesmo tempo, ele as tem ao longo dos anos. E o mesmo vale para a mulher.
Não deixa de chamar a atenção o fato de que a lei do divórcio tenha sido introduzida no Brasil pelo governo militar. E que, posteriormente, ela tenha sido encampada, sem dificuldade pela nova República, e agora adotada no novo Código Civil.
Criticou-se muito a legislação do período militar e foi elaborada a Constituição de 1988 para acabar com a influência legislativa daquela época. Desceu-se até às minúcias a fim de _ conforme trombeteava então a esquerda _ “limpar” o Brasil de qualquer “entulho autoritário”. Entretanto, a lei do divórcio ficou intocada, como também, aliás, a Reforma Agrária do Estatuto da Terra. Prova evidente de que as esquerdas não são contra a ditadura, a não ser nos pontos em que esta colide com sua ideologia. E até se agradam com as medidas ditatoriais que favorecem suas utopias. A vocação ditatorial das esquerdas é, ademais, bem conhecida!
Cabe ainda uma lamentação, embora alheia ao aspecto civil. Os Tribunais Eclesiásticos estão transformando, muitas vezes, na prática, a anulação de casamento em divórcio disfarçado.
Não há equivalente | Art. 1723 – É reconhecida comoentidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família |
Comentário
O novo Código introduz uma figura inexistente no antigo: a “entidade familiar”. Já não é mais a família cristã, mas uma união espúria de homem e mulher, que se levanta insolente ao lado do casamento.
E servindo de sedução para muitos: para que casar, se basta uma “união estável”? Tem menos burocracia, menos papéis, menos complicação, e tem praticamente o mesmo efeito. E quando quiser se separar, é mais fácil…
Estas pseudo-vantagens, que afrontam a sacralidade do casamento e sua missão divina, entretanto seduzem a muitos, postos na voragem de uma civilização voltada para o egoísmo e o prazer. Seria dever grave dos legisladores opor-se a tal equiparação, mas não é o que vemos no novo Código Civil.
Surge assim, ao lado dos esposos legítimos, a figura dos “companheiros”, que ademais abre as portas para o amor livre e até para pecados contra a natureza, como seja a propalada união entre pessoas do mesmo sexo, o aberrante “casamento” homossexual (ver quadro à pág. 35). Aqui não se usa o termo “companheiros”, mas ele está explícito em outros artigos.
Não há equivalente | Art. 1723, § 1º _ A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos [ao casamento] do art. 1521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente |
Comentário
Existem, como é sabido, vários impedimentos para o casamento. O novo Código aplica esses mesmos impedimentos para a constituição da “união estável”. Entretanto faz uma incrível exceção, que constitui um privilégio em favor da “união estável”.
Pelo inciso VI do art. 1521, estão impedidas de casar as pessoas já casadas. Ora, por este § 1º do art. 1723, uma pessoa casada pode estabelecer uma “união estável” com outra pessoa, bastando para isso que ela esteja separada de seu legítimo cônjuge, de fato ou judicialmente.
Por este § 1º, o próprio divórcio torna-se obsoleto, pois basta que o casal se separe de fato, para que cada cônjuge possa juntar-se com outro, recebendo a proteção da lei. Não é muito diferente do regime que vigora entre os animais no pasto!
Não há equivalente | Art. 1723, § 2º – As causas suspensivas [do casamento] do art. 1523 não impedirão a caracterização da união estável |
Comentário
A chamada “união estável” goza ainda de outros privilégios face ao casamento legítimo. Este último não deve ser realizado enquanto permanecerem determinadas “causas suspensivas” (por ex.: não devem casar o tutor com a pessoa tutelada; a viúva, até 10 meses após o início da viuvez). Ora, tais causas suspensivas não impedem o reconhecimento da união estável. Mais uma razão para ela servir de aliciamento, em prejuízo do casamento.
Não há equivalente | Art. 1790 _ A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável […] |
Comentário
É mais um artigo tendendo a equiparar a esposa legítima à concubina estável, aqui designada por “companheira”.
Art. 337 _ São legítimos os filhosconcebidos
na constância do casamento […] |
Art. 1596 _ Os filhos, havidos ou não na relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação |
Comentário
Este artigo do novo Código Civil abole a distinção entre filhos legítimos e ilegítimos. É uma conseqüência natural de outros dispositivos demolidores da família, como o que equipara o casamento à chamada união estável. É mais um golpe profundo na família cristã, cujos filhos são o fruto normal da união dos esposos e participam da sacralidade do lar, não podendo ser considerados no mesmo pé de igualdade que os nascidos de uniões espúrias, sejam elas adulterinas, concubinárias ou quaisquer outras.
Art. 315, § único – O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10,
segunda parte[referente aos ausentes] |
Art. 1571, § único – O casamento valido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente |
Comentário
Além de introduzir o divórcio como fator de dissolução do casamento, o novo Código ainda inova perigosamente num outro ponto.
Pelo Código de 1917, em certos casos, como o de sucessão hereditária, presume-se morta a pessoa longamente ausente e da qual não se conhece o paradeiro. Mas deixa claro que essa presunção de morte não se aplica ao cônjuge ausente para efeito de dissolver o casamento.
Entretanto, o novo Código, introduz mais um fator de dissolução do casamento _ além do divórcio _ que é a presunção de morte para o cônjuge ausente.
Como se vê, o vínculo conjugal fica seriamente golpeado com mais esse dispositivo.
Não há equivalente | Art. 1597 – Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos […]
III – havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido; IV – havidos, a qualquer tempo, quando se tratar de embriões excedentários, decorrentes de concepção artificial homóloga; V – havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido. |
Comentário
O novo Código Civil legitima a concepção por fecundação artificial. Mera adaptação aos modernos progressos da ciência, dirão alguns. Esquecem-se eles de que a ciência tem de estar necessariamente subordinada à moral, sob pena de as maiores monstruosidades serem tidas como “avanços científicos”. A ciência também descobriu meios eficacíssimos de destruição em massa, como as armas químicas, as bombas bacteriológicas e outras. Vamos por isso legitimar o seu uso?
A fecundação artificial não considera a existência da alma espiritual e trata a reprodução humana como se fosse a de um bicho, buscando mudar impunemente as operações naturais. Faz parte de todo um conjunto de atividades científicas que tendem a colocar o homem no lugar de Deus, fazendo dele um deusinho de carne e osso, que se proclama autônomo em relação aos Mandamentos da Lei divina.
Tanto a fecundação artificial homóloga quanto a heteróloga são condenadas pela Igreja. A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé, na Instrução Donum Vitae, de 22-2-1987, expressamente aprovada por João Paulo II, esclarece:
a) “A fecundação artificial heteróloga é contrária à unidade do matrimônio, à dignidade dos esposos, à vocação própria dos pais e ao direito dos filhos de serem concebidos e trazidos ao mundo no matrimônio e pelo matrimônio”;
b) “A inseminação artificial homóloga dentro do matrimônio não se pode admitir” como substituta do ato conjugal.
E na Encíclica Evangelium Vitae, o Pontífice declara: “Também as várias técnicas de reprodução artificial, que pareceriam estar ao serviço da vida e que, não raro, são praticadas com essa intenção, na realidade abrem a porta a novos atentados contra a vida”. Elas são “moralmente inaceitáveis, porquanto separam a procriação do contexto integralmente humano do ato conjugal”.
Conclusão
Como acabamos de ver, os aspectos negativos e mesmo antinaturais do novo Código ressaltam com muita clareza quando este é analisado à luz da Lei divina e da Lei natural. Nem poderia ser de outra forma, dado que seus autores, juristas competentes embora, buscaram uma adaptação aos tempos presentes, marcados a fundo pela decadência moral.
O maior interesse deste nosso estudo, como certamente notaram os prezados leitores, consiste em indicar, na passagem de um Código para o outro, quais as transformações que sofreram os costumes e as leis. Via de regra, infelizmente, num sentido anticristão e paganizante.
A esse propósito, cabe-nos externar aqui profundo pesar, e nosso veemente protesto, pelo fato de uma minoria impor preceitos profundamente censuráveis, que violam as Leis divina e natural, à população brasileira majoritariamente católica.
Constatado o fato, surge a pergunta: como tal minoria conseguiu isso? Seu êxito só se explica porque omitiram-se aqueles que tinham por missão liderar e articular uma reação eficaz a essa investida anticristã.
Oferecendo a seus leitores a presente análise, Catolicismo, diante dessa lamentável inércia, cumpre seu dever, lançando um brado de alerta às elites religiosas e civis do País e a todo o povo brasileiro. Assim como o anterior Código foi modificado, também este poderá sê-lo para melhor, desde que haja esclarecimento e esforço.
Que Nossa Senhora Aparecida, Padroeira do Brasil, ilumine nossos governantes, especialmente os parlamentares, no sentido de que possam ainda ser preservadas – apesar da avalanche contrária neopagã – as gloriosas tradições cristãs da Nação de maior população católica do Globo.
Extraído da Revista Catolicismo de setembro de 2002